Comandante do Exército em Alagoas se nega a disparar contra pernambucanos

O histórico 20º Batalhão de Caçadores se negou a participar do conflito entre forças políticas pernambucanas ocorrido no final de maio de 1922

Quartel do 20º BC em Maceió na década de 1940

O 9º Batalhão de Caçadores, criado em 19 de abril de 1851 e sediado no Rio de Janeiro, foi a unidade militar que viria a ser o histórico 20º Batalhão de Caçadores a partir de 11 de novembro de 1919.

Veja a História do Exército Brasileiro em Alagoas AQUI.

Sua fixação em Alagoas se deu por determinação do Decreto nº 15.325, de 31 de dezembro de 1921. O documento legal foi assinado pelo presidente Epitácio Pessoa com o propósito de organizar o Exército ativo em tempo de paz.

Vista Aérea do quartel do 20º Batalhão de Caçadores na futura Praça da Faculdade em Maceió. Foto de 2 de abril de 1934

Entretanto, foi esse mesmo presidente que, meses depois, colocou o 20º BC entre a cruz e a espada ao autorizar o seu deslocamento para Recife com o objetivo de executar uma ação repressora.

O conflito armado no estado vizinho surgiu a após a morte do governador pernambucano José Rufino Bezerra Cavalcanti em 27 de março de 1922. Eleito e empossado em 24 de dezembro de 1919, José Rufino adoeceu e se afastou em 28 de outubro do ano seguinte, sendo substituído interinamente pelo presidente da Assembleia Legislativa Estadual, Otávio Hamilton Tavares Barreto, que passou o cargo para Severino Marques de Queirós Pinheiro em 3 de junho de 1921.

Com a sua morte, foi aberto o processo sucessório e logo surgiram as candidaturas do senador José Henrique Carneiro da Cunha, situação conservadora, e do prefeito de Recife coronel Eduardo de Lima Castro, da oposição e ligado ao presidente Epitácio Pessoa — houve ainda a candidatura independente de João Ribeiro Britto. A campanha ocorreu em clima da alta tensão, mas no sábado, 27 de maio de 1922, a eleição aconteceu sem grandes incidentes. Sagrou-se vencedor Carneiro da Cunha.

Dias antes do pleito, a imprensa já denunciava que o presidente Epitácio Pessoa estava tomando partido de um dos lados “com a escandalosa concentração de forças federais no Recife, e outras condescendências de duvidosa legalidade, e sobretudo moralmente indefensáveis para um chefe de Estado que tenha, como os tem o sr. presidente Epitácio, parentes e amigos seus envolvidos nessa contenda como principais interessados” (Diário de Pernambuco de 27 de maio de 1922).

Quem chefiava para Epitácio Pessoa a “intervenção militar” nas eleições pernambucanas era o comandante do 6º Exército, coronel Jayme Pessoa da Silveira. Na noite de domingo, 28 de maio, às 22 horas, começaram os tumultos nos bairros centrais da cidade por iniciativa dos destacamentos do Exército. Por precaução, o governador mandou recolher aos seus quarteis a Força Policial.

Às 23 horas a fuzilaria já era ouvida em toda a cidade. Em seguida essas forças atacaram o “Diário do Povo” e o Posto Policial de Santo Amaro, nessa ação atuaram praças do Exército, o Tiro nº 666 e paisanos agregados. Houve a reação da Força Policial (40 homens) comandada pelo tenente Miguel Calmon. O tiroteio se estendeu até às 4 horas da manhã, quando a Força Policial se retirou e o Posto foi invadido e depredado.

Bonde elétrico inglês na Ponte Buarque de Macedo em Recife, postal de 8 de setembro de 1916

No combate do Diário do Povo ficaram feridos João Martins, Antônio Joaquim Ferreira, Isnaldo P. Fonseca, Bertino Severino da Silva e os soldados do Exército Elias Custódio e Antônio José dos Santos.

O negociante José Martins, mais conhecido como Zuza Boca de Ouro, faleceu no combate. Mais duas pessoas não identificadas morreram no episódio.

No embate do Posto Policial ficaram feridos o soldado Manoel Mendes de Lyra, além de Abílio Cordeiro de Lima e mais um popular não identificado.

Os outros feridos foram: Amaro Malaquias, Antônio Rosa, Marcionilo T. de Souza, Antônio Joaquim Ferreira, Roberto Martins Costa, José Arão Ferreira, Ricardo B. Botelho, Ulysses Gaspara Raposo, Josué Ferreira e o soldado da Cavalaria Luiz Mendes de Medeiros.

Muitas famílias abandonaram suas casas e buscavam refúgio em Olinda. A população em pânico ainda testemunhou o fuzilamento, na Rua Imperial, de um jovem de “distinta família pernambucana”.

O dentista Thomaz Coelho Filho vinha num automóvel do município de Moreno para Recife, chamado a tratar de assunto urgente. Na Rua Imperial, às 19 horas, o carro recebeu ordem para parar de um piquete do Exército. Como vinha em alta velocidade e demorou a cumprir o comando, o automóvel foi atingido por disparos. Apavorado, o jovem Thomaz desceu rapidamente do veículo para evitar mais incidentes. Foi recebido por nova descarga de tiros. Um deles, que o atingiu na região abdominal, o levou à morte no dia seguinte, após cirurgia no Hospital Português.

Na noite de 30 de maio o Tiro 666 e o 13 de Maio ainda tentaram tomar o quartel do Regimento de Cavalaria na Av. João de Barros, mas foram repelidos pela Força Policial.

No dia seguinte, com a ordem reestabelecida e as tropas recolhidas aos quartéis, teve início outra batalha entre os que advogavam a posse do eleito e os que contestavam a legitimidade do pleito.

A queda de braço se arrastou até outubro, quando o Estado ficou sob ameaça de intervenção Federal e as duas facções resolveram evitar esse dano maior aceitando que um pernambucano, escolhido de comum acordo, fosse indicado. A indicação recaiu sobre o juiz Sérgio Lins de Barros Loreto, que foi empossado em 18 de outubro.

Coronel Cesario de Mello e o 20º Batalhão de Caçadores, de Alagoas

Dias antes das eleições, o comandante da 6ª Região Militar, coronel Jayme Pessoa da Silveira, argumentando que “os cangaceiros do senador Borba” e o “agitador Joaquim Pimenta” haviam promovido distúrbios e que possuíam munição e explosivos na casa do senador na Rua do Imperador, solicitou autorização ao Catete para convocar a presença do 20º BC, de Alagoas.

O ministro da Guerra negou o pedido julgando não necessário, mas autorizou deixar o Batalhão de prontidão para atender ao primeiro chamado.

Mesmo com a negativa do ministro, o coronel Jayme conseguiu autorização do presidente Epitácio Pessoa e chamou o 20º BC a Recife. Explicou que agiu assim por saber que haveria uma greve e que se cortariam as comunicações ferroviárias, isolando as forças federais da sede do comando da região.

E assim, o 20º Batalhão de Caçadores se deslocou para a capital pernambucana onde chegou em 26 de maio, mas diante de uma situação claramente partidarizada do comandante, coronel Jayme Pessoa da Silveira, optou por não participar de ataque ou defesa de local algum.

Tenente-coronel, depois reformado como General de Brigada, Vicente de Paula Cesario de Mello

O batalhão liderado pelo coronel Vicente de Paula Cesario de Mello — havia assumido o comando em 25 de fevereiro daquele ano — se negou a participar de ações que colocassem vidas em risco.

Em Maceió, a expectativa era enorme com o que poderia acontecer com os militares, principalmente os alagoanos que foram convocados para o conflito. A intervenção não foi bem recebida pelos oficiais do 20º BC e por alguns parlamentares.

Como Fernandes Lima, governador de Alagoas, era alinhado politicamente com o presidente Epitácio Pessoa, a imprensa local não repercutiu os eventos de Recife, mas a notícia dando conta que o batalhão de Alagoas não tinha participado de ação armada foi recebida com manifestações de apoio em Maceió.

Telegrama do governador de Pernambuco assim tratou a digna postura do 20º BC: “O coronel Cesario afirmou que as forças de seu comando não atiraram contra o povo pernambucano. Pode tranquilizar o heroico povo alagoano, cujas glórias se confundem com as de Pernambuco, dizendo-lhe que Pernambuco não foi ofendido nos seus brios pelo disciplinado 20º Batalhão”.

O 22º Batalhão de Caçadores, da Paraíba, também foi levado a Recife e da mesma forma não participou de nenhum ato do conflito.

Outro telegrama, agora dirigido ao coronel Jayme Pessoa e ao tenente-coronel Cesario de Mello, foi enviado a Recife, em meados de junho, pelo presidente do Clube Militar, o alagoano marechal Hermes da Fonseca.

“O Clube Militar é contra a situação angustiosa em que se acha Pernambuco, narrada por fontes insuspeitas. Dão ao nosso glorioso Exército, odiosa posição como algoz do povo pernambucano; o Clube vem fraternalmente lembrar-vos mediteis nos termos dos artigos 6º e 14º da Constituição, a fim de isentardes vosso nome e o da classe da maldição dos nossos patrícios.

O apelo que ora faço aos ilustres colegas, cônscio, correspondem aos instantes pedidos dos nossos camaradas aí, no sentido de ampará-los na crítica emergência em que se procura desviar a força armada do seu alto destino.

É confiante no vosso zelo patriótico pela manutenção do amor pelo Exército do povo de nossa terra, que vos falo nesse grave momento. Não esqueçais que as situações políticas passam e o Exército fica. Saudações. (a) Marechal Hermes da Fonseca”.

Palácio da Soledade, que foi quartel e atualmente é sede do Iphan em Pernambuco

Um artigo assinado por Mário Rodrigues e publicado no Jornal de Recife de 21 de junho de 1922 destaca “as fileiras do 20º Batalhão de Caçadores, que se recusou à empreitada, segundo depoimento do seu ilustre comandante, o coronel Cesario de Mello, contido naquela expressão: ‘Sou pernambucano; os meus soldados não atiraram contra o povo’”.

Vicente de Paula Cesario de Mello, além de pernambucano era um velho conhecido nos meios políticos e militares daquele Estado, onde ocupou vários comandos de Unidades Militar.

Esteve também em alguns Estados, mas em junho de 1919, quando ainda comandava o 12º Regimento de Infantaria (até julho de 1919) e em seguida o 35º Batalhão, era quem substituía interinamente o general comandante da Região Militar, Joaquim Ignácio Baptista Cardoso. Conseguiu a promoção a tenente-coronel em dezembro de 1919.

Foi por ter essa história e compromissos com o seu Estado que se envolveu num episódio que fez crescer o reconhecimento por seu equilíbrio e sensatez. Às 22 horas de 30 de maio de 1922, se retirava da residência do coronel Lima Castro, um dos candidatos ao governo, onde fora retribuir uma visita. Já na rua recebeu uma forte descarga de rifles partida de uma rua transversal. Uma das balas o atingiu na coxa direita, sem gravidade.

Um empregado da casa tentou sair para chamar um médico e foi detido. Quem tentava sair era alvo de disparos. Somente às 2 horas da madrugada foi que o militar conseguiu ser conduzido por seu amigo coronel Lima Rocha para o hospital e assim tratar dos ferimentos.

Após ser atendido, Cesario de Mello foi até o Quartel da Soledade, onde estava alojado o 20º BC, para conter seus comandados, que queriam a todo custo sair para a rua e vingar o chefe baleado. Em seguida, o comandante voltou ao Hospital Militar onde permaneceu internado por alguns dias.

O 20º BC deixou Recife de volta a Maceió no dia 11 de julho de 1922, embarcando num trem na Estação Cinco Pontas. Voltou comandado pelo major Antônio Luiz Cavalcanti de Albuquerque.

O tenente coronel Vicente de Paula Cesario de Mello, que havia assumido o comando do 20º BC em 13 de março de 1922, foi substituído em 21 de junho do mesmo ano pelo tenente coronel Luiz Sombra.

Entre abril e maio de 1922 esteve interinamente no comando da 5ª Região Militar em Salvador, Bahia. Voltou a Maceió a tempo de conduzir o 20º BC a Recife. Chegou à Reforma em 21 de junho de 1923 com a patente de General de Brigada.

Vicente de Paula Cesario de Mello casou-se, no dia 19 de julho de 1906, em Natal, com a potiguar Julieta Augusta Cesario de Mello (1887-1974). Moravam em Recife. Tiveram quatro filhas e um filho: Graziella Cesario de Mello (1907-1970), que casou-se em dezembro de 1922 com o 2º tenente Euclides Monteiro da Silva Braga); Maria Carolina Cesario de Mello (1908-1979). Casou-se com José Filizola; José Cesario de Mello (1911-1944). Casou-se com Evani de Carvalho; Maria Helena Cesario de Mello (1922-27/06/1938 – suicídio) e Graciela Cesario de Mello. Casou-se com Armínio de Lalor Motta.

O general Vicente de Paula, que faleceu em Recife aos 40 minutos do dia 30 de maio de 1937, era filho de José Cezario de Mello Filho e de Vicentina de Paula. Julieta Augusta era filha de Vicente Ferreira de Góis Lyra e de Maria Carolina de Aguiar Nascimento. Teve vários irmãos. Um deles, o dr. Júlio Cesario de Mello, foi deputado federal e senador pelo Rio de Janeiro.

2 Comments on Comandante do Exército em Alagoas se nega a disparar contra pernambucanos

  1. Muito bôa a matéria do meu querido amigo André…

  2. Em que período o palácio da Soledade serviu de quatel, visto que ele sempre pertenceu a Arquediocese,servindo primeiro como moradia dos Bispos depois escola.

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