Brincando de cinema
Elinaldo Barros
Dentre os vários fatos comuns ao dia-a-dia do Cine Lux era o de catar pedaços de fita na lixeira. O lixo do cinema era formado na sua maior parte por caixas de confeito, de chocolates, de chicletes, revistas rasgadas, envelopes e figurinhas que eram trocadas no intervalo da sessão. Mas, a preocupação dos meninos catadores era a de achar pedaços de fitas dos filmes. Ali na lixeira estavam os restos dos pedacinhos de nossos sonhos. Todos futucavam sem medo e sem pejo à cata dos fotogramas que eram levados para as casas. Alguns guardavam, outros utilizariam para brincar de cinema.
Uma caixa vazia de sapato, um buraquinho quadrado, uma lâmpada usada cheia de água servindo como lente, uma réstia de sol que penetrava por uma fresta do telhado e a tela era a parede. Toda lâmpada queimada era uma tentativa. Ali estava uma ótima lente para o tosco cinema fixo de caixa de sapato. Com uma faca peixeira se batia no bocal metálico para depois se retirar o filamento. Era uma operação delicada, que exigia muito cuidado, pois uma pancada mais forte apagaria e despedaçaria nossas ideias lúdicas.
Tinha um amigo, o José Luís Marques da Silva, que possuía o cinema fixo mais engenhoso do bairro. Ele também era o proprietário do maior número de times de botão da Ponta Grossa, talvez de Maceió. Era um fervoroso torcedor do Vasco da Gama e sempre se referia ao seu bonito campo de botão como o “Maracanã da Ponta Grossa”. José Luís promoveu sessões de cinema fixo na sala de jantar de sua casa, na rua Santa Fé, sempre à noite, usando uma lanterna e cobrando a entrada.
O cinema nos dominava de tal modo que na falta da lâmpada com água, da lanterna de pilha e dos fotogramas também se brincava de cinema com gibi. Uma caixa vazia de Maizena também tinha sua serventia. Ela era usada horizontalmente, com a parte mais larga de caixa para cima. A parte da tampa que fora usada anteriormente, para retirar o produto, servia de porta. Na metade da caixa, num dos lados largos, era aberto um quadrado que serviria para a grande tela. Imprescindíveis eram os carretéis de madeira vazios, de tamanho pequeno. Eles eram apanhados com as costureiras da redondeza, mães de vários garotos, donas de casa que sempre à tarde costuravam calças, vestidos, saias, blusas e camisas para a família ou terceiros.
Os carretéis eram os espectadores, bilheteiros, porteiros, etc. Dentro da caixa-cinema de Maizena eram utilizadas caixas de fósforos vazias como se fossem as poltronas da sala de projeção. Era repetido todo o ritual de uma sessão de cinema. Com um pedaço de papel de aproximadamente uns dez centímetros era feita a cortina da tela, puxada por um cordão ou uma linha.
Quando a cortina era aberta ia começar a sessão. Um gibi era aberto, uma história escolhida e, diante da tela e dos carretéis, quadrinho por quadrinho, se passava o filme. Naturalmente, se procurava dar o clima da história, lendo os diálogos e onomatopeicamente se imitava os sons dos tiros, do tropel dos cavalos. E havia a trilha musical. Infalivelmente, o “tam, tam, tam, tam” nos momentos de mais ação.
Um adorável e singelo passatempo, que durante vários anos deixei correr solta a fantasia, sentado ao lado de uma porta, diante do quintal, sozinho e feliz.
*Do livro “Recordações de um cinema de bairro”. Título original no livro: “Catando fotogramas e brincando de cinema”.
Eu costumava brincar assim na minha infância lá em Juazeiro do Norte,costumava pegar os pedaços de fil que eles jogavam e fazia meu próprio projetor com caixa de sapato e uma lâmpada cheio de água e jogava os raios do sol com um espelho , a parede era a tela, que saudade desse tempo.
Assisti, aos 6 anos de idade, à
primeira sessão do Cine Lux, Joana Darc, com Ingrid Bergman.
Justa homenagem ao nosso mestre do cinema Elinaldo Barros.
Eu era fã desse crítico de cinema aqui de Maceió. Certa vez, em minha adolescência, em companhia de um colega da escola, tive a oportunidade de ir à residência de Elinaldo, porém, meu amigo, só havia mencionado que “ele” era professor e colecionava (como eu), uma revista direcionada para cinéfilos: CINEMIM. Pude ver e folhear, alguns exemplares da revista CINEMIM que eu não tinha em minha coleção. Anos depois, descobri que, essa “visita” que eu tinha feito, era na casa do “crítico de cinema” que eu já tinha o maior respeito. Elinaldo, fez e sempre fará parte da minha memória de cinéfilo adolescente. Comentei sobre ele para minha filha, que aos poucos, vem adquirindo um gosto apurado para as produções da SÉTIMA ARTE.