Alagoas perde Josué Correia

Nascido em Pariconha, participou das lutas políticas contra a Ditadura Civil-Militar como militante da Ação Popular e do PCdoB

Josué Correia revelou para a Comissão da Verdade as torturas sofridas por ele e por seus companheiros. Na foto de Edberto Ticianeli, depõe para Delson Lira

Faleceu na madrugada desta sexta-feira (3 de abril de 2020), no município sertanejo de Pariconha, Josué Correia de Souza, um dos históricos militantes da resistência política contra a Ditadura Civil-Militar em Alagoas.

Filho de João Correia Sobrinho e Maria São Pedro Correia, nasceu no dia 28 de dezembro de 1942. Teve sete irmãos: José, Jaime, Geraldo, Geusa, Judite, João e Gilberto Correia.

Josué Correia nasceu em Pariconha e foi um dos mais destacados líderes dos trabalhadores da região. Foto de Edberto Ticianeli

Iniciou sua participação política na luta sindical, quando ele e seus irmãos tiveram contato com os militantes da Ação Popular, uma organização política oriunda da Ação Católica, braço de atuação social e política da igreja católica.

Antes de se vincular à AP, Josué foi coroinha e “rezava a missa em latim”, como lembrou mais tarde. Participou ainda da Congregação Mariana.

Presidiu, a partir de 1967, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Água Branca, criado por iniciativa de Ação Católica.

Nesta época, Pariconha ainda era um distrito de Água Branca e a principal liderança política da Ação Católica na região era José Novaes, que depois se vinculou ao Partido Comunista do Brasil.

O episódio que colocou Água Branca no mapa da repressão política ocorreu durante a campanha eleitoral para eleições municipais de 15 de novembro de 1968.

O governador Lamenha Filho discursava em Pariconha, quando foi interrompido por um camponês da plateia que o chamou de mentiroso. Lamenha tentou responder mais foi vaiado.

Outra pessoa passou então a denunciar a situação de miséria em que viviam os moradores daquela região. Tentaram prendê-lo. Era Juarez Johandues Etcheverria, contador do sindicato (na verdade era Gilberto Franco Teixeira, dirigente de AP).

Os camponeses impediram a ação da polícia, que a partir desse dia passou a vigiar os movimentos do grupo.

Josué Correia depôs para a Comissão da Verdade em 2 de setembro de 2014. Foto de Edberto Ticianeli

Com a adoção do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, a polícia passou a ter poderes ilimitados e como o episódio de Pariconha ainda estava sob investigação, o delegado mandou prender todos os envolvidos na manifestação contra o governador.

Entre os vários detidos, José Novaes, José Correia e Josué Correia foram transferidos para a DOPSE em Maceió. Depois também chegaram Aldo Arantes, Gilberto Franco, mas sem serem identificados por estes nomes. Aldo utilizava o falso nome de Roberto Ferreira.

Foram barbaramente torturados e ficaram detidos por meses sob a acusação de promoverem atos subversivos em Pariconha.

Aldo Arantes e Gilberto Franco fugiram da Delegacia de Ordem Política, Social e Econômica (DOPSE), na Rua Cincinato Pinto, uma noite de domingo, após um jogo de futebol entre CSA e CRB.

Histórico de luta

Josué Correia, após a sua prisão, se afastou de Água Branca. Meses depois retornou, mas foi novamente preso. O mesmo aconteceu quando tentou trabalhar na CHESF em Paulo Afonso. Detido em junho de 1970, ficou por 70 dias no Quartel do Exército daquele município.

Mudou-se para Petrolina, em Pernambuco, e clandestinamente foi trabalhar na Agro. Lá soube da prisão dos seus companheiros e fugiu para São Paulo.

Passou a trabalhar em São Roque, onde, em 1972, voltou a ser detido para interrogatório por cinco horas no Quartel do Exército, na Av. do Estado, no Cambuci. Neste período, não se integrou à organização por saber que estava sendo vigiado.

Josué Correia faleceu na madrugada de 3 de abril de 2020. Foto de Edberto Ticianeli

Resolveu então sair do país e com documentos falsos, chegou ao Paraguai, passando pelo Paraná e Mato Grosso, e por lá permaneceu por sete anos.

Somente voltou ao Brasil após a Anistia, em 1979. Foi trabalhar na Light em São Paulo. Chegou ser o secretário da Associação dos Nordestinos naquela capital.

Sua liderança junto aos trabalhadores da Light era tão expressiva que encabeçou uma chapa para disputar o poderoso Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, dirigido então por Rogério Magri, que foi ministro de Collor. Perdeu, mas conseguiu expressivos 4.228 votos.

Anos depois, retornou a Pariconha onde abriu um pequeno negócio.

Sobre o as torturas sofridas em dezembro de 1968, Josué dizia que aquilo marcou muito a sua vida.

Em depoimento à Comissão da Verdade, revelou que o momento mais difícil foi quando levaram ele e o Zé Novaes para dentro de um canavial. Avaliou que seria morto e jogado em algum rio.

“Quando nós estávamos sendo torturados dentro do canavial, ouvimos um carro que saiu fritando pneu, e eles ficaram com receio e nos devolveram imediatamente para a cadeia”, lembrou.

Testemunhou ainda que Gilberto Teixeira foi até queimado: “a tortura era de faca, furando a gente, queimando, furando unha, essas coisas assim”.

Em 1970, casou-se “clandestinamente” com Madalena Vieira, irmã de Moacir Vieira, que foi prefeito do Pariconha. A família dela não via com bons olhos a sua relação com um revolucionário. Tiveram dois filhos: Márcia, que é enfermeira, e Diogo, engenheiro.

Divorciado de Madalena, Josué voltou a casar, já em São Paulo, com uma companheira de militância política, Neide Garcia. Tiveram um único filho, João Francisco.

Sua última companheira foi Ana Lúcia dos Santos, a Aninha para os mais próximos. Com ela teve Joana e Pedro Vitor.

Josué Correia, quando faleceu, era o presidente do diretório municipal do Partido Comunista do Brasil em Pariconha.

10 Comments on Alagoas perde Josué Correia

  1. Tio Josué sempre foi um idealista. Meu comunista preferido! Sempre destemido, lutava pelo que acreditava e nos deu exemplos de força e superação. Ele e tio Ze Correia são orgulho para nossa família.

  2. *😔😔* // 3 de abril de 2020 em 17:27 //

    Josué foi um grande guerreiro, sofreu, lutou e venceu. Como todos guerreiros um dia tudo passa e hoje ele parte deixando seu legado. Descanse em paz Josué, que o Senhor o receba de braços abertos. 😔😔😔

  3. Rose de Souza // 3 de abril de 2020 em 18:13 //

    Descanse em paz, sogro querido. Vá sabendo que deixou um legado de pessoas que seguirão seus passos lutando pelo que acreditam.

  4. Que bela história! Deus o tenha na sua glória. Descanse em paz.

  5. Angela Correia Cirqueira // 3 de abril de 2020 em 19:37 //

    Como o irmão dele disse hoje: “Um homem como Josué não morre…”

    Obrigada, meu tio amado, pelo seu legado. Como temos orgulho da sua força e liberdade.

    Gratidão a equipe pela homenagem.

  6. joão gomes de sá // 4 de abril de 2020 em 00:09 //

    Lamentamos, lamentamos. Tive a oportunidade de conhecer o camarada Josué e Zé Correia. Meu caro Josué, boa viagem.
    Sempre presente! Presente!

  7. Nossa gente que lutou contra ditadura. Ótimo registro Edberto

  8. Deus conforte a sua família e filhos.

  9. Judite Correia de Souza // 10 de abril de 2020 em 21:05 //

    Foi um grande exemplo para muitos. Incluindo a mim, sua irmã caçula. Ele não morre, suas ideias, sua generosidade, ficam em todo nós.

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