As locuções “Província das Alagoas” e “Estado de Alagoas”

Crepúsculo na Lagoa Mundaú, Pontal da Barra, na década de 1950. Foto Stuckert

Wesceslau de Almeida

*Publicado originalmente na Revista do Ensino de maio-junho de 1912.

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Não do grande número de lagoas existentes no seu território, segundo estamos acostumados a ler nos compêndios de geografia e em trabalhos outros oriundos até do próprio Estado, mas da cidade homônima que lhe serviu de sede pelo espaço de quatro lustros, deve esta unidade da federação brasileira o nome que se lhe radicou.

Segundo se colhe da documentação coetânea, tinha o povoado lacustre nos seus primórdios o simples designativo de Lagôa, mudado algum tempo depois para Magdalena e Santa Maria Magdalena da Lagoa do Sul, expressões meramente oficiais que se não puderam vulgarizar, restringindo-se, por isso, tão somente aos papeis públicos: escrituras, assentamentos forenses, comunicações de autoridades etc.

Continuou, assim, pelos anos afora o modesto vilar de Diogo Soares a conhecer-se pela velha e única designação indicativa de sua posição topográfica até que, nucleando-se à margem da contigua lagoa do Norte outra povoação de nome idêntico, passou o conjunto a designar-se por Alagoas (*), expressão que, afinal, veio a se restringir à primeira daquelas situações para mais tarde abranger toda uma província.

Instituída uma ouvidoria nos limites dos termos das vilas das Alagoas, Porto Calvo e São Francisco (Penedo) e determinado que a sede se assentasse (1711), passou em consequência o nome da primeira dessas vilas a designar a nova circunscrição judiciaria, firmando-se definitivamente o nome Alagoas para o território onde em 1817 se erigiu a “capitania” que ficou assim se denominando.

Releva notar que o decreto respectivo a essa instituição emprega, por evidente e inexplicável equivoco, a expressão Provincia das Alagoas em vez de comarca; o fato serve, todavia, para acentuar o uso em vigor do prepositivo “das” anteposto, ao nosso topônimo.

Em 22 de janeiro de 1819 na vetusta igreja matriz da então vila de Santa Maria Magdalena das Alagoas toma posse o primeiro governador da nova capitania, que desse modo inicia a sua vida administrativa. O documento assim começa:

“Auto de Posse, que tomou o Ilustríssimo Sebastião Francisco de Mello e Póvoas, do Governo desta Capitania das Alagoas.”

Era esta, conseguintemente, a expressão oficial.

Feita a Independência Nacional, passou Alagoas a constituir uma das províncias do nascente Império e sua capital por uma carta de lei de 8 de março de 1823 recebia o título de cidade com a denominação agora definitivamente simplificada de cidade das Alagoas.

Em todas as leis, decretos e outros atos oficiais, a antiga Provincia das Alagoas sempre foi assim designada até que pelo advento da Republica passou a formar um dos Estados da nova federação.

Consumada a mutação de regime político, instalou-se em Maceió aos 18 de novembro de 1889 o primeiro governo republicano que imediatamente fez distribuir uma proclamação nos seguintes termos:

“Ao Povo Alagoano.

O governo provisório do Estado das Alagoas declara ao povo alagoano que os governos central e provincial garantem o pagamento de toda dívida pública geral e provincial.

Palácio do governo provisório do Estado das Alagoas. 18 de Novembro de 1889. — Aureliano Augusto de Azevedo Pedra. — Manuel Ribeiro Barreto de Menezes. — Ricardo Brennand Monteiro.”

É uma contradita a afirmação por alguém já feita de que a locução “das Alagoas” extinguiu-se com o regime monárquico.

Mais eloquentes, porém, do que o manifesto da junta revolucionaria podem-se relacionar outros atos públicos emanados do poder executivo e do legislativo, quando o Estado já se encontrava no pleno exercício da autonomia política definida na Constituição da República, documento esse, assinale-se, onde o “das Alagoas” aparece em seguida às assinaturas de Floriano Peixoto e de Joaquim Pontes de Miranda.

Note-se todavia, que, transcursa a primeira quinzena de governo republicano, aos 4 de dezembro de 1889, O Liberal, gazeta que por contrato inseria o expediente da administrarão, passou, aliás sem expressa autorização da autoridade competente, como se poderá ver do ato que rescindiu o mesmo contrato, a denominar-se Estado de Alagoas, conservando a mesma feição e disposição gráfica d’O Liberal do que não foi mais do que uma continuação.

O fato despertou a atenção dos tradicionalistas da época, provocando censuras.

Em um suelto do dia 15 o Gutenberg, órgão que tomara parte ativa na campanha republicana, criticou a improcedência da novidade, aconselhando a substituição do “das” pelo “de”, em sua opinião, gramaticalmente mais bem formado em relação ao caso.

Revidando, o jornal oficial justificou a permanência integral do título adoptado e entre outras coisas escreveu:

“A estranheza que a muitos tem causado a expressão Estado de Alagoas, provém do hábito de chamar-se desde emancipação do Brasil, província das Alagoas e não de Alagoas.”

Linhas acima, entretanto, documentadamente se demonstrou que a locução já vem dos tempos coloniais.

O Liberal, do Partido Liberal das Alagoas

O interessante é que naquele mesmo número de 4 de dezembro o expediente oficial fosse precedido dos dizeres Governo do Estado das Alagoas

A inovação, já o deixámos ver, não se insinuou facilmente. Foi Constituição do Estado, promulgada a 11 de junho de 1891, o primeiro ato oficial que adoptou a locução Estado de Alagoas, mas o projeto que lhe serviu de base trazia o “das”, usado ainda na promulgação das leis de 1892 e em todos os decretos expedidos pelo poder executivo até junho desse ano, O de nº 77 de 8 do mês referido, regulamento para a execução da lei nº 7 de 12 de maio de 1892 (organização judiciaria), já adoptava o novo uso, uniformemente seguido até hoje nos documentos oriundos dos poderes públicos do Estado, e consagrado no seu emblema.

Fora do oficialismo, todavia, o das Alagoas ainda surge, numa ou noutra publicação. Assim, nos últimos escritos do professor Adriano Jorge, insertos na Revista do Instituto Arqueológico (1901), no Pernambuco, seu desenvolvimento histórico, de Oliveira Lima, na Chorographia do Brasil, de Moreira Pinto, no Curso de Geografia, de Joaquim Maria de Lacerda, no álbum Terra das Alagoas, de Adalberto Marroquim (somente no título, porém), no Álbum das Alagoas e nos demais escritos do sr. Craveiro Costa. Um dos jornais aparecidos em Maceió nestes últimos tempos teve mesmo o título de Estado das Alagoas, mas quase sempre no conteúdo de suas colunas se infringia o intuito da revivescência tradicional que evidentemente inculcava o nome da publicação.

Paraiba, 25-1-1929.

(*) Luis dos Santos Vilhena, reportando-se nas suas Noticias Soteropolitanas e Brasílicas, do começo do século XIX, a esta terra, não esteve longe da verdade ao escrever: “As duas lagoas de que a comarca adota o nome…”. Indiretamente assim foi, mas em rigor o nome foi tomado da sede da comarca. Em todo caso Vilhena não se aventurou a dizer que se originou a denominação das muitas lagoas

3 Comments on As locuções “Província das Alagoas” e “Estado de Alagoas”

  1. Claudio de Mendonça Ribeiro // 12 de dezembro de 2023 em 05:59 //

    Muito grato, prezado Ticianeli, pela publicação desta matéria. Parabéns.

  2. Lembro que Silvio Santos sempre se referia aos ganhadores da Telesena e participantes dos seus programas de auditório como oriundos “das Alagoas”, nunca entendi o motivo, hehehe.

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