Bar do Alípio comemorou as Diretas, recebeu Odorico e esteve na rota turística de Maceió
Dois anos depois de ter sido assinado o tratado de paz que pôs fim à Segunda Guerra Mundial e quando o Brasil já respirava os ares da democracia, com o término do Estado Novo getulista, um alagoano nascido em Paulo Jacinto deixava a sua terra natal para “ganhar a vida” na cidade do Rio de Janeiro.
Alípio Barbosa da Silva, que muitos anos depois se tornaria conhecido por um pequeno restaurante, famoso pelos seus pratos à base de frutos do mar, foi conseguir emprego na capital carioca como garçom do Parque Recreio, um restaurante que funciona até hoje no Largo do Machado. De garçom, Alípio virou “barman” e daí chegou a maître, até que decidiu voltar para Alagoas e aqui montar o seu próprio negócio.
Foi aí que começou a nascer o Bar do Alípio, em 1951, tendo como local o Mercado Público de Maceió. Antes de chegar ao atual endereço no bairro do Pontal, o Bar do Alípio passou pela Praça do Pirulito, pelo Motonáutica, Caiçara e na Lagoa consolidou-se como um dos bares mais conhecido da cidade, ponto de visita obrigatória de todos os que visitavam a cidade, de artistas a políticos.
E não é pequena a galeria de personalidades que já provaram do tempero do Alípio e que deram sua aprovação as principais iguarias da casa como o Camarão à Moda da Casa, o Camarão Acebolado, a Caranguejada ou o Siri ao Molho de Coco. Lima Duarte, Mário Covas, Bruna Lombardi, Franco Montoro, Caetano Veloso, Orestes Quércia, Chico Buarque de Holanda, Nara Leão, Djavan e João Bosco, para ficar somente em alguns nomes que a memória de Alípio Jorge Aguiar Barbosa — o Alipinho, como é chamado o filho mais velho e atual administrador da casa pode lembrar.
O velho Alípio Barbosa faleceu em 1981, deixando a direção do seu empreendimento para seus quatro filhos homens (Alípio, Marcos, Rogério e Sérgio). Rejane é a filha mulher. “O papai era um boêmio, que gostava de badalação e farra com o Teófilo Lins, Zito Cabral, Dirceu Falcão, Mário Correia, que se reuniam no Bar da Nete“, lembra Alipinho, acrescentando que o velho Alípio não queria que ele trabalhasse no bar. “Ele queria que eu fosse médico e na sua concepção um médico nunca poderia ficar à frente de uma bodega“, diz ele.
De um pequeno bar que começou a funcionar por volta do ano de 1977, reunindo nas noites de final de semana as lideranças do movimento estudantil e os militantes do PC do B, o Bar do Alípio se transformou num dos principais locais para se provar o que existe de melhor na cozinha alagoana, onde no auge da temporada passa por sua cozinha uma média de 100 quilos diários de camarão. “Nós mantínhamos um movimento regular em todas as estações do ano pela qualidade de nossos pratos”, explica Alipinho.
Como reduto tradicional dos setores que faziam oposição ao regime militar, o Bar do Alípio viveu grandes momentos como o do dia em que houve uma grande mobilização pelas Diretas-Já com a presença do autor da emenda, o deputado Dante de Oliveira. Outra festa importante aconteceu quando passou por ali, o então governador do Estado de São Paulo, Franco Montoro, que convidou o proprietário do restaurante para lhe retribuir a visita, indo ao Palácio dos Bandeirantes.
Mas não era só de opositores que vivia o Bar do Alípio. Entre seus mais assíduos frequentadores se encontravam Guilherme Palmeira e Rui Guerra. Até mesmo Fernando Collor andou por ali. Em 1987, foi pessoalmente levar aos proprietários do restaurante o convite para que representassem Alagoas na Feira Internacional de Turismo que iria acontecer naquele ano, na cidade do Rio de Janeiro. “E nós aceitamos o convite do governador e o nosso stand fez o maior sucesso no Hotel Nacional“, conta Alipinho.
Para o engenheiro Rui Guerra, que frequentava o Alípio desde os seus primórdios no Motonáutica, aquele foi um lugar único na cidade. Ele lembra que gostava de frequentar o bar para tomar uma Noa-Noa, coquetel de cor avermelhada que misturava rum, conhaque, suco de maracujá e groselha e que fez muito sucesso nos bares da cidade. “Eu gostava muito de ir lá com o Guilherme e quando o pessoal do PC do B estava eu aproveitava para conversar com eles”, explica Rui Guerra, acrescentando, “nós nos xingávamos muito uns aos outros, mas aqui tudo terminava numa boa“.
Outro frequentador do Bar do Alípio foi o ex-secretário do Planejamento, Sérgio Moreira, que ao lado de Renan Calheiros e Cleto Falcão, quando ainda faziam parte do movimento estudantil, gostavam de esticar as reuniões dos diretórios para as mesinhas do bar do Pontal. Ali eles eram muitas vezes eram encontrados ao lado do senador Teotônio Vilela. “Que eu me lembre, frequento o Alípio desde 1979, e guardo com detalhes o dia em que fizemos a recepção ao Wladimir Palmeira, quando de seu regresso a Maceió, depois da Anistia e do nascimento da minha filha que foi comemorado ali”, aponta Sérgio.
Do Bar do Alípio, onde eram preparados pratos bem simples, mas que conseguiam conquistar o gosto de muita gente acostumada a frequentar os melhores restaurantes do Rio e São Paulo, poucos foram os que saíram decepcionados. A exceção fica para o ator Paulo Gracindo, que deu a maior “alteração“, quando depois de saborear os frutos do mar que ali eram servidos, recebeu a informação de que no Alípio não era servido sobremesas. “Como? Nem mesmo na minha Sucupira faltam essas coisas”, reclamou o ator, que na época fazia sucesso na Rede Globo com o personagem Odorico Paraguaçu, prefeito da cidadezinha de Sucupira. São fatos que só mesmo no Alípio podiam acontecer.
Reduto da Esquerda
Edberto Ticianeli, que conheceu o bar nos primórdios, lembra como se deu a sua escolha como reduto da boemia e dos estudantes de esquerda no final dos anos da década de 1970.
“Fui colega do Alípio no Colégio Estadual de Alagoas e conheci o Bar quando ele ainda funcionava no Motonáutica, em 1975. O velho Alípio me chamou para consertar o fogão. Depois, quando o bar se mudou para a antiga Casa de Campo, fui lá umas poucas vezes antes de frequentá-lo assiduamente a partir de 1979, quando praticamente todas as lideranças estudantis estavam por lá a partir da sexta-feira à noite”, recorda Ticianeli.
Nessa época, o PCdoB era a força política hegemônica no movimento estudantil alagoano e as reuniões aconteciam no DCE, na Praça Sinimbu. “Tinha muita gente frequentando estas reuniões e resolvemos organizar um forró no Restaurante Universitário. Foi um sucesso, mas os vizinhos não gostaram da ideia e a Reitoria da Ufal proibiu o uso daquele espaço. Para mantermos a atividade festiva após as reuniões do início das noites de sexta-feira, resolvemos procurar outro local. Foi então que surgiu a proposta de irmos para o Bar do Alípio, no Pontal”, historia Ticianeli ao registrar que parte do sucesso era o “pendura” que o Alípio mantinha para os amigos.
Durante alguns anos, o bar manteve a estrutura precária herdada da Casa de Campo, um antigo restaurante. Eram instalações rústicas, mas que terminavam dando identidade ao local, muito próximo do canal da Lagoa Mundaú.
Alípio Jorge de Aguiar Barbosa, o filho fundador e que administrou o bar por muito tempo, voltou a praticar a medicina em Palmares, Pernambuco, onde residiu por muitos anos. Faleceu em 21 de fevereiro de 2024.
Hoje, a principal via do Pontal recebe o nome de Alípio Barbosa da Silva, homenageando o alagoano que trabalhou como garçom e conseguiu incluir Maceió no roteiro gastronômico nacional.
*A maior parte do texto é reprodução, com poucas adaptações, de matéria publicada na revista Última Palavra nº 73, de 14 a 20 de julho de 1989. As fotos também são da revista, com exceção da encontrada em pesquisa de Wagner Torres.
Prezado Ticianeli, você sabe resgatar a história do cotidiano alagoano.
Muito boa essa lembranças.
Estou lendo esse texto na semana que recebo a triste notícia do falecimento do inestimável amigo Alipinho.
Nosso Maceio contemporâneo deve muito da sua memória graças ao talento cultural do Ticianeli a quem devemos agradecer.
Revisitando o texto, hoje, ao saber da morte do “Alipinho”, vejo que essas páginas de “História de Alagoas” são leitura obrigatória para quem que conhecer com segurança e precisão a história e a cultura alagoana.
Nossa! Tenho as melhores lembranças do Bar do Alípio. Em 80 montamos “Ponto de Partida” pelo Teatro Universitário, o TUA e, lá era o nosso reduto, depois dos ensaios.
Muitas vezes, o Alípio deixava a chave do bar conosco e ia descansar. Como disse a minha amiga irmã Maria Lídia: “O Bar do Alípio era a nossa segunda casa, o nosso ninho afetivo/etílico/cultural….só boas lembranças….🙏🏻❤️”