As matas das Alagoas: providências acerca delas e sua descrição
José de Mendonça de Mattos Moreira
*Texto publicado originalmente na Revista Trimensal do Instituto Historico, Geographico e Etnographico do Brasil, tomo XXII, Rio de Janeiro, 1859.
I
As matas das Alagoas do Sul, que com as mais matas desta Capitania de Pernambuco formam um cordão ao longo da costa do mar do norte ao sul, com extensão de mais de noventa léguas até aos Caricés, ou Tabuleiros de Goiana, têm todas o seu princípio oito léguas ao norte do rio de São Francisco, que divide esta Capitania da Bahia, em um lugar chamado Pescoço, cuja mata tem de comprimento cinco léguas, no fim das quais abre dois ramos, um que caminha ao Noroeste, chamado Riacho Seco, com extensão de quatro para cinco léguas, até os campestres, ou caatingas do sertão, que neste lugar ficam muito vizinhas; o outro ramo se dirige ao norte, com extensão de sete léguas, formando diferentes ramos, como sejam Coruripe, Alagoa do Pau, Poxim, Jequiá, até a beira duma grande Lagoa com extensão de três léguas, chamada de Jequiá, que se lança no mar; todas estas matas têm de longitude da costa do mar quatro, cinco, e seis léguas, com fundos de cinco, e seis para o sertão, em cujos fundos se acham muitos ramos de matas de Pau-Brasil, de que se fez em algum tempo grande extração para sua Majestade; porém no presente tempo se acham todas extintas, em razão da irregularidade com que se fizeram os cortes; porém darão a mesma quantidade para o futuro se houver cuidado em defender estas matas, por se acharem os antigos cortes com muitas madeiras novas, de que se poderá fazer a mesma extração, passados doze anos.
Da Alagoa de Jequiá acima dita, continuam as matas para o norte com a extensão de sete léguas, até o rio S. Miguel, com os mesmos fundos e os mesmos ramos de matas de Pau-Brasil nos seus fundos, que se acham igualmente no estado dos antecedentes. Todas estas matas, desde o lugar do Pescoço até a Barra de S. Miguel, com extensão de dezenove léguas de comprido, são abundantíssimas de madeiras de sucupiras; porém todas elas são muito curtas, pouco grossas, e de fracas dimensões, que só servem para construções de navios mercantis de toda a grandeza, por serem estes terrenos áridos e secos; destas matas se provê toda a marinha mercantil da Bahia, depois da proibição das matas dos Palmares, e nos portos destas matas se constroem muitas embarcações de sorte que presentemente se acham sete, ou oito no estaleiro.
Estas matas são as que devem ficar reservadas para a marinha mercantil, visto a sua qualidade, e não serem elas capazes de criar em tempo algum, madeiras de construção, à exceção de algum pau, que se acha em alguma grota mais fresca; porém devem ficar fechados, e vedados os ramos de matas de Pau-Brasil, que ficam nos seus fundos, dos quais pode tirar a Real Coroa muitos interesses para o futuro, assim como também se deve vedar a peroba amarela para aduelas, de que abundam alguns lugares destas matas.
Do rio de S. Miguel para o norte principiam as matas do Riachão, com extensão de quatro para cinco léguas, no fim das quais principiam as famosas, e bem conhecidas matas dos Palmares, tanto pela fertilidade delas, como pela extraordinária grandeza de suas madeiras. Estas matas se estendem para o norte até o rio S. Antônio Grande, com extensão pelos seus fundos de vinte léguas, formando vários, e grossos ramos, como sejam Tangil, Parangaba, Mataraca, Branca, Conceição, Salobro, Cabeça do Cavalo, João Dias, Satuba, Canoé, Anhumas, Riachão, Pau Amarelo, Urucu, Pedra Talhada, Golangi, Riacho das Canoas, Canudos, Manimbu, Poço da Volta, Capapim, Juçaral, Mirim, Cachoeira, Cobra, Poço Grande, Xoqueiro, Porco Brabo, Nascenças da Saúde, Piabas, Santiago, Cabeceiras de Sapucaí, Jitituba, Rio do Peixe, Pacas, Porco Cortado, Perpiri: são estas matas cortadas de excelentes rios, como sejam S. Miguel, o rio do Mirim, e S. Antonio Grande; e duas grandes lagoas, uma denominada a do Sul, de que toma o seu nome a vila das Alagoas do Sul, situada à margem da mesma lagoa, que tem de extensão oito léguas até o mar, onde faz barra; nela deságuam os rios Sebauma, Salgado, Utinga, e Paraíba; a outra, chamada Alagoa do Norte, com três léguas de extensão até o mar, onde faz barra junto com a Alagoa do Sul; nela deságuam os rios Satuba, e Mundaú, e tanto estes rios, como os outros, todos vêm do interior das matas, as quais ficam distantes da beira-mar dez e doze léguas.
Têm, além disto, as mesmas matas seis excelentes portos, quais são: S. Miguel, Porto do Francês, Jaraguá, o melhor de todos, e de toda esta Capitania, Papicara, Mirim, S. Antonio Grande. Há, nos fundos destas grandes matas, muitas matas de pau-amarelo, os melhores que se conhecem em toda esta Capitania, tanto pela sua boa qualidade, como pela grandeza deles; as quais ficam em distância da beira-mar vinte e cinco, e trinta léguas; delas se têm sempre extraído todas as madeiras, que nesta Capitania se tem feito para Sua Majestade. Todas estas matas, tanto de sucupiras, como de amarelos, se acham hoje muito destruídas, em razão dos muitos roçados, e fogos, que nelas se têm introduzido: são elas as que têm sofrido todas as construções, tanto Reais, como mercantis, que nesta Comarca se têm feito desde a descoberta destas conquistas: apesar porém de tantos estragos, só elas são as únicas que têm suprido as formidáveis madeiras, que tenho mandado construir por ordem de V. Ex. para as naus de cento e dez, oitenta e quatro, e setenta e quatro peças; ainda que se achem em grande distância de mar, por cuja razão são dificultosos os seus arrastos.
Ao norte do rio Santo Antônio Grande continuam as matas, formando diferentes ramos, como são as de Camaragibe, que se estendem até às de Porto Calvo por espaço de oito léguas; estas matas, de que os seus terrenos são fertilíssimos, capazes de produzir grandes madeiras, e com a qualidade de serem regadas de um florente rio denominado Camaragibe, se acham hoje de todo destruídas em razão dos muitos roçados, que nelas se tem feito pelas margens do mesmo rio, pessoas, que nelas se têm introduzido, sem título algum; porém, tanto estas matas como parte das de Porto Calvo, sendo vedadas e fechadas poderão para o futuro restabelecer-se, e tirar delas grande utilidade a Real Coroa.
As matas de Porto Calvo continuam ao norte com diferentes ramos, como sejam Duas Bocas, vizinhas ao rio Manguaba, Japaratuba, as quais se acham no estado das antecedentes; destas matas continuam dois ramos, um ao noroeste denominado Baixa Seca, outro ao norte chamado Piabas, Canhoto, Duas Barras, com extensão de quatro para cinco léguas: nestes ramos se criam muitas madeiras de sucupiras de toda a grandeza, capazes de naus de linha do maior porte; ficam elas distantes da Barra Grande, porto do embarque destas matas, cinco, e seis léguas; porém parte deste caminho é trabalhoso.
Das Duas Barras para o norte se acham as matas de Pau Amarelo, e Buenos Aires, que terminam no riacho Precinunga, onde finda esta Comarca; vindo todos estes ramos, que se acham desde Porto Calvo até Precinunga, formar uma extensão de sete para oito léguas, nos fundos das quais se acham as matas de amarelo de Jacuípe; cujas matas, posto que fossem das mais consideráveis desta Capitania, se acham hoje quase de todo destruídas pela grande extração que delas têm feito os povos; de sorte que algumas que se poderão tirar, serão por um preço extraordinário, como sucedeu na ocasião em que pretendi tirar madeiras delas para Sua Majestade, que tirando taboados de cinqüenta palmos de comprido nas matas dos Palmares a cinqüenta mil réis a dúzia, nestas de Jacuípe o não quiseram fazer por menos de cem mil réis, como fiz constar a V. Ex. por um termo assinado pelos mesmos fabricantes. Duas léguas ao norte do riacho Precinunga, onde termina esta Comarca, fica o rio Una; nestas duas léguas se acham vários ramos de matas, que se estendem ao longo do mesmo rio Una, caminhando a oeste cinco para seis léguas, até a barra do rio Jacuípe, encravados em muitos engenhos, como sejam matas de Crauassu de Baixo, Aldeia Velha, Aragoaba, Crauassu de Cima e outros: tanto estes ramos de matas ao sul do rio Una, como os que ficam ao norte do mesmo rio, desde Duas Bocas, distante dele duas léguas até o engenho Ilha Grande, Frescondim, Saué de Cima, Cabeça de Porco, são de excelentes madeiras de sucupira capazes para naus da última grandeza.
Todas estas matas, que ficam entre o rio S. Miguel e riacho Precinunga, onde termina esta Comarca, que formam uma extensão de vinte e oito léguas ao longo da praia, e a de trinta e cinco para trinta e seis pelo interior das matas, em razão das suas voltas, se devem destinar para Sua Majestade, por serem estas matas as mais capazes para as construções de Sua Majestade em toda esta Capitania; a estas se devem unir as duas léguas, que ficam ao sul do rio Una, como também as duas, que ficam ao norte do mesmo rio, pela sua boa qualidade; todas as mais, que continuam ao norte até os Caricés, ou Tabuleiros de Goiana, com extensão de mais de quarenta léguas, são inúteis para as construções de Sua Majestade, como são as matas do rio Formoso, Serinhaém, Ipojuca, Cabo; as quais se acham muito destruídas por se acharem ocupadas de muitos moradores, e engenhos que se estendem hoje muitas léguas pela terra adentro em grande distância da beira-mar; de sorte que algumas madeiras, que se acham ainda nos fundos destas situações, são dificultosas de se tirar, não só pela grande distância em que se acham, mas também pela aspereza dos caminhos, por onde se deveriam transportar; muito principalmente por não haver rios livres de cachoeiras por onde se possam conduzir as madeiras construídas; porquanto o rio Formoso não admite navegação de semelhantes madeiras, por ser um riacho do engenho para cima: o rio de Serinhaém, e o de Ipojuca, se encontram muitas cachoeiras no curso deles; de sorte que não pode fazer conta a extração de madeiras de semelhantes lugares.
É por este motivo que nunca jamais em tempo algum se fizeram madeiras nestes lugares, tanto para S. Majestade, como para o comércio; o que não sucederia assim, bem eles as houvessem; porquanto não era natural que havendo madeiras de 15 e 16 léguas, as viessem procurar nesta Comarca em distância de 90 a 80 léguas.
O mesmo sucede às matas, que ficam pelo rio Capibaribe acima, matas de S. Antão, S. Amaro, Jaboatão, costeando por fora de Moribeca, e Cabo pelo rio Cabassu, procurando cabeceiras do rio Ipojuca; à exceção das matas da Paraíba, que também se acham hoje muito destruídas, e distantes do porto do embarque, só tem S. Majestade nesta Capitania as matas de que tenho feito menção para as suas Reais Construções: cuja demarcação, ou tombo, deve principiar no rio de S. Miguel, com rumo de norte até o rio Una, incluindo nela o ramo do norte de que tenho feito menção; e do rio Una deve correr rumo de noroeste até os fundos das matas do Pau Amarelo do rio Pirangi Grande, que confinam com os Campestres, caatingas do sertão: deste lugar deve correr o rumo de oeste pelos fundos das matas de Jacuípe, Serras de Manguaba, Mariquita, o Carimá, pelas Serras da Barriga, Cruatá, Dois Irmãos, Bananal, Traipu, Príncipe, até finalizar nas cabeceiras do rio de S. Miguel, distante da sua foz 15 a 17 léguas, que vêm a formar uma extensão de matas de 30 a 32 léguas de comprido ao longo da costa do mar, de que ficam distantes em alguns lugares 10 e 12 léguas, e em outro, 5, 6 e 7 léguas.
Dentro desta demarcação, ou tombo, ficam incluídos os melhores ramos de matas, tanto de sucupiras, como de amarelos, que S. Majestade tem nesta Capitania, para cujas matas parece ser de maior interesse para a Real Coroa a criação de um superintendente a quem fique pertencendo semelhante fiscalização, com regência de alguns couteiros, ou guardas divididos pelos respectivos distritos; sendo corridas por diferentes patrulhas de índios na forma que tenho exposto, com exclusão de outro qualquer uso.
Porto de Pedras, 2 de agosto de 1797.
II
Tenho a honra de receber a carta, que V. Ex. foi servido dirigir-me em 16 de junho do corrente ano, com o Edital para todos os sesmeiros apresentarem suas sesmarias, e para tudo o mais que nele se declara; dele fiz logo extrair 16 cópias, as quais não só mandei publicar em todas as vilas desta Comarca, mas também em todas as freguesias, e lugares públicos dela, para que melhor conste dele a todos, e ninguém possa alegar ignorância, como tudo se faz ver da certidão do Escrivão da Correição, que tenho a honra de pôr na respeitável presença de V. Ex.
Não há, Exmo. Sr., um meio mais eficaz, para a conservação, e aumento das matas, do que serem da propriedade exclusiva da Real Coroa todas as matas e arvoredos à borda da costa do mar, ou de rios por onde em jangadas e canoas possam ser conduzidas as madeiras cortadas; porém devo dizer a V. Ex., pela larga experiência que tenho, e conhecimento individual de todas estas matas e arvoredos, que o meio de serem obrigados os sesmeiros a apresentarem suas Cartas de Sesmarias, e serem estas unidas ao Patrimônio Real, indenizando-se os respectivos sesmeiros em outros lugares no interior do país, achando-se nas terras dadas de sesmaria benfeitorias, por que se lhe deva fazer esta indenização, não é ainda o meio capaz de conseguir o fim de tão saudável determinação; porquanto as porções de terrenos, que se acham nas mesmas matas usurpadas à Real Coroa, são ainda muito maiores em alguns lugares, do que aqueles que se contemplam nas sesmarias, que não farão nem ainda uma terça parte daqueles, em razão de que muitas pessoas se introduzem no interior das matas, as quais destroem não só com roçados, que nelas fazem, e que pela maior parte os não plantam; mas ainda muito mais com fogos, que se lhes introduzem ateados dos mesmos roçados; de sorte que há muitos lugares onde os fogos se atearam pelo espaço de muitas léguas, como eu mesmo tenho sido testemunha ocular; por cuja razão, se não acham hoje matas inteiras, apenas alguns farragiais delas em diferentes lugares, onde se fazem as Construções Reais.
Outros, dando-se-lhes por Carta de Sesmaria meia légua de terra, como nunca a demarcam na forma que são obrigados, se apossam de 2 e 3 léguas, outros alcançando somente ordem da Junta da Fazenda Real para as Câmaras respectivas passarem Editais, para ver se há ou não terceiro prejudicado, se apossam das terras perdidas, sem jamais tirarem as Cartas de Sesmarias: destes tem V. Ex. alguns exemplos, como fosse Pedro de Araújo que, pedindo uma légua de terras de sesmarias no rio de Camaragibe, e mandando a Junta da Fazenda Real à Câmara respectiva passar Editais do estilo, ele se meteu na posse delas, e de sociedade com Gregório de Oliveira Costa erigiram um engenho, que denunciando este àquele depois de passados muitos anos, lhe mandou justamente a Junta Real passar Carta de Sesmaria: destes há outros muitos exemplos, como seja Antonio Moreira no mesmo rio, que tendo somente alcançado despacho da mesma Junta para a Câmara respectiva mandar por Editais, ele, sem se lhe passar a receptiva Carta, se meteu com vários parentes, e outros agregados no interior das matas, onde por espaço de muitos anos tem feito os maiores estragos, tanto em roçados, como em fogos, que lhes tem introduzido; e destes há outros muitos que não chega a notícia deles, por se não terem feito os exames necessários; outros há, que tendo vendido as terras, que lhes foram dadas de sesmaria, andam estas hoje em terceiro, e quarto possuidor, sem que obtivessem Licença da Junta da Fazenda Real, como são obrigados em semelhantes vendas para a obterem, e pagarem o justo laudêmio em reconhecimento do direto domínio que nelas tem a Real Coroa; por não terem nelas os sesmeiros senão usufruto, sendo tal o excesso em se pedirem semelhantes sesmarias, que muitos tempos foi entre estes povos uma espécie de negociação, porquanto houve pessoas que, por si e por terceiros, alcançaram três, e quatro sesmarias, e depois as venderam a outros por dois mil cruzados, um conto de réis, e quatrocentos mil réis, e o que mais admira é que muitos as dividem, e as vendem a retalhos, de que há muitos exemplos; outros, finalmente, possuem terrenos nas mesmas matas, sem títulos alguns, por onde conste a legitimidade dos seus domínios; de sorte que até o presente têm sido as matas comuns, e livres a toda a pessoa que se quer introduzir nelas e ainda alguns tomarem posse de muitas léguas, sem títulos, como V. Exª. verá da certidão, que tenho a honra de pôr na respeitável presença de V. Exª.; e desta forma se acham rotas, e destruídas as mais belas matas que Sua Majestade pode ter no Brasil; não só pela grandeza delas, mas ainda muito mais por serem estes uns terrenos próprios de criar sucupiras, o que é bem raro nas mais matas; e o que mais admira é que de todas estas destruições não tira a Real Coroa, e o público utilidade alguma, por serem elas feitas pela maior parte por pessoas indigentes, e criminosas, que por escaparem as penas dos seus delitos procuram o esconderijo das matas, como um asilo seguro; de sorte que a maior parte das sesmarias já dadas, à exceção de algumas muito poucas em que se erigiu algum engenho, todas as mais não têm benfeitorias que lhes devam ser indenizadas, por se acharem mais deterioradas do que quando lhe foram dadas.
Todos estes injustos possuidores se não vêm denunciar pelo presente Edital, quando muitos, que o mesmo compreende, o não farão, sem se recorrer a outros meios; pois vemos que sendo os Editais publicados há mais de trinta dias, ainda não houve um só sesmeiro que viesse apresentar a sua Carta, na forma que determina o mesmo Edital; para virmos pois no conhecimento de todos eles, é necessária uma escrupulosa e exata averiguação desde o lugar, onde principiam as matas destinadas para Sua Majestade, até o fim delas; cujo exame, sendo feito com a exação devida na ocasião que se fizer o Tombo das mesmas matas, que a ser feito com as formalidades necessárias se não poderá fazer em menos de uns poucos de anos.
Estes serão, Exmo. Sr., os maiores trabalhos deste novo estabelecimento, quando Sua Majestade seja servido mandá-lo criar; porque sobre tão escrupulosas, e laboriosas indagações, é da maior atenção que fiquem separados terrenos para as plantações do país, e os necessários para a marinha mercantil, e uso dos povos; o que tudo se pode muito bem executar, e estabelecer sem prejuízo das matas e arvoredos destinados para Sua Majestade, à vista do estado a que se acha hoje reduzido todo este país, por haver muitas léguas da beira-mar para o sertão, sem matas e arvoredos; por se achar nestes lugares povoados com plantações, e engenhos, sem que haja necessidade para o aumento delas de passarem as matas, que principiam hoje longe da costa do mar dez, e doze léguas em alguns lugares, depois de acabados os terrenos povoados; estas matas, onde se criam as sucupiras, têm sete e oito léguas de largo, no fim das quais principiam as matas de amarelo, que vão finalizar nos campestres, ou caatingas do sertão; e ainda que nestas matas de amarelos se achem algumas sucupiras, delas se não pode fazer uso algum, pela aspereza dos lugares por onde se deveriam conduzir, muito principalmente por serem os rios, que descem naqueles lugares, cheios de muitas cachoeiras; as quais não admitem condução de madeiras de construção, e o mesmo sucede ainda em muitos lugares nas matas de sucupiras.
Igualmente se deve proceder com o mesmo escrúpulo nas sesmarias dadas para ter lugar a indenização de que faz menção o mesmo Edital; por ser necessário que conste veridicamente se as terras dadas de sesmarias têm algumas benfeitorias, porque se lhe deva fazer esta indenização, o que nunca poderá ter lugar, à exceção daquelas em que se acharem alguns engenhos; antes a Real Coroa as receberá em maior deterioração, segundo o costume geral de todos os sesmeiros, que é abrirem eles e seus agregados muitos roçados com os quais, e com os fogos que lhes introduzem, destroem as terras que lhes foram dadas de sesmaria; porquanto, todo o fim de procurarem eles as matas e arvoredos não é por falta de terra para as plantações, que essas são infinitas no país; é tão-somente porque nas matas evitam as limpas, que são obrigados a dar nas mais terras, a que chamam capoeiras: e desta forma por um tão injusto motivo, vão destruindo as matas até a sua total extinção, como eu pessoalmente tenho visto (de que dei parte à V. Ex.) lugares no interior das matas em que destruíram com roçados e fogos muitos mil paus de construção para naus da última grandeza, e destes há muitos exemplos por toda a extensão das matas.
Quanto porém àquelas sesmarias em que se acham engenhos, e que Sua Majestade por Sua Real Clemência manda conservar, deverão sempre os Senhores deles ser obrigados a conservar todas as madeiras Reais, que se acharem na compreensão dos mesmos engenhos, como sejam sucupira-mirim, pau-de-arco, gitaí, angelim, amargoso, mirindiba, jatobá, e sapucaia, de cujas madeiras estão bem conhecidas as suas boas qualidades, das quais não têm necessidade os engenhos para as suas laborações, à exceção de alguns paus para obras dos mesmos engenhos, os quais não fazem falta às construções; sendo os mesmos senhores de engenho obrigados a não deixar abrir roçados nas matas dos mesmos engenhos, de que lhes resulta a eles um benefício ainda muito maior do que às mesmas construções; porque da destruição das matas procedeu a extinção de alguns, e a decadência em que se acham hoje muitos engenhos, e pela falta de lenhas para os seus cozimentos.
Finalmente, Exmo. Sr., todo o objeto da Real Coroa para a conservação da sua Real Marinha, da marinha mercantil, e do bem comum deste país, cuja riqueza consiste na conservação dos mesmos arvoredos, pois vemos que, faltando estes, os terrenos ficam sem valor, e reservarem-se os melhores terrenos para Sua Majestade, e nestes haver o maior cuidado de se impedir com as mais graves penas a abertura de roçados, e cortes para particulares; fazendo-se uma demarcação, ou Tombo Real, e individual de todas as matas reservadas, tirando-se mapas de plantas baixas de todos os ramos das matas, compreendidos na demarcação; cujas matas deverão todos os anos ser revistas por um Superintendente delas, e dos Reais cortes, abrindo-se devassas em alguns distritos das mesmas matas contra os transgressores das ordens que se derem para a sua conservação, destinando-se os terrenos mais fracos para a marinha mercantil, e uso dos povos: e como Sua Majestade no interior destas matas tem dois Presídios desde o tempo dos negros dos Palmares, quais são os de Nossa Senhora das Brotas na vila da Atalaia, e o de S. Caetano em Jacuípe, com sessenta índios em cada um deles, a quem a mesma Senhora paga, sem lhe fazer serviço algum; destes deve o mesmo Ministro mandar em certos tempos do ano diferentes patrulhas que corram as mesmas matas com pontos certos de união, procedendo-se contra os que acharem nela trabalhando.
Desta forma, Exmo. Sr., se conservarão as matas que ainda existem para suprir as presentes construções; e as que se acham destruídas, com esta providência se restabelecerão para o futuro, como foram em algum tempo, e não experimentará a Real Coroa falta de madeiras de construção, antes as poderá ter por um preço muito mais cômodo para o futuro; e asseguro a V. Ex. que, a faltarem estas providências, em muito poucos anos ficarão as matas de construção de todo destruídas, e sua Majestade não terá mais liames para a fatura de suas naus; porquanto, ainda que o cordão de matas desta Capitania, que principia nas matas do Pescoço, e acaba nos Caricés, ou Tabuleiros de Goiana, tenha de extensão, com pouca diferença, noventa léguas, apenas se acham em toda esta dilatada distância os ramos de matas dos Palmares, outros no distrito de Porto Calvo, e alguns farragiais de matas encravados em mais de quarenta engenhos na freguesia de Una, donde se podem tiram madeiras de construção; porque todas as mais matas, umas se acham de todo destruídas, outras os seus terrenos são áridos e fracos, as madeiras que neles se criam apenas servem para navios mercantes, e observa-se que, ainda que as árvores sejam antigas, nunca crescem, e engrossam muito; esta boa qualidade só a têm as matas dos Palmares, onde as sucupiras e as mais madeiras de construção são pela maior parte agigantadas; de sorte que, apesar de tantos estragos, que nelas se encontram, e de terem elas sofrido todas as construções Reais e mercantes desde a descoberta desta conquista, são só as únicas onde achei madeiras para as naus de cento e dez, oitenta e quatro, e setenta e quatro peças de que me acho encarregado, e todas de sucupira-mirim, sem entrar em toda esta construção um só pau de outra qualidade de madeira, e posto que estas madeiras se tiram hoje em uma tão dilatada distância do porto do embarque, eu tenho a glória de que elas ficarão para sua Majestade pelo mesmo preço; porque se fizeram as madeiras que há perto de quarenta anos se remeteram das mesmas matas para a construção das naus Santo Antonio e Madre de Deus, e outras que Sua Majestade foi servido mandar construir na cidade da Bahia, sendo estas naus de muito menor porte, e tendo sido tiradas as suas madeiras em muito curta distância do porto do embarque; de sorte que algumas delas não excederam a meia légua de distância, quando as que hoje mando construir, ficam dez, e doze léguas do porto do embarque.
Têm, além disto, as matas dos Palmares a boa qualidade de serem cortadas por férteis e abundantes rios, como sejam os rios de S. Miguel, as duas lagoas de Norte, e Sul, que deságuam no mar; nas quais desembocam vários rios; como sejam: na do Sul, o rio Sebauma, Utinga, Salgado, e Paraíba; e na do Norte, os rios Mundaú, e Satuba; além destes, em distância de 6 léguas, tem os rios Mirim, e S. Antônio Grande, e em todos estes lugares portos correspondentes para o embarque das madeiras, com grandes fundos nas mesmas matas de paus-amarelos, donde sempre se têm feito grandes extrações para S. Majestade, por serem eles os de maior grandeza e melhor qualidade de toda esta Capitania.
Por todas estas razões, que tenho a honra de pôr na respeitável presença de V. Ex., se mostra a dificuldade que se encontra em ser feita com a brevidade que V. Ex. ordena, uma demarcação, ou tombo circunstanciado com um exame individual de todos os possuidores das mesmas matas, ou sejam por sesmarias, ou por outros quaisquer títulos, que deverão ser apresentados com averiguação de todas as benfeitorias que nas mesmas terras sesmadas se acharem dignas de indenização; a qual deve ser regulada pelo valor em que forem julgadas as mesmas benfeitorias; porque, além de serem precisos anos para se fazer esta diligência com a exação que pede uma matéria de tanta importância, só a pode fazer um Ministro criado para este serviço; por ser incompatível com a boa ordem da Justiça, que um Ministro Ouvidor desta Comarca, que é obrigado a fazer as correções das vilas dela, e acudir aos negócios públicos das partes, possa este mesmo Ministro ser encarregado ao mesmo tempo de serviços laboriosos; muito mais, se for encarregado de tão numerosas construções, como as de que presentemente me acho incumbido para S. Majestade à ordem de V. Ex.; porque, sendo a sua assistência pessoal necessária nestes serviços, em qualquer deles que falte, ou há de padecer o serviço de S. Majestade, ou o dos povos: por esta razão, parece ser de maior importância ao serviço da mesma Senhora a criação de um superintendente das matas destinadas para S. Majestade para este encarregado de todos estes serviços, e de todos os mais pertencentes a esta repartição, na execução dos quais será forçoso ter um imenso trabalho, além da prática e conhecimento que deve ter em semelhantes matérias, para ser bem regulado um estabelecimento de tanta consideração.
Apesar porém de todos estes obstáculos, se V. Exª. for servido que desde já entre neste serviço, com a determinação de V. Ex. vou pôr em execução tudo quanto for servido ordenar-me. É igualmente da maior dificuldade calcular uma perfeita contabilidade em que se mostre o preço certo, por que sai cada um pau de construção; por ser o valor destes regulado conforme as suas maiores, e menores dimensões, a distância em que se tiram, e a dificuldade de seus arrastos, que esta é a despesa de maior consideração nas construções, por não haver certeza ou regularidade nos lugares em que se constroem; por cujo motivo pode muito bem suceder que um pau com as mesmas bitolas faça diferença de outro igual da metade da sua despesa, sendo, por paridade, feito um deles em distância de 5 e 6 léguas, e o outro de 10 e 12; e ainda esta diferença pode suceder, tirados ambos em iguais distâncias, sendo o caminho de um deles bom, e do outro escabroso, como nos está sucedendo todos os dias; e ainda muito mais havendo um tão grande excesso de preço, como o que hoje se experimenta em todo este país em todas as coisas necessárias, como sejam de bois para os arrastos das madeiras, e nos víveres para sustentação dos trabalhadores; por cuja razão se tem pactuado com os fabricantes que as madeiras lhes sejam pagas por uma justa avaliação com atenção a estas diferenças, fixando-se nela o preço certo de cada um dos paus, segundo as suas diferentes classes, achando-se eles feitos com perfeição, e com as bitolas que lhe foram dadas, e na falta de tudo isto, lhe serem pagas pela metade do preço da sua avaliação; quanto porém à melhor economia dos cortes, será muito útil à Fazenda Real que se abram alguns por conta da mesma, debaixo da inspeção do mesmo Ministro; para este fim se devem procurar alguns ramos de matas mais vizinhos a rios, para maior comodidade dos seus arrastos, cujos cortes devem ser separados uns dos outros em razão da dificuldade que se encontra de pastos naqueles lugares, para conservação de grandes boiadas para as conduções das mesmas madeiras.
Além de tudo quanto tenho tido a honra de expor na respeitável presença de V. Ex., será da maior importância, sendo Sua Majestade servida criar este estabelecimento, mandar proceder no Tombo das mesmas matas, se façam algumas conferências na respeitável presença de V. Exª., a respeito de todas estas matérias, para melhor se poderem pôr em prática; em cuja ocasião eu terei a honra de dizer a V. Ex. tudo quanto é necessário e útil ao serviço de Sua Majestade.
Deus Guarde a V. Exª., como muito lhe desejo.
De V. Exª.
O mais humilde súdito
José de Mendonça de Mattos Moreira.
Porto de Pedras, 30 de julho de 1797.
Muito grato, prezado Ticianeli, pela publicação desta matéria. No entanto, achei muito difícil a sua interpretação.
Grato pela atenção.
É uma vasta leitura descritiva sobre as matas da capitania de Pernambuco incluindo a parte Sul, hoje Alagoas , muitos termos que denominavam alguns lugares talvez nem existam mais . Mas , de qualquer forma o texto é bastante esclarecedor do ponto de vista histórico