Almirante Calheiros da Graça e a explosão do encouraçado Aquidabã
O português Francisco José da Graça, natural da Vila de Chaves, chegou a Maceió entre 1812 e 1814. Vinha de Goiana, Pernambuco, onde era comerciante e tinha casado com Maria da Assunção Ferreira da Graça.
Poucos anos depois (1819), foi escolhido em eleições municipais como Procurador da Vila de Maceió.
Tendo recursos, construiu um sobrado de três faces na esquina da Rua do Comércio com a Rua da Rosa (depois Rua do Livramento e Rua Senador Mendonça), o ponto mais central da vila.
Quando o primeiro governante da nova capitania das Alagoas, Sebastião Francisco de Mello e Povoas, desembarcou em Jaraguá no dia 27 de dezembro de 1818, não existia ainda em Maceió a estrutura necessária para a instalação do governo, considerando que a capital oficial era Alagoas (Marechal Deodoro).
Mesmo assim, Melo e Póvoas optou por se estabelecer em Maceió, por causa do porto de Jaraguá, e escolheu como palácio governamental o sobrado do “Velho Graça”.
Em 1839, quando houve a mudança definitiva da capital para Maceió, o sobrado recebeu a presidência, a secretaria de Governo e a Tesouraria Provincial.
As outras repartições se instalaram no Palacete do Camocho, que foi a residência do Barão de Atalaia e permanece funcionando até hoje, após ter sido utilizado por algum tempo como sede do Telégrafo Nacional.
O prédio da Rua do Comércio com a Rua do Livramento foi reformado em 1912, perdendo as biqueiras coloniais, mas permanecendo com as três faces e dois pavimentos.
O casal Calheiros da Graça, além de oferecer seu imóvel para o governo, colocou no mundo oito filhos, entre eles Guilherme José da Graça, que nasceu em Maceió no dia 6 de janeiro de 1816 e faleceu no Rio de janeiro em 12 de junho de 1893.
Guilherme José da Graça foi inspetor do Tesouro Provincial e deputado provincial por várias legislaturas. Como empresário, foi contratado para iluminar as noites de Maceió. Essa iluminação, em 1849, era realizada por meio de 18 lampiões de querosene, como registrou Craveiro Costa (Félix Lima Júnior, no Diário de Pernambuco de 13 de outubro de 1957, contesta essa afirmação argumentando que somente a partir de 1859 é que se começou a explorar o petróleo nos EUA. Indica que o combustível utilizado tinha outra origem).
Guilherme casou-se com Balbina Calheiros da Graça, com quem teve quatro filhos. O último deles, Francisco Calheiros da Graça, nasceu em 3 de junho de 1849.
Calheiros da Graça
Após concluir os primeiros estudos em Maceió, Francisco Calheiros da Graça, então com 15 anos, foi para o Rio de Janeiro, onde se inscreveu como praça aspirante a guarda-marinha. Sua matrícula na Escola da Marinha ocorreu no dia 29 de fevereiro de 1864.
Dois anos depois foi declarado guarda-marinha e embarcou no Vapor Princesa, de Joinvile, componente da esquadra que estava em operações militares contra o governo do Paraguai.
Em Montevidéu, foi transferido para o encouraçado Silvado e tomou parte do ataque às baterias de Curupaiti em 2 de fevereiro de 1867. Serviu ainda no encouraçado Barroso, nas canhoneiras Aragaguari e Ivaí, e no vapor Taquari.
Após ser elogiado por seu comandante na Ordem n° 125, de 4 de março de 1868, foi promovido a segundo tenente no dia seguinte. Poucos dias depois recebeu nova promoção. Chegou a primeiro tenente por um Decreto publicado em 12 de abril.
Em 1870, depois do fim dos combates no Paraguai, foi licenciado para tratamento de saúde. Como vários outros combatentes, recebeu o Voto de Louvor e Gratidão aprovado pela Câmara dos Deputados em 11 de maio de 1870.
Recebeu ainda os títulos de Cavalheiro Imperial Ordem da Rosa e Cavalheiro da Ordem de Cristo, além da Medalha Geral da Campanha do Paraguai.
Voltando à atividade em 9 de janeiro do ano seguinte, foi distribuído para a corveta Niterói e depois para o vapor Paraense. Retornou ao Rio de Janeiro para participar de concurso na Armada e em maio estava no encouraçado Brasil.
Estudos Hidrográficos
Mesmo tendo capacidades militares inquestionáveis, Calheiros da Graça se destacou em outra área da Marinha.
Após ser comandante interino do encouraçado Brasil, de 19 a 29 de dezembro de 1871, e auxiliar de uma comissão coordenada pelo Barão de Ivinheima, em 3 de dezembro de 1873, foi encarregado dos trabalhos de sondagem do leito submarino entre o Pará e São Tomás, nas Antilhas, e entre o Rio de Janeiro e Pernambuco.
A bordo da corveta Vital de Oliveira, onde chegou a imediato em 1874, elaborou as plantas hidrográficas que seriam utilizadas no projeto para a instalação de um cabo submarino.
Em paralelo a este trabalho, realizou um estudo intitulado “Memória sobre a origem e causa do aquecimento das águas do ‘Gulf-Stream’”.
O relatório do seu trabalho de mapeamento do solo submarino fez com que fosse nomeado, pelo Decreto nº 1.113 de 2 de fevereiro de 1876, segundo ajudante do diretor geral da Repartição Hidrográfica. Ainda em 1876, publicou o estudo “Descrição do transferidor de sondas e Teoria do Desviômetro de Henry Hughes”.
Sua primeira grande missão nesta área do conhecimento foi lhe dada pelo Aviso de 20 de junho de 1879, que o indicou como membro de uma comissão encarregada de verificar se o porto do Maranhão não permitia a entrada de vapores de grande tonelagem. Após apresentar o relatório, Calheiros da Graça foi promovido a capitão-tenente por merecimento, como determinou o Decreto de 9 de dezembro de 1879.
Em 1881, sofreu o primeiro naufrágio de uma série. Acompanhava o dr. Von Rykevorsel em uma comissão científica que buscava determinar as linhas magnéticas da costa brasileira, quando naufragou o navio que conduzia a equipe na exploração da foz do Rio Preguiças no litoral maranhense. Como resultado destas pesquisas, apresentou dois trabalhos: “Considerações sobre o magnetismo terrestre” e “Memória sobre a determinação das linhas magnéticas do Brasil”.
O seu trabalho no litoral de Santa Catarina rendeu duas publicações: “Estudos sobre a baía de Laguna e projeto para seu melhoramento”, de 1882; e “Preferência do porto da Laguna sobre a enseada de Imbitituba, em Santa Catarina”, de 1883. Também levantou a planta hidrográfica da baía da Laguna.
Por estes trabalhos, foi aceito no quadro social do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 29 de setembro de 1882.
Após participar de um grupo de estudos que observou a passagem do planeta Vênus pelo disco solar, apresentou à Marinha brasileira o estudo “Observações astronômicas e cálculos sobre a passagem de Vênus pelo disco solar a 6 de dezembro de 1882, observada pela comissão brasileira na ilha São Tomás, nas Antilhas”.
Esta comissão era composta por Antônio Luiz von Hoonholtz (Barão de Tefé), Calheiros da Graça e Arthur Índio, e as investigações foram realizadas no Observatório D. Pedro II, na Ilha de S. Thomaz. Era uma possessão dinamarquesa nas Antilhas.
Em abril de 1884 deu início aos trabalhos de determinação exata das posições geográficas dos principais pontos da costa brasileira. Parte desse levantamento foi publicado como “Primeiros trabalhos da comissão de longitudes, constatando as observações e cálculos das estações astronômicas de Cabo Frio e do Rio de Janeiro, para determinação das coordenadas de Cabo Frio e Santos”.
Casou-se com Maria Angélica de Castro em 2 de maio de 1885. Ela era filha do Conselheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro, que coincidentemente era o presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1906, quando Calheiros da Graça faleceu.
Em 1887, quando estava à trabalho da Repartição Hidrográfica em companhia do primeiro tenente Arthur Índio do Brasil, voltou a naufragar. Desta feita estava a bordo do Imperial Marinheiro, que navegava pela barra do Rio Doce na costa do Espírito Santo. A maioria da oficialidade e da tripulação foi salva graças ao “caboclo espírito-santense” Bernardo José dos Santos.
Foi nomeado Comendador da Ordem da Rosa por carta imperial de 5 de julho de 1888.
Sem se afastar das missões pela costa brasileira, assumiu interinamente, em 8 de julho de 1889, o cargo de diretor da Repartição Hidrográfica.
No ano seguinte, em 8 de janeiro, chegou a capitão de fragata, novamente por merecimento. Ainda em 1890, recebeu o título de Oficial da Ordem de Aviz por decreto de 30 de julho. No mesmo dia foi condecorado com a medalha argentina comemorativa da campanha do Paraguai.
Ainda em 1890, fez publicar o estudo intitulado “Instruções para os reconhecimentos hidrográficos feitos a sextante”.
Assumiu a Direção Geral da Repartição Hidrográfica por determinação do Decreto de 7 de fevereiro de 1890. Em 1992 foi designado representante em Paris do Governo do Brasil no 5º Congresso Internacional de Navegação Interior. Foi eleito como vice-presidente do evento.
Em 20 de abril de 1893 foi publicado decreto nomeando-o diretor de Hidrografia da Repartição da Carta Marítima do Brasil. Outro Decreto, esse de 9 de agosto de 1894, o promoveu ao posto de capitão de mar e guerra.
A partir de outubro de 1894, por incumbência do Ministério da Marinha, promoveu estudos em vários portos de Sergipe e em um de Pernambuco. O de Aracaju apresentava dificuldades à navegação pela mudança do regime das águas. O porto de Tamandaré foi analisado para se estabelecer o acesso a um lazareto próximo, que estava em construção.
O relatório desse trabalho em Pernambuco foi publicado como “Descrição do porto e ancoradouro de Tamandaré, em Pernambuco”.
De volta ao Rio de Janeiro, recebeu a tarefa de proceder estudos hidrográficos nas imediações da Ilha Grande. Escolhia-se um local para a construção de um novo Arsenal da Marinha e de um porto militar.
Inclinou-se a pesquisa pela baía de Jacuacanga, onde esteve em 9 de setembro de 1895 com o presidente da República e ministros de Estado.
Em 21 de janeiro de 1897 foi nomeado membro efetivo do Conselho Naval, de onde pediu exoneração em maio para assumir o comando do encouraçado Aquidabã, que promoveria uma viagem de instrução para novos guardas-marinha.
Afastou-se do Aquidabã em 29 de maio para assumir o comando da 2ª Divisão Naval. Em 23 de junho de 1900 assumiu interinamente o cargo de diretor da Escola Naval.
Depois voltou a comandar embarcações: o Aquidabã, o cruzador-escola Benjamin Constant e o República.
Em 22 de abril de 1902 foi promovido ao posto de contra-almirante. A seu pedido, foi exonerado do comando da 2ª Divisão Naval em 5 de maio do mesmo ano.
Por Decreto de 28 de novembro de 1902 foi indicado consultor efetivo do Conselho Naval, onde permaneceu até 19 de dezembro de 1905, assumindo nesta mesma data a chefia da Repartição da Carta Marítima.
Seus dois últimos trabalhos, publicados em 1905, são: “Descrição da baía de Jacuacanga e de suas condições para porto militar do Brasil”, e “Planta hidrográfica da baía de Jacuacanga, no Rio de Janeiro”.
A explosão do Aquidabã
O Aquidabã, que no dia anterior havia participado de exercícios de telegrafia sem fio na Ilha Grande, estava fundeado na baía de Jacuacanga, no Rio de Janeiro, na noite de 21 de janeiro de 1906.
Acompanhava o cruzador Almirante Barroso, que conduzia a comitiva responsável pela escolha do local para a construção do Arsenal de Marinha. O ministro da Marinha, almirante Júlio de Noronha, que estava a bordo do Barroso, daria a aprovação para o início das obras.
Próximo às 22h40 houve uma primeira explosão e teve início um incêndio no Aquidabã. Diegues Júnior assim relatou o episódio: “… Calheiros da Graça dá ordens, determina providências, promove o salvamento dos que estão a bordo. Muitos jogam-se nágua”.
E continuou: “Seu dispenseiro, a seu lado, de instante a instante aconselha ao almirante: jogue-se nágua, almirante, eu ajudo o senhor. E o almirante, calmo, no cumprimento de seu dever, promovia o salvamento de outros e apenas respondia: ainda é cedo. Temos muita gente a salvar. Apesar da insistência de Mané-mané, assim era apelidado seu dispenseiro, de modo nenhum afastou-se do local”.
“Em pouco, o próprio dispenseiro, vendo a explosão, jogou-se ao mar. Calheiros da Graça, sereno, na inteireza de sua dignidade de marinheiro, ali ficou para desaparecer para sempre, na imensidão das águas do mar, com seu navio, o navio que havia sido, várias vezes, testemunha de suas glórias, e agora lhe servia de túmulo”, concluiu o historiador alagoano.
O trágico acidente vitimou 112 pessoas e o afundamento do Aquidabã se deu cinco minutos após a primeira explosão, que gerou o incêndio. Entre os mortos, foram listados os seguintes oficiais superiores: contra-almirantes Rodrigues da Rocha, Cândido Brasil e Calheiros da Graça.
Em sua homenagem, no dia 2 de dezembro de 1932, o vapor Itajubá foi rebatizado como Calheiros da Graça. Havia sido incorporado à Armada brasileira no ano anterior. No ano seguinte, em 8 de abril de 1933, foi classificado como Navio Hidrográfico.
No Rio de Janeiro, uma rua do Méier é a Rua Almirante Calheiros da Graça. Em Duque de Caxias também tem rua com o seu nome.
Em Santa Catarina, a cidade de Laguna inaugurou, em 25 de abril de 1915, o Jardim Calheiros da Graça em homenagem ao marinheiro alagoano. Reconheciam nele o estudioso que valorizou a barra da Laguna, indicando detalhes da obra necessária para o melhor aproveitamento do porto. Neste mesmo município existe também a rua Calheiros da Graça.
Em Alagoas, na cidade do Pilar, o largo em frente à Igreja de N. S. do Rosário foi denominada Praça Calheiros da Graça. É a atual Praça Ana Genilda Costa Barros, onde se encontra a Escola Oliveira e Silva.
Na capital alagoana, a Lei nº 136, de 22 de janeiro de 1909, denominou de Rua Calheiros da Graça o trecho da Estrada de Bebedouro situada no Bom Parto. É a atual Rua General Hermes.
A área interna da Capitania dos Portos de Alagoas, em Jaraguá, Maceió, foi batizada como Pátio Almirante Calheiros Graça.
Meu amigo! Como sempre, artigo maravilhoso com um conteúdo muito rico e que nos faz conhecer um pouco mais da nossa história! Parabéns!!
Realmente uma maravilha ler toda essa história do passado que infelizmente boa parte dos alagoanos não conhece. Outra Maravilha é você ver arquitetura antiga europeia praticamente moderna que infelizmente foram destruídas
Prezado Ticianeli.
Muito bom o artigo porém encontrei um pequeno engano. Há um erro no nome do Barão de Tefé. Ele não é descendente dos Lins que fincaram suas raízes em Pernambuco e Alagoas aliás nem sangue brasileiro ele tinha apesar de ser fluminense -carioca é só quem nasce na cidade do Rio de Janeiro. O pai era um nobre prussiano e a mãe uma condessa provavelmente também de origem alemã.
História maravilhosa o artigo é mto rico em detalhes, quem já fez parte da Marinha como eu fui, fica a imaginar a brilhante carreira até o posto de Almirante. Um homem mto culto e coberto de glórias, mas ressaltou o lema de Marinha, q o comandante morre com seu barco…. E assim o foi! Digno de um grande filme épico. Ñ é à toa q a Marinha é chamada de Brilhosa. Parabéns Edberto Ticianelli. Sua página sempre trazendo informação importante para a sociedade alagoana e significando a nossa história.
Obrigado, Gilberto. Já corrigimos. Era Antônio Luiz e ficou Antônio Lins.
Foi por curiosidade, passando por uma rua com o nome do Almirante Calheiros, decidi pesquisar. Fui presenteado com um texto rico, e fico muito grato por isso. Uma pena que um nome tão honrado estava nos dias atuais tão desmoralizado pelos representantes da família Calheiros mais conhecidos.
Olá Ticianelli
(quase somos xarás!)
Pesquisando sobre Almirante Calheiros da Graça cheguei ao seu site, e achei de altíssima utilidade o texto “Almirante Calheiros da Graça e a explosão do encouraçado Aquidabã”. Parabéns!
Estou escrevendo um livro contando a história da família a pedido da bisneta do Almirante, Heloisa, e gostaria de saber se você poderia compartilhar comigo fotos dele para usarmos no livro (como as usadas para ilustrar esta materia, em melhor qualidade), e também se você teria algo mais sobre sua família, esposa.
Qualquer ajuda será muito bem-vinda
Um grande abraço e obrigada
Ticiana Werneck
Ôi, Ticiana. A maioria das fotos que consegui para esta postagem sumiu junto com centenas de outras em HD danificado. Não lembro sequer a origem dessas fotos. Mas não são minhas e nem do meu acervo, portanto não posso autorizar o seu uso. Aliás, trabalho sempre na zona de risco com os direitos autorais. Não tenho como conseguir autorizações para a quantidade de fotos que uso. As fotos podem ser baixadas facilmente, se você resolver utilizá-las com os riscos desse tipo de uso. Liberei na postagem as imagens nos tamanhos originais. Isso pode ajudar na qualidade.
Peço q seja incorporado a esse material tao rico informações de pais, avós, filhos e netos do Almirante Calheiros da Graça, Enriqueceria sobremaneira o conteúdo desse material. Minha avó Ana tinha sobrenome Calheiros sendo originária de Alagoas. Faleceu em Niterói/RJ em 1958.
Caro Mário Pinto, acrescentaremos com o maior prazer essas informações. Pode enviar para o email eticianeli@gmail.com.
Viva Ticianeli
Que surpresa encontrar o seu artigo sobre o Almirante Calheiros da Graça ,fico muito grato ,estava a pesquisar sobre o Almirante ,porque a minha nora também é Calheiros da Graça e como me interesso por Genealogia ,foi muito simpático ter encontrado o seu artigo .Bem haja