Carlos Lacerda visitou Alagoas em 1964 durante campanha presidencial

Jornalista e político carioca fazia pré-campanha para as eleições à presidência da República de outubro de 1965, que não ocorreram

Lacerda é recebido em Penedo pelo governador Luís Cavalcanti em 4 de agosto de 1964

Governador Carlos Lacerda com D. José Terceiro em Penedo no dia 4 de agosto de 1964

Em setembro de 1964, o então governador do hoje extinto Estado da Guanabara, jornalista Carlos Lacerda, resolveu peregrinar por alguns estados nordestinos em busca de apoio para sua candidatura à presidência da República.

Carlos Frederico Werneck de Lacerda notabilizou-se como jornalista ao fundar em 1949 o jornal Tribuna da Imprensa. Antes, como militante antigetulista foi filiado ao Partido Comunista.

Após se afastar da esquerda em 1939, passou a ser um dos principais propagandistas das ideologias conservadora e direitista no país, passando a liderar, no início dos anos 50, a campanha contra Getúlio Vargas, acusado-o de envolvimento em corrupção.

Participou como um dos líderes civis do golpe militar de 1964 e esperava receber apoio para a sua candidatura a presidente do país em 1965. A eleição não ocorreu porque os militares prorrogaram o mandato do marechal Castelo Branco.

Campanha em Alagoas

Logo após a ascensão ao poder em 1964, civis e militares golpistas iniciaram o processo de disputa interna para ver quem de fato iria governar o Brasil. Entre os civis, a expectativa era que houvesse eleições em outubro de 1965, quando teriam chance de assumir o governo.

Carlos Lacerda considerava-se o candidato natural dos golpistas para derrotar Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola e Jânio Quadros, os outros candidatos. Como tal, não perdeu tempo e entrou em campanha viajando pelo país.

Numa dessas excursões, após visitar a Bahia, esteve em Penedo, Alagoas, no dia 4 de agosto de 1964. Foi receber algumas homenagens e participar de uma inauguração, tudo articulado com a UDN alagoana e com o governador Luís Cavalcanti.

Lacerda discursa em Penedo no dia 4 de agosto de 1964

O convite para visitar a capital do baixo São Francisco ocorreu em março daquele mesmo ano, no Rio de Janeiro, durante o ato de inauguração na rua Francisco Otaviano, em Copacabana, da Escola Penedo “em homenagem à cidade alagoana do mesmo nome”. Lacerda contou com a presença do prefeito de Penedo, Raimundo Marinho, e do governador Luís Cavalcanti, que discursaram elogiando o governador da Guanabara por suas ações na educação.

Luís Cavalcanti, durante sua oração na Escola Penedo, informou que 70% da população alagoana era analfabeta e que o seu governo estava se esforçando para mudar essa realidade, contando com “muita ajuda” do governo federal, do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e da Aliança para o Progresso. Concluiu legitimando a candidatura de Lacerda à presidência da República.

A visita a Penedo teve a cobertura jornalística realizada pelo repórter Jair Cardoso do jornal Tribuna da Imprensa, cujo proprietário era, coincidentemente, Carlos Lacerda. A reportagem da visita a Penedo foi publicada no dia 6 de agosto de 1964.

A comitiva do governador da Guanabara foi recebida no aeroporto do município pelo governador do Estado de Alagoas, Luís Cavalcanti, pelo vice-governador, Teotônio Vilela, e por políticos da região. Apesar das fortes chuvas, uma “uma verdadeira multidão” acompanhou o candidato, que ficou hospedado no Hotel São Francisco. O prefeito de Penedo decretou feriado no município durante a permanência de Lacerda.

Também fazia parte da delegação carioca um ilustre filho de Penedo, o engenheiro civil Enaldo Cravo Peixoto, então secretário de Obras da Guanabara e antigo funcionário da Companhia City Improvements, que operou o serviço de esgotos sanitários no Rio de Janeiro. Enaldo foi fundador da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, da SURSAN e responsável pela construção da então maior ETA do mundo, a Estação de Tratamento de Água do Guandu.

Lacerda, durante sua estada em Penedo pronunciou três discursos, visitou o bispo D. José Terceiro, conheceu algumas das principais igrejas e locais históricos, além de inaugurar a Praça Doutor Adail Freire Pereira, momento em que recebeu a cidadania honorária penedense.

Destacando-se ao discursar nos diversos eventos, o governante alagoano foi citado pelo jornal Tribuna da Imprensa: “Em reiterados pronunciamentos, o governador gen. Luís Cavalcanti, de Alagoas, afirmou que apoia Lacerda em ’65, 66, 70 ou em qualquer época para o bem do país’. — Lacerda é o meu candidato, afirmou o gen. Luís Cavalcanti”. Ressalte-se que o “Major” já tinha conhecimento dos desencontros políticos entre Lacerda e Castelo Branco.

Lacerda explicava suas viagens de campanha como se estivesse “mambembeando em todo o interior numa espécie de caixeiro-viajante da democracia”. Justificava ainda que não pretendia “ferir ou tirar a autoridade do presidente da República, marechal Castelo Branco”. Suas “advertências” tinham o objetivo de levar o presidente Castelo Branco a “implantar de fato a Revolução no país”, considerando que era necessária a destruição das oligarquias políticas e impedir que os grupos econômicos que “roubavam o Brasil” antes da revolução, roubassem a própria revolução.

Tropa desfila em continência a Carlos Lacerda na porta do Palácio dos Martírios em 16 de setembro de 1964

Um mês após essa visita, Lacerda voltou a viajar pelo Nordeste e esteve em Maceió no dia 16 de setembro, data da comemoração da Emancipação Política do Estado.

Mesmo sendo claramente uma atividade de campanha, essa viagem foi tratada por seus correligionários como uma série de conferências. O deputado Ernâni Sátiro, um dos líderes da UDN, explicou à imprensa que “É preciso assinalar que não se trata de campanha eleitoral, embora seja evidente que, com estas conferências, o governador Carlos Lacerda deseja manter bem presente a sua imagem de liderança no cenário nacional”.

Da mesma forma que em Penedo, Lacerda chegou a Maceió em um dia com muita chuva. Após ser recebido no aeroporto ao meio-dia, foi levado ao Palácio dos Martírios, onde passou em revista as tropas e assistiu ao desfile militar e escolar das comemorações cívicas daquele dia. Depois, às 14h30, foi até à Assembleia Legislativa para receber o título de cidadão honorário de Alagoas.

Lacerda ainda participou de reunião com as lideranças partidárias e às 22h discursou para uma multidão na Praça dos Martírios. Na manhã seguinte viajou para João Pessoa, na Paraíba, onde deu sequência a sua turnê pela região.

Reunião com o Diretório da UDN de Alagoas

Segismundo Andrade foi um dos primeiros a falar no encontro dos dirigentes, ressaltando que o diretório da UDN e o governador de Alagoas estavam entre os primeiros a apoiarem a candidatura de Lacerda. O senador Rui Palmeira saudou a visita de Carlos Lacerda e enalteceu o visitante tratando-o como um símbolo do que era indomável, rebelde.

Palmeira afirmou ainda que Lacerda não era apenas o grande demolidor, mas alguém que também sabia construir e era um bom administrador, que tinha talento para construir e demolir.

Criticou a “Revolução” por ainda não ter acertado o passo e porque os comandos revolucionários se apressaram a restituir a legalidade, antes do tempo necessário para organizar o país.

Lacerda recebe o título de cidadão alagoano em 16 de setembro de 1964 na ALE

Carlos Lacerda agradeceu o apoio recebido, destacando o engajamento em sua campanha do governador de Alagoas, Luís Cavalcanti, que não era udenista. Comenta que estava se aproximando do segundo terço das viagens programadas.

Afirmou Lacerda que, por sua história, apenas a UDN estaria preparada para ser o partido de apoio à “Revolução” e leu uma frase de apoio do brigadeiro Eduardo Gomes, que afirmava que a sua candidatura iria politizar a “Revolução”.

Afirmou que a “Revolução” estava cometendo erros, mas havia tempo para consertá-los. Para valorizar as eleições que pretendia disputar, disse que era a garantiria da comunicação com o povo, essencial para qualquer ato revolucionário, alertando que sem comunicação a “Revolução” se tornaria uma ditadura, uma tirania. Após vários argumentos concluiu avaliando que o movimento de março de 1964 deveria apoiar sua candidatura.

Comício na Praça dos Martírios

Carlos Lacerda iniciou sua oração agradecendo aos alagoanos pelo título de cidadania recebido e ao governador por permitir que ele falasse ao povo em praça pública. Em seguida citou as suas ações como governante da Guanabara, mencionando que construiu escolas, criou uma universidade e estava criando um centro de formação de professores de ensino técnico. Fez questão de desmentir a versão que todas as obras foram financiadas por dinheiro americano.

Sustentou ainda que a sua candidatura à presidência da República não era um prêmio e que sua pretensão era apenas a de cumprir o seu dever de governar, mencionando que não precisava de canhões, de censura e de terror para vencer, apenas do voto livre do povo.

Para criticar o governo militar, argumentou que o país esteve ameaçado pelo comunismo e que então estava ameaçado pelo comodismo, que era igual ou pior que o comunismo.

Afirmou que não existia problema do Nordeste, existia o problema do Brasil para com o Nordeste. Em seguida criticou a SUDENE ((Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) por fazer planos, mas não executá-los.

Sem eleições

Não houve eleições para presidente nem em 1965, nem em 1967 e nem nos 22 anos seguintes. Lacerda, sentindo-se traído chegou a organizar em novembro de 1966, com João Goulart e Juscelino Kubitschek, a Frente Ampla. Era um movimento de resistência ao regime militar e pelo restabelecimento das eleições.

Com a crescente mobilização em torno da Frente Ampla, o governo militar resolveu proibir suas atividades, o que ocorreu em 5 de abril de 1968, quando entrou em vigor a Portaria nº 177 do Ministério da Justiça.

Entretanto, as ações contra o os militares no poder continuavam a acontecer, gerando uma grave crise política que foi sufocada em 13 de dezembro de 1968 com a edição do Ato Institucional nº 5, o AI-5.

Lacerda foi preso no dia seguinte e conduzido ao Regimento Marechal Caetano de Farias, da Polícia Militar do Estado da Guanabara, onde permaneceu por uma semana.

Mas a perseguição do regime militar ao seu antigo aliado não parou aí.

Em 30 de dezembro de 1968, o Conselho de Segurança Nacional, convocado pelo presidente marechal Costa e Silva, cassou seus direitos políticos por dez anos. Com ele também foram atingidos os deputados federais Márcio Moreira Alves (MDB-Guanabara), Hermano Alves (MDB-Guanabara), David Lerer (MDB-São Paulo), Hélio Navarro (MDB-São Paulo), Gastone Righi (MDB-São Paulo), Matheus Schimidt (MDB-Rio Grande do Sul), Henrique Henkin (MDB-Rio Grande do Sul), Maurílio Ferreira Lima (MDB-Pernambuco), José Lurtz Sabiá (MDB-São Paulo), Renato Archer (MDB-Maranhão) e José Carlos Guerra (MDB-Pernambuco).

O desembargador Joaquim de Sousa Neto teve seus direitos políticos suspensos e foi aposentado. Ele era o presidente do Tribunal de Justiça de Brasília.

Temendo sofrer novas prisões, Lacerda se afastou do Brasil no início de 1969, quando viajou para a Europa e depois para a África com a desculpa que viajava a trabalho como enviado especial dos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde.

Quando voltou ao Brasil, dedicou-se as atividades empresariais nas companhias Crédito Novo Rio e Construtora Novo Rio, e às atividades editoriais na Nova Fronteira e Nova Aguillar, todas empresas de sua propriedade.

Durante o período em que sofreu perseguição dos militares, não há registros de que recebeu alguma solidariedade dos seus antigos apoiadores em Alagoas.

Morreu de ataque cardíaco em 21 de maio de 1977.

3 Comments on Carlos Lacerda visitou Alagoas em 1964 durante campanha presidencial

  1. Claudio de Mendonça Ribeiro // 18 de dezembro de 2018 em 08:42 //

    Caro Ticianelli, bom dia.
    E grato pela continuidade em publicar matérias sobre a História de Alagoas.
    Nesta reportagem, o autor utilizou equivocadamente a palavra “estadia” em vez de “estada”. Apenas isso, o que não invalida de modo nenhum a publicação. Talvez na época se utilizasse a palavra citada. Desculpe-me o comentário.
    Cordialmente,
    Claudio Ribeiro – C. Abreu, RJ.
    Alagoano de Fernão Velho

  2. Cláudio, somos gratos por sua observação. Corrigimos o texto.

  3. WALTER MENDONÇA // 4 de novembro de 2019 em 11:29 //

    Carlos Lacerda de saudosa memória foi um político honrado honesto e realizador. Muito diferente dos de hoje quando muitos estão presos por falcatruas e roubalheira.

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