Cinzas de um carnaval que não houve

Carnaval da Rua do Comércio em 1952

Edberto Ticianeli

O vento que percorria a Rua do Comércio vindo da Praia da Avenida era muito frio para uma noite de fevereiro. Estranhamente frio. No Centro de Maceió apenas parte do lixo deixado durante o dia tentava acompanhar as suaves curvas criadas pela brisa marinha.

De repente fez-se calmaria. Silêncio absoluto. Ali perto, o relógio da Catedral movimentava seus ponteiros no último impulso para marcar a meia-noite daquela terça-feira de carnaval.

E quando isso aconteceu, o tempo parou.

Nas proximidades do antigo Relógio Central, as luzes quase que apagadas, como se fossem antigos lampiões a gás, deixavam ver apenas um vulto disforme vagando na rua deserta.

Era o Espírito dos Carnavais Passados envolto numa nuvem multicolorida.

Fora despertado pelo silêncio de uma cidade sem folia e temia não ter nada para guardar pela primeira vez na sua longa vida.

Carnaval na Rua do Comércio em 1958

Rodopiou pela Rua do Comércio procurando algo perdido. Parou na esquina do Beco do Moeda como se esperasse o toque dos clarins e em seguida avistasse Rás Gonguila à frente dos Cavaleiros dos Montes.

Foi um pouco mais à frente na esperança de encontrar o palanque da Av. Moreira Lima, onde Edécio Lopes estaria transmitindo para a Rádio Difusora mais um concurso de passo.

Lá da Praça dos Martírios imaginava ouvir o canto das Ciganinhas do Major Bonifácio, que chegavam animadas de Bebedouro. Da Ponta Grossa sentia-se a poeira de ouro levantada pelo frevo na praça que recebeu o nome do passista Moleque Namorador.

Voltou até as imediações do Cinearte na expectativa de ver a chegada do corso vindo da Praia da Avenida, palco do concorrido Banho de Mar à Fantasia.

Os carros sem as capotas não apareceram, mas o som de uma orquestra na Av. da Paz não lhe deixava dúvidas que o Paulo Sá estava cantando no animado baile do Clube Fênix.

Da Rua do Livramento dava para se ouvir a famosa bateria da Escola de Samba Circulistas chegando ao centro da cidade, vindo da Zona Sul da capital.

Estava neste devaneio, que somente os Espíritos dos Carnavais Passados conseguem, quando o relógio da Catedral, que milagrosamente tinha voltado a funcionar, anunciou a Quarta-Feira de Cinzas.

Triste e abatido por não ter nada para guardar daquele carnaval, o guardião das nossas melhores memórias festivas começou a se desvanecer em cinzas.

A sua última visão foi a de um Rei Momo, que se aproximou exibindo enorme sorriso no rosto. Fitou-o carinhosamente e cantou:

“Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar.
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar…”.

Depois saiu dançando em direção ao Bar do Chopp como se fosse um gringo no samba.

10 Comments on Cinzas de um carnaval que não houve

  1. Maravilhoso! 👏👏👏

  2. Fátima Almeida // 17 de fevereiro de 2021 em 15:31 //

    Que texto lindo, Ticianelli. Mesmo não tendo vivido esses tempos gloriosos dos carnavais no centro de Maceió, onde só cheguei aos 14 anos de idade, viajei, cantei, bailei e sonhei nesse texto.

  3. CARLOS ROBERTO // 17 de fevereiro de 2021 em 16:03 //

    Arretado, genial, antológico, emocionante esse texto do Ticianeli

  4. Excelente! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

  5. Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros // 17 de fevereiro de 2021 em 17:41 //

    Poético texto, que ressalta as fotografias da Maceió que o tempo e os homens de cada tempo destruíram, enterrando agora com o fim de Bebedouro da Fábrica Bom Parto e dos passistas do bloco do “Major do povo” na voz de Luiz Gonzaga: “Bonifácio, Major do povo, velhinho novo, a comandar, Carapeba, por onde passa……….
    Parabéns Ticianeli, cronista cada dia melhor!

  6. Janaina Régia Pinto // 18 de fevereiro de 2021 em 22:07 //

    Amo as histórias antigas de Alagoas me emocionei quando falou no Calaveiro dos Montes minha vó hj com 90 anos sempre fala desse bloco e o arrasta veia muito bom viajar no tempo tá de parabéns essa equipe q ñ deixa nossa história morrer.

  7. André José Soares Silva // 19 de fevereiro de 2021 em 05:25 //

    Perfeito 👏👏👏

  8. Parabéns amigo Ticianelli pelo excelente texto. Por alguns instantes me transportei para a década de 60, quando levado pelo meu saudoso pai, acompanhei alguns momentos desse carnaval que infelizmente não volta mais. Parabéns pela luta pra manter viva na memória de todos o nosso saudoso carnaval. Saudades que a gente sente!

  9. Caramba,…. Eu já sou apaixonado por Maceió, desde minha juventude, quando a conheci no ano 1990,….(em lua de mel)….. ()Agora que descobri este site com história antiga,… Tô me arrebentando de amor por Maceió. Estou querendo morar deves aí. Parabéns ao pessoal que criou este site. Caso queiram enviar outras coisas boas assim,…eis meu e-mail: miguelwilliam2@hotmail.com…. Alguém aí de 60 anos, quer fazer amizade comigo ???? Para trocar coisas boas de Maceió comigo ???

  10. Nostálgico!

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