Ponto Central, o histórico Café do Cupertino
Quem primeiro ocupou a esquina onde se estabeleceu o Ponto Central em 25 de abril de 1931, foi o português Francisco José da Graça, o Velho Graça, que ergueu um sobrado num dos pontos mais centrais de Maceió. Essa antiga edificação funcionou como Palácio após ali se estabelecer, em dezembro de 1818, o primeiro governante da nova capitania das Alagoas, Sebastião Francisco de Mello e Póvoas.
Não se sabe o que funcionou por lá depois, mas nos seus últimos anos de existência o velho sobrado recebeu a Loja Iracema. Foi demolido nos primeiros anos do século XX e após a incorporação de um terreno vizinho, deu lugar ao prédio que recebeu em seu térreo a Joalheria Ômega e, a partir de 1917, a Chapelaria Lisboa, de Samuel Lisboa.
Já pertencia à professora primária, Eudócia Dargantina Oiticica Ferreira, que passou a residir no andar superior. O Café Ponto Central somente se instalou ali em 25 de abril de 1931. Era explorado por Manoel Cupertino da Silva, um funcionário dos Correios casado com D. Izabel e residente na rua do Macena, nº 44, onde também funcionava a Pensão do Cupertino.
O escritor De Araújo Costa frequentou o Café e o descreveu como um lugar pequeno, acanhado, onde muito mal cabia umas seis mesinhas de tampo de mármore. Lembrou do Cupertino por sempre estar vestido impecavelmente de branco e muito atencioso com os clientes.
Em 1954, o Ponto Central passou a ser propriedade de Pedro de Almeida Barros, que o repassou em 1960 para seu irmão. Não foi possível identificar o nome desse proprietário — possivelmente conhecido como Libré ou algo assim —, mas em 1969 o ponto comercial foi adquirido por Edmar Apolinário da Silva, o Mazinho, ex-jogador de futebol, a alguém de nome Reinaldo.
Parte do prédio, que pertencia às irmãs Edite e Ruth Nogueira Gomes, ruiu às 9h15 de 1º de julho de 1980. Tinha sido interditado pela Delegacia do Trabalho seis dias antes, por apresentar rachaduras.
Houve a reconstrução e em 1984, Edmar Apolinário da Silva vendeu o ponto comercial a Jonas Nutels, que ali instalou a Ótica Flamengo.
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Café Central
Por De Araújo Costa
Era mais conhecido como o Café do Cupertino. Ficava bem de frente ao “Relógio Oficial“, que o progresso engoliu. Espaço pequeno, acanhado, que muito mal cabia umas seis mesinhas de tampo de mármore. O Cupertino, impecavelmente de branco, muito vexadinho, muito atencioso, tinha uma boa clientela. Era a alma do negócio. De manhã à noite estava ali, no batente.
O barzinho vivia sempre cheio, entupido de fregueses. Os dois garçons corriam, ora de um lado, ora de outro, para atender a freguesia. Freguesia seleta, quase sempre. Era ali que eu tomava o meu sorvete de baunilha, devorava a minha salada de frutas e bebericava o meu cafezinho quente, fumegante. Que cafezinho danado de gostoso!
Rapazinho, beirando pelos dezessete anos, gostava de encher o tempo sentado diante de uma das mesinhas do Café do Cupertino, conversando, prosando com amigos. Dali, vestido no meu melhor terno e usando sapatos bicolores, tão em moda na época, eu saía para paquerar as garotas que faziam o “footing” na rua do Comércio. E as garotas passeavam, cheias de dengues, como se estivessem numa passarela.
Como disse, o Café do Cupertino era frequentado por muita gente boa. Advogado, Juízes, Desembargadores, comerciantes e empregados do comércio. Muito corretor fazia dali o seu ponto de encontro, o seu escritório. Ali realizavam seus negócios, suas tirinetas.
Também os intelectuais da terra o frequentavam. Muitas vezes, quando eu lá estava, via os melhores da literatura alagoana. Graciliano Ramos, ossudo, meio anguloso, pontificava, rodeado de literatos amigos. Falava pouco, mas com segurança. Faziam parte desse grupo Valdemar Cavalcante, José Lins do Rego, Alberto Passos Guimarães, José Auto, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e um rapazote magricelo, muito tagarela, que agitava, nervosamente, os braços, como querendo pegar no ar o termo justo, a palavra adequada. Era Aloísio Branco que, dizia-se, vivia intoxicado de literatura.
Como se estivessem num grêmio literário, emitiam opiniões sobre livros e autores, esgrimiam ideias, que se chocavam, espelhantes, no ar, como se fossem floretes. Graciliano Ramos chupava um cigarro ordinário e pigarreava sempre. José Lins do Rego, de costeletas despropositadas e monóculo, tinha ares pedantes. Falava, com entusiasmo, sobre “Doidinho“, livro que estava escrevendo.
E eu sentia uma louca atração por aquele grupo de iluminados, que diziam coisas bonitas e ininteligíveis para mim. Pareciam deuses fugidos do Olimpo…
……
E uma pena que esses bares, esses lugares, no centro da cidade, onde se reuniam, sempre, homens de letras alagoanos, para um bate-papo, estejam desaparecendo de Maceió. Tivemos o “Café Central“, o “Bar Colombo“, o “Grande Ponto“, a “Porta do Sol“, a “Santa Laura“, o “Helvética“, o “Bar Elegante” e o “Bar Alemão“. Foi neste último, de Manuel Gondeberg, que ouvi, quando rapazinho, a palavra inflamada, nervosa, de Aloísio Branco e de Ramayana de Chevalier, num almoço comemorativo da vitória da revolução de 30. O bar estava repleto de intelectuais e de fogosos oradores, mas somente os discursos de Aloísio Branco e Ramayana de Chevalier me impressionaram.
Publicado originalmente no livro Poeira do Meu Caminho, de De Araújo Costa.
Gostaria de um dia conhecer vc, que tem preservado belas, e inesquecíveis imagens de nossa Maceió…
O escritor De Araújo Costa era meu pai, de quem tenho um grande orgulho de ser filha. Tenho até hoje fotos de acontecimentos antigos e diversos artigos sobre diferentes temas. Gostei de ver uma escrito de meu pai, após tantos anos de seu falecimento, ser referencial histórico de Alagoas. Obrigada!
Anagisa, ficamos gratos por valorizar o nosso site. Estamos divulgando todos os memorialistas alagoanos e seu pai foi um grande entre eles.
Queria muito o contato de anagisa de Araújo costa.
Seu pai, escreveu, um livro que descrevia pessoas da minha família
Sou leitor assíduo do seu site. Gostaria de saber onde posso conseguir um exemplar de Poeira do meu Caminho, li na minha adolescência e retrata um pouco a minha região, de Cajueiro/AL (que já merece um artigo). Agradeço desde já. Deixo o meu email p contato.
Caro Thiago, lamentamos, mas não temos nenhuma indicação sobre onde encontrar o livro.
Belo texto sobre o Café Central: me transportei à época, me vi sentado numa mesinha, ouvindo política, literatura e causos da época. Parabéns!!
Analisa sou Cajueirense e não perdi a esperança de encontrar o livro o menino e o tempo de Araújo Costa.
Sou Cajueirense e gostaria de saber qual editora foi publicado esse livro.
Cara Angela Martins, o livro deve ter sido impresso com recursos do autor. Não o registro nele de editora.
Sou Anagisa e não sei porq só agora, qdo recebi de uma amiga essa publicação, foi possível ver os comentários. Eu já tinha visto na época em q ela foi publicada, mas depois, não sei porq não tive acesso aos comentários, por essa razão só agora posso responder ao carinho de todos. Infelizmente só possuo um exemplar de cada livro q meu pai publicou e os únicos encadernados. Não sei hoje como obter algum exemplar, infelizmente.
Em que ano o Cupertino dono do café faleceu?
Se for o mesmo Cupertino que eu conheci ele faleceu na década de 1990, com 106 anos. Ele tinha orgulho de ir votar todo ano, mesmo com idade avançada.
Morava na rua Alcebíades Valente, próximo ao Colégio Marista.
Como é bom ler uma matéria falando da história de sua família! Parabéns ao escritor.
Atenciosamente:Cupertino