Cantores da noite em Maceió de 1988

Zé Barros e grupo, uma cozinha afinadíssima

*Publicado na revista Última Palavra de 11 de março de 1988 com o título “Cantores da noite”.

Uma profissão que precisa de muito ritmo, jogo de cintura, desenvoltura, paciência, bom gosto musical e força de vontade: o músico, mais exatamente os cantores da noite. ÚLTIMA PALAVRA foi buscar nos palcos improvisados dos bares noturnos, restaurantes e boates de Maceió, a vida agitada de quem frequenta a noite do outro lado das mesas e dos papos dos botequins – os cantores e cantoras e o pessoal da “cozinha”: guitarristas, pianistas, baixistas e bateristas.

São eles que fazem a alegria das noitadas, provocam os encontros amorosos, embalam os amantes e enchem rapidamente o caixa dos donos dos bares. Mas, no entanto, são profissionais mal remunerados e sem nenhuma garantia trabalhista, em sua maioria ganhando diárias de CzS 2 mil a 3 mil por cada noite.

Romildo Freitas, um roqueiro que canta fricotes por sobrevivência

— Na verdade, os músicos e cantores da noite não recebem percentuais do “couvert” artístico pago pelo consumidor. Na maioria das vezes, a taxa de consumação vai mesmo é para o proprietário. Nosso contrato é fixo e os donos se negam a fazer contrato por escrito, tudo é no verbal, reclama Romildo Freitas Júnior, o Romildo Jr, roqueiro do Grupo Odisseya, mas que toca de terça a domingo no Xamegos Bar, na orla da Ponta Verde.

Romildo quer ver tudo isso legalizado através de uma associação ou sindicato, pois para ele o mercado está cada vez melhor, inclusive superando o de Salvador: “Dá para todo mundo”, diz Romildo, “a capital tem uma boa praça, mas até por questão de sobrevivência temos que nos organizar para garantir esse mercado e nossos cachês”. Quanto a sua formação roqueira, Romildo diz já ter se adaptado aos inúmeros pedidos de fricotes do Luís Caldas, mas em compensação a música Frágil do roqueiro Sting é outra muito solicitada. O guitarrista Romildo Jr canta sempre acompanhado do baixo e percussão de Jeff Jose.

Estrelas

Embora a importância dos músicos seja fundamental para o toque de animação das noites, quem brilha mais nos palcos são as cantoras. E foi uma mulher a iniciadora desse tipo de profissionalismo em Maceió: Leureny Barbosa. Foi ela quem quebrou os tabus existentes na noite alagoana, despejando sensualidade nos palcos com sua voz estonteante. Desde 1970 na estrada, onde cantou em bares e botequins do Rio de Janeiro, até no começo dos anos 80, Leureny foi a estrela maior das noites alagoanas.

Hoje Leureny se diz cansada da batalha e descarta a possibilidade de viver de sua voz: “Apesar da qualidade ter melhorado sensivelmente, os músicos continuam a ganhar cachês insignificantes“, diz Leu, que não revela por quanto canta no hotel Beira Mar, onde se apresenta todos os sábados: “É tão pouco que não fico nem a fim de dizer”. Com um disco long-play gravado o ano passado, Leureny diz que agora “vai arrumar a casa” e cuidar de seu filho Tiago, de seis anos.

Mas as luzes dos palcos não param de iluminar novas revelações femininas, como as cantoras Fátima Santos, do Sales Bar e da boate Seandros, e Carmem, uma mineira recém-chegada que anima as noites do Calabar.

Astral

Fátima Santos: energia musical transbordando

Fátima Santos é cearense, mas “alagoana do coração”, como gosta de falar. Ela diz que seu astral anda meio baixo e está sem motivações, mas logo que entra em cena deixa cair todo seu lado triste e se transforma numa cantora da noite. Com sua voz grave e afinadíssima, Fátima gesticula, fala com seu público, brinca com todo mundo e incorpora seu lado alegre de cantora e de atriz.

— “É bonito ver toda rapaziada e as gatinhas cantando comigo, me valorizando. Mas o negócio tá fogo! Cantamos por uma micharia, nossa grana é muito pouca, não gostaria de desistir, mas sinto que a hora está chegando. Canto porque me realizo, me sinto gente, mas não está dando para segurar minha barra e de meus filhos, diz Fátima, que defende a criação de um sindicato para que ele sirva de intermediário com os donos dos bares: “Essa é a pior hora, a negociação com o proprietário. Mas no palco quem faz e desfaz sou eu, ninguém dá pitaco. Quem gosta sempre volta”.

— “Sou uma operária musical, vivendo num mundo porco chauvinista e fascista“. Assim se define a mineira Carmem, 27 anos, há quatro meses em Maceió. Ela recebe em média Cz$ 27 mil por mês e afirma que só está dando porque é solteira, ainda, por cima, diz Carmem: — “tenho que comprar sempre novas roupas por minha conta, já que o visual tem que estar impecável”.

Carmem, uma “operária” musical, como gosta de dizer

Quanto à frieza de uma plateia de bar e boate, no seu caso o restaurante Calabar, Carmem não tem dúvidas: “É muito chato você cantar para um pessoal que só tem você como fundo musical, mas em compensação muitos casais dançam ao som de minha voz, e têm também os aplausos no final e até mesmo uma troca de conversa”.

Pelos bailes da vida

Depois de percorrer quase todo país em sua famosa “máquina” — “Halley Davidson”, mil cilindradas, o músico e compositor Beto Batera, 22 anos de estrada e ex-integrante do LSD, um conjunto musical que marcou época em Alagoas, de onde saiu o cantor e compositor Djavan, Beto já está cansado de tanta agitação.

— “Qualquer dia desses vou pegar um “stress“, e muito pique e muita energia, meu irmão! E o pior é que a falta de estrutura para os músicos é demais, tudo é simbólico e sem nenhuma segurança, por qualquer coisa eles te dão um chute no traseiro. A solução é correr atrás pra sobreviver, diz Beto Batera. E ele mesmo quem monta e desmonta todo material eletrônico de sua bateria, “de domingo a domingo”, no Calabar e no Salles Bar.

A única compensação para Beto Batera é quando a música toca: “A harmonia musical é o nosso estandarte, nossa alegria de viver“. Mas o baterista adianta que sem um trabalho seguro não dá de maneira alguma para viver com tranquilidade. Beto é sócio de uma firma de produtos eletrônicos, ele revela que já tocou com um monte de “feras”, como Carlos Moura, Djavan, Eduardo Araújo, Cauby, Ivon Cury, Nelson Gonçalves e Emílio Santiago.

Marajá

Sérgio Andrade, (2º E) maior cachê musical da noite alagoana

Uma rara exceção no mercado assalariado dos músicos e cantores da noite é Sérgio Andrade, 32 anos, cantor e compositor exclusivo do bar Zagalinhos, em Jatiúca. Sérgio conseguiu junto aos donos fixar seu salário em CzS 130 mil cruzados por mês, para fazer shows todos os dias no palco do Zagalinhos. Carioca, desde os 15 anos transpirando música, três filhos, Sérgio veio de férias a Maceió e acabou ficando definitivamente.

— “Maceió tem um mercado musical, mas ainda não chegou ao nível do profissionalismo, pois não concordo de maneira alguma com a forma que vem sendo tratada a relação entre os donos de bares e os músicos, pois deveria haver melhores salários para toda a moçada, salvo raras exceções. “Com isso não tenho dúvidas que quem mais sairia ganhando eram os consumidores,” afirma Sérgio Andrade.

Tocando sempre com a banda Marizia, Sérgio tem lotado quase todas as noites o bar Zagalinhos. As mais pedidas, segundo ele, são as músicas Canteiros, Travessia e Dia Branco. Essa ele chega a cantar dez vezes ao dia. Em selo independente, Andrade está ultimando os preparativos para o lançamento de seu primeiro LP.

3 Comments on Cantores da noite em Maceió de 1988

  1. Claudevan melo // 19 de julho de 2018 em 21:52 //

    Cantores da Noite uma pecha criada para diminui-los frente aos que vivem na mídia, ainda hoje persiste em muitos casos são bem mais profissionais.

  2. Assis Bezerra silva // 19 de julho de 2018 em 22:46 //

    Reportagem muito boa.

  3. Essa matéria da época deixou de falar do London London, onde toquei de 1985 até o início dos 90. Era o barzinho mais concorrido de Maceió

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*