Chegança e Fandango, heranças ibéricas no folclore alagoano
Reportagem dos jornalistas Luiz Alípio de Barros e José Medeiros (fotos) publicada na revista O Cruzeiro de 6 de dezembro de 1947, que contou com a orientação do professor Theo Brandão em Maceió
Cheganças e Fandangos são em Alagoas os autos ou folguedos de exclusiva origem peninsular, filiados ao ciclo dos “navegantes ou dos descobridores”.
A Chegança é a sua forma mais completa, complexa e antiga, aquela que pode ser considerada no justo termo em auto popular, com entrecho dramático em vários episódios, ora cantados, ora declamados (embaixadas) e tudo isso acompanhado de danças. É o correspondente dos folguedos da “Barca” ou “Marujada” de outros Estados.
O Fandango é o variante mais recente, seguramente importado de Pernambuco, pois sua existência em Alagoas vem de um tempo menos remoto. Parece, o Fandango, uma fragmentação do auto primitivo, do qual se conserva o episódio da tormenta do gajeiro com o clássico romance ou xácara da Nau Catarineta, ao qual se ajuntam, indiscriminadamente, e sem nenhuma ligação dramática que, ora fragmentos da Chegança completa, ora antigas nautas de diversa origem, época e procedência. Portanto, enquanto na Chegança existe uma sequência, os episódios se unem num “romance”, num drama, no Fandango os episódios são soltos, não possuem uma sequência dramática.
Não cabe aqui discutir nem a origem do termo Chegança (Cândido de Figueiredo em seu “Novo dicionário da língua portuguesa”, registra o vocábulo como dança lasciva do século XVIII e que era tão imodesta em coreografia que a proibiram pelos tempos de Pombal” — “As Cheganças”, in “O Estado de São Paulo”, de 6-8-39) nem a debatida questão de saber se, em Alagoas, pelo menos, houve primitivamente uma só Chegança, com todos os episódios náuticos e guerreiros, Chegança que se fragmentou na “Barca”, na Chegança de “Marujos”, na Chegança de “Mouros”, de outros Estados, ou, se ao contrário, havia primitivamente uma Chegança para cada um dos episódios principais, que em Alagoas se amalgamaram numa só Chegança.
O que há a frisar — e aqui aproveitamos uma das mais valentes observações do Dr. Théo Brandão — é que hoje, e pelo menos de há cinquenta anos para cá, a nossa Chegança é uma só, englobando os episódios principais da tormenta, da morte ou ferimento do piloto, do combate aos mouros, e os episódios iniciais ou secundários, da marcha para o navio, da entrada na nau, da despedida, do episódio de levantar ferros, dos contrabandistas, dos trabalhos náuticos, do episódio do ração e da bebedeira do piloto.
Folguedos populares, a Chegança e o Fandango são, em Alagoas, folguedos tipicamente natalinos, e seu período de ação vai do dia 24 de dezembro, véspera de Natal, até 6 de janeiro, dia de Reis. Mas, a Chegança e o Fandango não são organizados assim na hora. Já em junho começam os preparativos para as grandes jornadas, e os ensaios são levados muito a sério.
De tradição puramente náutica, a Chegança e o Fandango possuem em geral nas suas interpretações homens que têm as suas vidas ligadas ao mar. Encarnam sempre os personagens dos folguedos: velhos marinheiros, estivadores trapicheiros, catraieiros, pescadores, armadores, e os meninos, filhos destes trabalhadores do mar.
Como não há nada escrito, tudo é aprendido através dos ensinos do “mestre”, que tem todas as palavras e toda a música na cabeça. Assim a tradição dos folguedos tem chegado até hoje, através da memória de homens rudes e analfabetos mas que são os esteios do patrimônio folclórico de uma das regiões mais ricas do Brasil neste setor.
O “mestre”, que conheceu os dramas e a música dos folguedos pela boca de um “mestre”, passa a sua experiência e seus conhecimentos a um discípulo, que tornar-se-á um outro “mestre”. Dura maneira de se conservar uma tradição, mas o que possui hoje o Nordeste brasileiro no seu folclore é uma prova cabal de que os trabalhos dos seus homens rudes e analfabetos não têm sido em vão.
Entretanto, como dizíamos acima, os ensaios para as representações de fim de ano começam cedo. E nos meados de dezembro o grupo está artisticamente preparado para exibições públicas.
Suas fardas (as fardas são copiadas dos nossos marinheiros) em ordem, as do Fandango de cor azul-marinho, as da Chegança brancas. Sobre esta questão da cor das fardas não podemos oferecer uma informação mais precisa, porque não temos base para afirmar que o azul-marinho seja a cor oficial dos Fandangos, e o branco das Cheganças. Apenas aqui afirmamos que nos autos, autos ou folguedos de origem peninsular, filiados ao ciclo dos navegantes ou dos descobridores, sejam esses folguedos as Cheganças propriamente ditas ou sejam as suas variantes, as fardas são sempre brancas ou azuis. Porém, nos folguedos que temos assistido nestes últimos anos, pelo menos em Alagoas notamos a distinção do azul-marinho para os Fandangos e do branco para as Cheganças.
Continuemos, porém. Prontas as fardas e terminados os ensaios, inicia-se o trabalho de construção da “barca”. E no meio da praça — nas cidades pequenas, nos vilarejos e mesmo nos bairros e arredores da Capital — é armada a “barca”, do tamanho de uma alvarenga ou veleiro de pequenas proporções.
O mastro até lá em cima, e cruzando toda a “embarcação”, no alto, os cordéis resistentes com seus enfeites de papeis coloridos. Em algumas naus, como na Catarineta do saudoso Mestre Berto Cotó, não falta nem uma incompreensível chaminé, absurda num navio a vela.
E no tombadilho estreito geme-se toda a tristeza do mar, e a barca construída de madeira e descansando sobre o chão da praça, aguenta durante 14 dias o peso dos seus “tripulantes”, homens humildes que gastam suas fracas economias anuais nos seus vistosos uniformes.
Em algumas ocasiões, no entanto, o folguedo é convidado para visitar lugares onde não existe uma “barca”. O convite é somente por uma noite, e não é possível e nem interessa mesmo a construção da embarcação. Então, a função tem que se realizar na sala da casa de quem convida, ou em algum palanque, ou em algum galpão que possa existir.
E aqui não podemos deixar de citar um detalhe interessante: em geral, as apresentações dos folguedos fora dos seus domínios são remuneradas, e o convite representa, portanto, um contrato. Nos folguedos natalinos de Alagoas (e parece que de todo o Nordeste), não somente nas Cheganças e nos Fandangos como também nos Reisados, nos Guerreiros, nos Pastoris, etc., faz-se esta espécie de negócio.
E existem mesmo grupos, principalmente no setor dos Reisados e dos Guerreiros que, organizados alguns meses antes do Natal, saem, bastante tempo antes dos festejos de fim de ano, em verdadeiras “tournées” pelos municípios vizinhos, e mais distantes, por vezes atravessando fronteiras de outros Estados.
Uma observação: em Maceió, e em alguns municípios vizinhos temos encontrado a denominação “Nau Catarineta” apenas para as “barcas” dos Fandangos; as “barcas” das Cheganças têm sido, parece que há muitos anos, batizadas com nomes principalmente de navios de guerra, como Minas Gerais, São Paulo, etc.
Enquanto o Fandango tem se conservado quase fiel às origens da velha xácara da Nau Catarineta e de outras poesias semelhantes que perpetuavam as aventuras marítimas dos portugueses, a Chegança tem se modificado algumas vezes, tanto nas letras das suas canções como no número dos seus tripulantes, que tem sofrido acréscimo, até mesmo de um moderníssimo telegrafista.
Folguedos de âmbito eminentemente popular, o Fandango e Chegança são representações de episódios dramáticos, ora cantados, ora falados, e sempre acompanhados por danças e movimentos coordenados. A música é monótona e as letras falam de fatos tristes e de tragédia. A coreografia das danças é simples e da lascívia de que nos falam Fidelino de Figueiredo e Mário de Andrade (ao estudarem a origem do termo chegança) parece que não restou nada.
E sobre o assunto temos a opinião abalizada de Antônio Osmar Gomes, que assim escreveu no seu livro A Chegança: “Trazidas para o Brasil, certamente pelos colonizadores ibéricos, as cheganças não vieram com aquelas características lascivas, que as tornaram indesejáveis na península. Foram transplantadas para cá e aqui permaneceram como cenas dramatizadas de episódios da navegação marítima dos tempos em que os lusitanos, senhores dos mares “nunca dantes navegados”, dominaram tantas outras terras e tantas outras gentes “dilatando a fé e o império”. Tornaram-se, assim, danças verdadeiramente brasileiras, mas sob motivos históricos portugueses, que aceitamos e adaptamos como se foram nossos”.
Monótonas as danças e monótonas as músicas das Cheganças e dos Fandangos. Mas bonitas, tristemente bonitas. Para o estrangeiro, para aqueles de outras latitudes, os folguedos não possuem outros interesses além da curiosidade estudiosa ou da atração pelo exótico. Para os habitantes simples do lugar, entretanto, os folguedos aparecem com uma grandeza esplêndida, porque trazem a estes habitantes a sua dose anual de alegria e falam eles de acontecimentos estranhos e atraentes.
A Chegança de Mestre João Marinho, com a sua barca “Minas Gerais”, tinha uma tripulação assim distribuída: Almirante, Vice-Almirante, Capitão de Mar e Guerra, Capitão-Patrão, Imediato, 1º Tenente, Piloto, 2º Tenente, comissário, Cirurgião, Mestre, Contra-Mestre, Dispenseiro, Telegrafista, Carpinteiro, 2 Gajeiros, 2 Calafates (encarregados de vigiar o casco da embarcação, para evitar possíveis inundações), o Ração (encarregado de distribuir a comida de bordo), o Vassoura (encarregado da limpeza e anda sempre com uma vassoura na mão), e Padre-Capelão e marujos.
A Chegança começa ainda na rua ou no meio da praça. A barca imponente e enfeitada espera tranquila, e embaixo, em volta dela, menos no local onde fica a escada, o povo escuta atencioso o começo da função. Os tripulantes formados e nas suas fardas brancas, orgulhosos e entregues de corpo e alma aos seus papeis, marcham.
O Mestre canta:
Entramos nesta nau de guerra
Com muita veneração.
Lôvores vinhemos dar
A Virgem da Conceição.
E o coro responde:
Entramos com gosto
Com muita alegria.
Vinhemos festeja
A Virgem Maria.
Depois da entrada na barca, há uma série de embaixadas (pequenas declamações com ênfase) onde tomam parte vários personagens, embaixadas como esta do Almirante:
[Não publicada no original]
São os primeiros preparativos de bordo para a viagem; e uma série de embaixadas e também de marchas cantadas em solo e com resposta de coro, apresentam as ordens dos oficiais: olhar as velas, os ferros, os mantimentos, a situação do casco da embarcação, tudo. Depois, o Almirante manda levantar ferros, e Patrão e coro cantam:
Contra-Mestre puxa os ferros
Piloto vai manobra
Que o vento está suleno (solene)
Lá no alto mar.
A marcha continua, com outras estrofes e em seguida há outra embaixada do Almirante, e logo outra marcha cantada pelo Patrão e coro:
Nós que samos marinheiros
Dentro dessa nau de guerra
Olhe que estamos puxando os ferros
E ao depois arvorá uma grande vela.
E somente o Patrão:
Choram belas alagoanas
Nesse embarque arrigoroso
Militá e os marinheiros
Que são homens caprichoso
A marcha se estende em outras quadras, e seguem-se outras embaixadas e diálogos.
Não sopra o vento, fala-se muito nas velas e o Piloto informa que há nuvens escuras pela proa, nuvens que prometem tormenta; e nasce uma rusga entre o Piloto e o Contra-mestre, e a discussão continua, mas agora entre o Piloto e o Patrão e termina com uma embaixada do Almirante que ameaça castigar os dois. E depois de toda essa confusão, a embarcação começa a se movimentar para a grande viagem e o Patrão acompanhado do coro canta a marcha Adeus que eu me vou.
E em seguida, ainda o Patrão, geme acompanhado pelo coro, o conhecidíssimo
Na saída de Lisboa
Quando nós puxemos os ferros
Alembrei-me das meninas
Dos meus amores lá em terra.
A viagem continua, e o Piloto não está muito bem com o rumo, pois havia bebido muito, e é advertido pelo Mestre-Patrão e nova rusga nasce entre os dois.
Logo após vem o episódio do contrabando de “fazendas bem fina, para vende no Brasil”; os contrabandistas, dois guardas-marinha, são colocados no porão por ordem do Almirante, onde apanham e pedem ao Mestre-Patrão, por Nossa Senhora, que interceda em favor deles junto ao Almirante, que manda soltá-los. Mas se aproxima a tormenta, o Almirante manda dar o alarme, e o Contra-Mestre, com medo da morte, fala do seu arrependimento em não ter ouvido os conselhos da mãe, canta acompanhado pelo coro, o famoso e belíssimo
Minha mãe bem me dizia
Que eu não fosse me embarcá
Que este nau se perderia
E eu me lançaria ao mar.
E o Mestre, temendo morrer sem a assistência de Deus, pede ao padre capelão, numa voz fanhosa e triste:
Senhor padre capelão
Me bote sua benção
Eu me vou lançar ao mar
Vou morrer sem confissão.
E em seguida reclamam em coro os marinheiros dizendo que estavam com fome, e não tinham recebido comida alguma. Este é um dos episódios mais interessantes do folguedo, e aqui vamos transcrevê-lo, iniciando a transcrição pelo pitoresco diálogo entre o Piloto e os marinheiros. O Piloto pergunta e os marinheiros respondem:
— Marinheiro?
— Senhor!
— Já comeram?
— Não senhor!
— Já beberam?
— Não senhor!
— E qual a razão?
— Porque nos falta a ração!
— Que faz Mestre-Patrão, dentro desta embarcação?
— Não sei!
E o Ração, querendo remediar o sucedido:
Tomem marinheiros
Essa fatia de pão
Amanhã, se Deus quiser
O dinheiro e a ração.
Então o Patrão intervém na história, e pergunta aos marinheiros se eles já haviam comido e bebido, e eles respondem que sim. Então o Patrão quer saber por que eles tinham dito que não ao Piloto, e os marinheiros respondem:
— É a nossa obrigação.
Volta o Piloto e repete as mesmas perguntas aos marinheiros, e estes respondem que não tinham recebido a ração. O Patrão toma a atitude do Piloto como um insulto, e depois de rápida discussão, puxam das espadas e simulam uma luta, o Patrão leva a espada até a barriga do Piloto e esse se joga sobre uma cadeira e com voz rouca canta, acompanhado pelo coro, outra quadra muito conhecida da Chegança:
Oh, que punhalada
Que me deu Mestre-Patrão
Com aquele punhal de prata
Trespassou meu coração.
Em seguida pede para mandar chamar um doutor, pois acha que o ferimento é mortal. Chega o doutor e receita:
Vem cá Laurindo
Vá depressa na butica
Vá ver a medicina
Daquela que mais se aplica.
O doutor resolve, e o Piloto dizendo que vai morrer, pede a presença do padre-capelão, pois deseja se confessar. E o almirante manda prender o Mestre-Patrão, mas o gajeiro intercede em defesa do Mestre-Patrão e o almirante manda soltá-lo, terminando assim a parte do Piloto.
O último episódio da Chegança vem então. É o episódio dos Mouros. O grupo canta uma marcha, onde se pergunta que navio é aquele que aparece ao longe. O gajeiro sobe pelo mastro e ele informa ao Almirante que o navio tem três bandeiras de guerra.
Neste momento aparecem, embaixo, no meio da assistência, os mouros, vestidos com calções vermelhos ligados nos joelhos a meias de mulheres, uma blusa também vermelha, um papelão com incrustações douradas cobrindo o peito, e na cabeça segura por uma coroa também de papelão com incrustações de estrelas douradas, duas longas tranças louras, descendo até os joelhos.
Os mouros chegam até bem perto do navio, e pedem licença ao almirante par subir, pois têm uma embaixada mandada por “um senhor de muita valia, Senhor dos Mouros, Rei da Turquia”. O Almirante manda que eles subam. Há um diálogo violento entre os mouros e o Patrão, e é declarada a guerra. Há cruzamentos de espadas entre os mouros e tripulantes da barca e cantam-se várias marchas, enquanto se luta. Até que os mouros são vencidos, e obrigados a abraçar a religião cristã. Aparece o Capelão, que batiza os mouros:
Eu te batizo mouro
Mouro, infiel pagão
A o depois de batizado
Mouro, sois filho cristão.
Terminado o episódio dos mouros — e último — canta-se a marcha da retirada, e o Patrão geme o
Minha gente adeus, adeus,
Mina Gerá vai imbora
Cumpri com o dever no mar
Que já está chegada a hora.
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O Fandango do Mestre Berto Cotó foi um dos mais bem ensaiados que vimos nestes últimos tempos, possuindo um rico material poético e musical (letras e músicas dos episódios e partes). A coreografia do Fandango é a mesma da Chegança, a distribuição dos personagens quase idêntica tendo como exceção frisante os mouros, que não existem no Fandango, e o número de tripulantes, que em geral é maior na Chegança, e mesmo em episódios, como no da Tormenta, o desenvolvimento dramático é igual, apesar das letras apresentarem certas diferenças. Na tormenta da Chegança de Ponta Grossa, não encontramos os belos e clássicos versos que fomos ouvir no Fandango de Mestre Berto:
O, lá da proa (bis)
Meu Mestre Piloto
E continua o gajeiro:
Venha que eu canto ao mar
Que o vento é tanto que me faz chorar,
Que o vento é tanto que me faz cair ao mar.
E o desespero do Contra-Mestre e do Piloto:
Caiu-me um gajeiro ao mar
Valha-me Nossa Senhora.
E ainda no Fandango deparamos com uma quadra clássica, que ouvimos na Chegança da Ponta Grossa:
A 25 de março
Saímos nós de Lisboa
Feito uns corsários da Índia
Para chegarmos a Goa.
Na Nau Catarineta da Praça 13 de Maio, o Fandango de Mestre Berto fez sucesso, com seus episódios e quadros soltos, sem sequência, nos quadros e episódios da Tormenta, da Clara Estrela do Norte, na Barca Nova, etc.
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E antes de finalizarmos estas simples notas, queremos ressaltar um dos mais pitorescos personagens das Cheganças e dos Fandangos, justamente personagens sobre os quais não nos detemos em considerações nas linhas anteriores da reportagem: os padres, os capelães das Cheganças e dos Fandangos.
Personagens que representa o único detalhe cômico dos folguedos, é, por isso mesmo, o mais querido não só pela gurizada, que não o larga nunca e se movimenta para onde vai o padre, como em geral por toda a assistência masculina; as mulheres nordestinas, muito católicas, não podem admitir aquela imoralidade, aquela profanação dos sagrados dogmas da Igreja por um sujeito fantasiado de vestes talares e em geral com a cabeça cheia de álcool que anda distribuindo chistes pesados e às vezes até obscenidades. Mas esse sacrilégio é mais fruto da ignorância do que de maldade, como tão bem frisou Antônio Osmar Gomes, no seu volume As Cheganças.
Os padres da Chegança de Mestre João Marinho e do Fandango de Mestre Berto possuíam de fato alguma graça. Frei Remela, o capelão do Fandango de Mestre Berto, pareceu-nos muito mais vivo e oportuno do que Frei Jaçanan, o comprido frade da Chegança de Ponta Grossa. E a melhor piada de Frei Remela era o seu livro “sacro”: uma velha Geografia e História do Brasil elementaríssima e dessas que até parecem que não se usam mais.
Resgate da nossa cultura.
Parabéns.
Importante registro das tradições e folclore alagoano.