Dr. Neves Pinto, o filho do desembargador violinista de cinema

Dr. Joaquim Neves Pinto

Joaquim Neves Pinto nasceu em Maceió no dia 6 de abril de 1901, filho do bacharel Manoel Lopes Ferreira Pinto (nasceu em 6 de agosto de 1866 e faleceu nos primeiros dias de outubro de 1953) e da pernambucana Maria Luiza Neves Pinto (casaram-se em Recife no ano de 1887).

Seu avô paterno, Joaquim Lopes Ferreira Pinto, foi comerciante em Maceió. Em 1884 instalou, em sociedade com Antônio Constantino Pereira Diegues e Tibúrcio Alves de Carvalho, a firma De Carvalho Lopes & Cia na Rua do Comércio. Depois surgiu a firma Lopes & Filho, com endereço na Rua do Comércio, nº 172. Sua avó paterna foi Carolina Leopoldina Ferreira Pinto, que nasceu em 1844 e faleceu em 10 de março de 1939.

Maria Luísa Neves Pinto era filha de Júlio Augusto da Silva Neves e de Lucinda Aurora de Menezes Neves. Faleceu em 25 de setembro de 1920.

Desembargador Manoel Lopes Ferreira Pinto, pai do dr. Neves Pinto

O violinista

O bacharel Manoel Lopes Ferreira Pinto, que havia assumido três meses antes do nascimento de Joaquim Neves Pinto a Promotoria Pública de Maragogi, por nomeação do governador Pedro Paulino da Fonseca, muitos anos depois, quando já era juiz de Direito, foi o protagonista do histórico episódio envolvendo o então governador Costa Rego e o presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, desembargador Toscano Espíndola.

Costa Rego o havia indicado, em 1927, para compor aquele colegiado, mas o dr. Espíndola não concordou e procurou o governador para denunciar que o escolhido tocava violino no Cinema Floriano (ainda era o tempo do cinema mudo) e que, portanto, não ficava bem para o Tribunal tê-lo como um de seus membros.

Ao ouvir o argumento do magistrado, o governador reagiu:

— Se o Dr. Lopes toca violino no cinema, é porque o ordenado de juiz não dá para ele manter a família. E o fato diz bem da sua dignidade porque comprova que se trata de um magistrado rigorosamente honrado, que não vende sentenças, apesar das dificuldades financeiras com que luta. Promovido a desembargador, estou certo de que o Dr. Lopes não tocará mais violino no Cinema Floriano, pois os seus vencimentos serão, então suficientes, para ele manter a família.

O jovem médico Joaquim Neves Pinto

Dr. Neves Pinto

Após os estudos no Colégio Diocesano de Maceió, Joaquim Neves Pinto enfrentou os preparatórios no Liceu Alagoano e, em 1919, estava no Rio de Janeiro iniciando o curso de Medicina na Faculdade Nacional, de onde saiu diplomado em dezembro de 1924. Sua especialização em oftalmotorrinolaringologia foi na Clínica de Olhos da Santa Casa de Misericórdia, ainda no Rio de Janeiro. Por três anos esteve sob a orientação do professor Abreu Fialho, de quem chegou a ser assistente na Faculdade de Medicina.

Em 1926, conquistou o título de Doutor em Medicina no Rio de Janeiro ao defender sua tese sobre Tuberculose Ocular. A busca por aprimoramento foi uma marca de sua carreira profissional, o levando a participar de vários cursos em Paris, Berlim, Chicago e Nova Iorque.

De volta à Maceió (era o primeiro especialista em oftalmo-otorrinolaringologia do Estado), criou, em 1925, o Serviço de Olhos da Santa Casa de Misericórdia e, quatro anos depois já dava os primeiros passos para a instalação do futuro Instituto Neves Pinto. O correspondente em Alagoas do jornal A Província (PE) de 26 de junho de 1929, assim informou: “O dr. Neves Pinto, médico oculista, instalou nessa capital, o seu bem montado consultório, com aparelhamento moderno e instalação de casa de saúde para internação de doentes”. Ficava na Rua Barão de Penedo, antiga Rua Nova.

Reconhecido como portador de sólida formação humanística, o dr. Neves Pinto se expressava em vários idiomas, incluindo o alemão. Herdou também do pai o refinado domínio sobre o violino, que o levou à convivência íntima com a música clássica.

Foi essa formação humanista que o impulsionou a contribuir com o Instituto de Assistência e Proteção à Infância, onde foi chefe do Serviço de Saúde e implantou, em 18 de fevereiro de 1935, no Dispensário João Pedro Xavier, uma enfermaria para menores operados no ambulatório de Olhos, Ouvidos, Nariz e Garganta.

Casa de Saúde Neves Pinto

O Instituto Neves Pinto foi inaugurado em 10 de janeiro de 1937 — com as bençãos do cônego Capitulino de Carvalho —, ocupando amplas instalações na Rua Conselheiro Lourenço de Albuquerque, antiga Rua Boa Vista (voltou a ser Rua Boa Vista em 1991), nº 105/107.

A futura Casa de Saúde Dr. Neves Pinto era a primeira do gênero em Maceió a tratar das doenças dos olhos, nariz, garganta e ouvidos. Foi para lá que, em 1948, seu criador levou o moderno laboratório para a manipulação de lentes de contato. Tinha passado alguns meses em Nova Iorque se especializando nessa novidade à época.

Inauguração da Casa de Saúde Dr. Neves Pinto em 1937, com a presença de 1) Desembargador Manoel Lopes Ferreira Pinto; 2) Monsenhor Fernando Alves Lira; 3) Monsenhor Capitulino de Carvalho; 4) Dentista Adolfo de Carvalho; 5) Médico Jarbas Mendonça; 6) Médico Durval Cortez; 7) Médico Raimundo Costa; 8) Engenheiro Afonso Lira; 9) Médico A.C. Simões; 10) Médico Jacques Azevedo; 11) Sra. Lourdes Ramalho; 12) Doutor Médico Neves Pinto; 13) Médico Paulo Machado; 14) Médico Olavo Omena; 15) Médico Deraldo Campos; 16) Médico José Lira; 17) Comerciante Manoel Ramalho de Azevedo; 18) Comerciante Manoel Gomes Machado; 19) Médico Ezequias da Rocha; 20) Jornalista Melquiades Rocha; 21) Médico José Teixeira Neto; 22) Médico Abelardo Duarte; 23) Dentista Anthero Sampaio; 24) Médica Vitorinha Pontes de Miranda; 25) Médico Manoel Machado; 26) Médico Rodrigo Ramalho; 27) Manoel Machado Ramalho (Engenheiro)*; 28) Jornalista Luiz Silveira; 29) Médico Fernando da Rocha; 30) Escritor Manoel Onofre; 31) Sra Alda Lavenére Machado Ramalho; 32) Médico Luiz Sampaio; 33) Luiz Alberto Machado Ramalho (Militar graduado)*. Foto e informações da Coleção Memorial Dirceu Falcão, organizado por Guilherme Benjamin Brandão Pitta e Júlio Joaquim Perin Siqueira.

Centro Cirúrgico da Neves Pinto

No início de 1962, o dr. Dirceu Falcão, que havia ficado de fora do grupo do dr. Ib Gatto, que deixou a Santa Casa de Misericórdia pelo Hospital dos Usineiros, associou-se com os doutores Haroldo Dionísio e Carlos Paes e resolveram criar um Centro Cirúrgico.

Após exaustiva procura por um imóvel adequado a esse fim, o dr. Haroldo Dionísio lembrou que a Casa de Saúde Dr. Neves Pinto tinha pouco movimento e que dispunha de sete quartos e um apartamento, além de amplo terreno. Resolveram arrendá-la.

Desenho da Clínica Neves Pinto. Ilustrou a capa do livro do dr. Dirceu Falcão A Clínica Cirúrgica da Casa de Saúde Neves Pinto e a Evolução da Cirurgia em Alagoas, Gráfica do Senado, 1990

Ainda em 1962, iniciaram sua reforma e ampliação, além da compra, em Recife, de material cirúrgico e hospitalar. Entrou em funcionamento em 2 de janeiro de 1963, mas a inauguração oficial se deu somente em 16 de junho desse mesmo ano.

Após a ampliação e reforma das antigas e precárias instalações, a Casa de Saúde Dr. Neves Pinto passou a contar com 30 leitos (três apartamentos, sete quartos e duas enfermarias com seis leitos cada), Centro Cirúrgico com duas salas, esterilização e preparo de material, expurgo, lavabos e sala de anatomia patológica. Tinha ainda secretaria e arquivos, farmácia, sala de espera ampla (funcionava também como sala de reuniões), vestiários, pequeno banco de sangue, consultório médico, vestiário e copa-cozinha (Coleção Memorial Dirceu Falcão, volume 1, organizado por Guilherme Benjamin Brandão Pitta e Júlio Joaquim Perin Siqueira).

Os convênios com o IAPC e o IAPFESP e a clínica particular garantiam o equilíbrio financeiro do empreendimento.

A inauguração, às 15h do dia 16 de junho de 1963, contou com a benção do arcebispo coadjutor de Maceió, D. Adelmo Machado, e com a presença de várias autoridades

Nos anos seguintes, mais médicos aderiram ao empreendimento: Antônio Dantas, Antenor Teixeira Leal, José Luiz jardim Pedrosa, Ary Alves, Hugo Vital, Walter de Souza Lima, José Rocha, Everaldo Lemos, Tania Menezes Pereira e Roberto Jackson. Foram esses profissionais que transformaram aquela instituição numa referência em atendimento à saúde em Alagoas e revolucionaram a medicina no Estado, segundo avaliação do próprio dr. Dirceu Falcão.

Dr. Dirceu Falcão durante o lançamento do livro do seu amigo Lauthenay Perdigão

Foi nessa Clínica e nesse período que dr. Carlos Paes, uma referência na anestesiologia alagoana e brasileira, utilizou pela primeira vez em Alagoas aparelhos de ventilação mecânica (Takaoka) e criou a primeira recuperação anestésica e semi-intensiva (tinha seis leitos), segundo informações do dr. Guilherme Pitta.

Em 1970, por força do contrato de arrendamento e por divergências com o dr. Neves Pinto, a Clínica Cirúrgica de Casa de Saúde Dr. Neves Pinto passou a ser a Clínica Cirúrgica de Maceió Ltda. Funcionou até 31 de maio de 1983, quando enfrentou problemas financeiros e fechou as portas. Foi absorvida pela Clínica Santa Juliana.

Um pouco antes, em 22 de janeiro de 1979, o dr. Dirceu Falcão havia deixado a direção da Clínica Cirúrgica de Maceió para criar, em sociedade com Ary Alves de Oliveira e Selma Gomes, a Clínica Cirúrgica e Vascular. Foi instalada na Rua Epaminondas Gracindo, nº 96, na Pajuçara (atual prédio da Medicor). Existiu até o dia 31 de dezembro de 1989.

Dr. Dirceu Falcão faleceu em 24 de julho de 1992.

Júlio Joaquim Perin Siqueira, em texto da Coleção Memorial Dirceu Falcão, cita que o dr. Carlos Paes se referia à Clínica Cirúrgica de Maceió como uma “verdadeira Faculdade de Medicina”. Revela também que “muitos profissionais se aproximaram da clínica, queriam assistir às discussões, outros eram convidados a proferir palestras. Todos queriam participar das experiências ali vivenciadas, pois a Neves Pinto era, na época, a grande academia. Se os profissionais eram chamados de ‘os iluminados’”.

Dirceu Falcão, em artigo publicado em O Diário, de 29 de maio de 1992, avaliou assim a sua passagem por esta Clínica: “Inauguramos um sentido de equipe médico-acadêmica e desenvolvemos, além das atividades clínicas, treinamento clínico-cirúrgico dos médicos e estudantes, prolongando com cursos, estágios e residências em outros centros mais adiantados; reuniões e congressos no Brasil e no Exterior; a realização de diversos cursos (dos quais um anual e com a presença de professores de outros estados) e finalmente atividades docentes regulares”.

O dr. Neves Pinto, que permaneceu atendendo em uma dependência da Casa de Saúde Dr. Neves Pinto, clinicou até 1987, quando se aposentou aos 86 anos de idade. Seus últimos trabalhos eram voltados ao estudo da refração ocular.

Dr. Neves Pinto e sua esposa Olga Lavenère Machado

Família 

Joaquim Neves Pinto casou-se, em 20 de fevereiro de 1934, com Olga Lavenère Machado, que passou a assinar Olga Machado Neves Pinto.

Nascida no dia 9 de março de 1912 em Maceió, era filha de Manuel Gomes Machado e Albertina Lavenère Machado (filha de Luiz Lavenère Wanderley e de Maria Capitulina Martins Ribeiro). Faleceu no Rio de Janeiro em 9 de Janeiro de 1996.

Joaquim e Olga tiveram quatro filhos: Roberto Machado Neves Pinto, que nasceu em 9 de junho de 1935. Médico otorrinolaringologista, é um dos expoentes da Rinologia no país; Vera Machado Neves Pinto, nascida em 23 de junho de 1941; Ana Maria Machado Neves Pinto, que nasceu em 11 de maio de 1946 e que casada passou a assinar Ana Maria Neves Pinto Meister; e Olga Machado Neves Pinto.

Dr. Joaquim Neves Pinto

O dr. Neves Pinto faleceu em 21 de janeiro de 1992.

4 Comments on Dr. Neves Pinto, o filho do desembargador violinista de cinema

  1. Betania calheiros // 3 de julho de 2023 em 20:02 //

    Parabéns por oportunizar o conhecimento dos grandes homens q fizeram história em Alagoas.

  2. Claudio de Mendonça Ribeiro // 4 de julho de 2023 em 07:36 //

    Prezado Ticianeli, mais uma vez grato pela publicação desta matéria. Parabéns.

  3. Maria Cleide // 4 de agosto de 2023 em 12:56 //

    Como ter acesso a Coleção Memorial Dirceu Falcão? Muito obrigada por essas leituras brilhantes, eu viajo em seus textos. Deus o abençoe!

  4. Teve circulação restrita. Não acho que você vá encontrar para comprar, mas vale a pena procurar na internet.

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*