Cães sem dono e Esmolas na Maceió de outrora

Félix Lima Júnior

*Publicado no Diário de Pernambuco de 26 de outubro de 1958.

MACEIÓ – No seu romance A Catedral, Blasco Ibanez focaliza uma figura interessante — o enxota cães, cuja missão como o nome indica, era por fora do templo os cachorros que nele penetrassem.

Aqui a prefeitura, por muitos anos, em vez de enxotá-los, mandava matá-los.

A Intendência Municipal não designava funcionários com carrocinhas para percorrer as ruas prendendo cães vadios, sem dono, que ameaçavam os transeuntes. Nem mandava lançá-los por homens experimentados, como faz presentemente, conduzindo os animais para determinado ponto onde são mortos.

De vez em quando, especialmente se os jornais reclamavam, encarregavam um Vigilante Municipal de preparar “bolas” que ele mesmo ia lançar aos pobres, animais sujos e famintos. Essas “bolas” fabricadas com pedaços de carne verde, vidro em pó, estricnina ou outro veneno violento, eram lançadas nas ruas próximas do Mercado Municipal — Augusta, Tibúrcio Valeriano, Macena, Alecrim, 1º Março, onde permaneciam, de preferência, animais vadios, a ameaçar a integridade física dos munícipes.

No meio das ruas, dentro das sarjetas, nas calçadas, sob o olhar sem piedade de vadios e crianças, os pobres cães agonizavam, com incríveis sofrimento, às vezes durante horas — espetáculo triste e indigno de uma capital que queria ser civilizada.

Se assistisse a uma dessas cenas o que não escreveria o médico e escritor sueco Axel Munthe, autor do “O livro de San Michele” — que o dedicou “à sua majestade, a rainha da Suécia, protetora dos animais maltratados e amiga de todos os cães”?

Esmolas

Aos sábados, a rua do Comércio se enchia de mendigos. Às sextas-feiras percorriam eles o bairro de Jaraguá. Nas quintas-feiras andavam no Farol. Não se limitavam, como nos dias que correm, a pedir um auxílio. Solicitavam a esmola com humildade, “pelo amor de Deus”, “por Nossa Senhora e seu Santíssimo Filho”, “pelo S. S. Sacramento”: antes, porém, e invariavelmente, faziam ouvir com ênfase a saudação: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!”. Somente depois de ter ouvido a resposta: “Louvado seja para todos e sempre, Amém”, é que pediam esmola.

Não se aborreciam e nem diziam desaforo e palavrões, como fazem muitos presentemente, se lhes negam a espórtula. Quando lhe respondiam: “Deus o favoreça”, diziam com humildade: “Amém”; “A todos nós”; ou então “Assim seja”.

Dava-se, de esmola, uma pequena moeda de cobre, de 10 ou de 20 réis, uma bolacha ou um pires de farinha. Bananas e outras frutas eram rejeitadas sumariamente, “pois sanhaço é que come banana”, diziam aborrecidos… Recusavam também um prato de salada de alface ou de verduras, por exemplo, porque “lagarta é que come fôia”.

Apareciam, nas ruas, pedintes de esmolas para santos, principalmente em janeiro, quando festejavam Mártir São Sebastião; em maio, para as novenas em honra à S. S. Virgem; em junho, para homenagear Santo Antônio, casamenteiro; em outubro, quando os devotos rezavam em intenção ao Sagrado Coração de Jesus.

Os solicitantes eram duas ou três meninotas mal trajadas ou mocinhas pobres, vindas dos arrabaldes, de pés descalços, ou de tamancos; uma senhora ou um homem conduzido um guarda-chuva aberto para cobrir a bandeja forrada com folha bem alva, engomada. Cercada de flores, no centro, via-se pequena imagem ou gravura do santo em nome de quem pediam as espórtulas. Quem conduzia a bandeja, enrolava uma toalha por cima do ombro direito, prendendo-a na cintura ao lado esquerdo.

Pura exploração, muito comum, em Maceió, nos primeiros anos deste século [XX], ainda hoje feita, em larga escala, no interior do Estado, por indivíduos sem escrúpulos que se locupletam com o dinheiro tirado dos incautos, à revelia das autoridades eclesiásticas. Nesta cidade, vez por outra, ainda aparecem desses pedintes, que utilizam o dinheiro, ninguém sabe como e nem em que

3 Comments on Cães sem dono e Esmolas na Maceió de outrora

  1. Carlos volney // 1 de maio de 2023 em 20:17 //

    Não conhecia essas particularidades.

  2. carlos costa // 1 de maio de 2023 em 21:32 //

    na década de 60, semanalmente e às quinta-feiras, vovó distribuía esmolas para incontáveis pedintes que afluíam à sua porta. Todos eram idosos e havia um, Beca, conhecido do meu avô e morador da favela do Ouricuri, que também ganhava um almoço nessas quintas. Lembro-me dele pq vovó suspeitava que ele enxergava e eu ficava observando-o para ver se era verdade. Morreu sem que eu chegasse a uma conclusão.

  3. Claudio de Mendonça Ribeiro // 2 de maio de 2023 em 07:35 //

    Apesar das entristecedoras informações sobre o que faziam com os pobres cachorros abandonados nas ruas de Maceió, grato, Ticianeli, pela publicação da reportagem.

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