Alagoas 1817, o território das capitanias coloniais: Rio de São Francisco (Penedo), Porto Calvo e das Alagoas
Doutor Nireu Oliveira Cavalcanti (Rio, 21/06/2017)*
DECRETO ─ de 16 de setembro de 1817
Cria a Capitania das Alagoas, desmembrando-a de Pernambuco
Convindo muito ao bom regime deste Reino do Brasil, e à prosperidade a que me proponho elevá-lo, que a Província das Alagoas seja desmembrada da Capitania de Pernambuco, e tenha um Governo próprio que desveladamente se empregue na aplicação dos meios mais convenientes para dela se conseguirem as vantagens que o seu terreno e situação podem oferecer em benefício geral do Estado e particular dos seus habitantes e da minha Real Fazenda: sou servido isentá-la absolutamente da sujeição, em que até agora esteve do Governo da Capitania de Pernambuco, erigindo-se em Capitania com um Governo independente que a reja na forma praticada nas mais Capitanias independentes, com faculdade de conceder sesmarias, segundo as minhas reais ordens, dando conta de tudo diretamente pelas Secretarias de Estado competentes. E atendendo às boas qualidades e mais partes que concorrem na pessoa de Sebastião Francisco de Mello e Povoas: Hei por bem nomeá-lo Governador dela para servir por tempo de três anos e o mais que decorrer enquanto lhe não der sucessor.
Palácio do Rio de Janeiro em 16 de setembro de 1817.
Com a rubrica de Sua Majestade.
Iniciarei este trabalho com a leitura crítica do Decreto (16/09/1817) de dom João VI, rei de Portugal e do Brasil.
À primeira vista, o Decreto possui inusitada lacuna: a não definição do território da capitania das Alagoas e, sem nem mesmo fazer, referência à futura demarcação.
A dúvida é esclarecida pelo termo usado no texto: Província das Alagoas. Província, na época, tinha o sentido de território, como explicita o dicionário de Antonio de Moraes Silva: “Parte de um Reino, ou Estado. Província, antig. O distrito de uma cidade, Província de Lamego, do Porto, etc”. A referência era ao território consagrado pela Comarca ─ mais de cem anos de sua criação ─, abrangendo as três capitanias anexas à de Pernambuco.
Talvez a confusão sobre o sentido de Província como território advenha do fato de a Constituição Imperial de 1824, em seu Título 1º, DO IMPÉRIO DO BRASIL, SEU TERRITÓRIO, GOVERNO, DINASTIA, E RELIGIÃO, no Art. 2º estabelecer: O seu território é dividido em Províncias na forma em que atualmente se acha, [a divisão existente em capitanias] as quais poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.
Isto é, a Capitania virou Província, como se o legislador constituinte pretendesse encerrar o período colonial e de Reino Unido ao de Portugal, com essa mudança de palavras.
A partir de 1824 o sentido de territorialidade do termo Província encerra-se constitucionalmente.
Os territórios independentes das três capitanias: do Rio de São Francisco (Penedo), de Porto Calvo e a das Alagoas, com a criação da ouvidoria-mor virou o território uno da Comarca. Como a sede da Comarca foi estabelecida na vila sede da capitania das Alagoas ─ instituída a ouvidoria em 6 de fevereiro de 1711 e posse do primeiro ouvidor José da Cunha Soares, no ano seguinte ─, o Decreto ao referir-se à “Província das Alagoas” consagrava o território da Comarca, dispensando citar os três territórios das capitanias existentes.
A criação da ouvidoria geral
Uma capitania para ser autônoma devia apresentar à monarquia portuguesa condições econômica, populacional e estratégico-militar para que ela funcionasse na colônia brasileira. No início do século XVIII eram autônomas as capitanias de Pernambuco, Bahia, Paraíba do Norte, Maranhão, São Vicente, Rio de Janeiro e Espírito Santos. Todas eram dotadas da autoridade de um governador, tendo o governo geral (depois vice-rei), com sede em Salvador, como autoridade maior, a que os demais deveriam se submeter.
A capitania autônoma tinha uma organização complexa de governo político-administrativo, militar, fazendário, de justiça e eclesiástica. Esta última, definida pela Igreja católica apostólica romana portuguesa representante da Santa Sé e guardiã dos interesses da Ordem de Cristo, senhora das terras do Brasil.
No caso de a capitania não ter condições de manter qualquer um desses setores da estrutura colonial, ela seria anexada a uma outra principal e autônoma. Com a anexação, reduziam-se em muito suas despesas, principalmente, ao substituir a estrutura de um governador por um simples capitão-mor, com proventos inferiores e atendido por estrutura administrativa mínima.
O grau de dependência poderia ser total, ou mesmo dividido entre mais de uma capitania superior. Caso da capitania de Itamaracá, onde o governo político vinculava-se ao da Bahia; os da fazenda e o militar ao governo de Pernambuco; o de justiça à ouvidoria geral da capitania da Paraíba e o religioso ao bispado de Pernambuco.
O governador Felix José Machado de Mendonça Eça Castro Vasconcellos (1711-1715), em 1712, solicitou ao rei que a capitania de Itamaracá fosse totalmente anexada ao governo de Pernambuco. Apresentou todos os inconvenientes que o fatiamento de poderes daquela capitania causaria à boa administração e interesse público, à felicidade do povo, e ao aumento da renda real. Anos depois, sob o argumento de que a capitania da Paraíba não gerava recursos para pagar a sua tropa, foi ela anexada à de Pernambuco em 1753, só recuperando sua autonomia em 1799.
As três capitanias do Rio de São Francisco (Penedo), de Porto Calvo e das Alagoas foram anexadas, em todos os níveis de poder, ao governo de Pernambuco. Eram capitanias pobres, mas, em 12 de abril de 1636 ─ todos os historiadores ao abordarem Alagoas citam a data, mas não transcrevem o documento ─, passaram a se chamar: vila de Bom Sucesso de Porto Calvo, vila de Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul e vila de Penedo do Rio São Francisco. A elevação desses povoados à categoria de vila fez com que passassem a ter o poder local mais importante da colônia: a Câmara de Vereadores. Para o exercício da vereança foi definido o rol de homens bons, isto é, aqueles que tinham condições econômicas, titularidade, histórico familiar, vida ilibada e que fossem cristãos velhos. Assim formou-se, oficialmente, a elite local das três capitanias.
A questão do território do Termo da vila de Penedo aparece em documento de 2 de outubro de 1749 (AHU ─ Alagoas, Cx. 2, doc. 25) referente ao protesto dos vereadores penedenses sobre a invasão do seu Termo de parte do ouvidor-geral de Pernambuco e de seu governador. Os vereadores afirmaram que desde o início da vila e dos seus moradores todas as questões referentes à sua jurisdição compreendiam os extremos dos “Campos dos Garanhuns e de Buíque”, próximos ao rio Moxotó, hoje, compreendidos no Estado de Pernambuco. Para confirmar a extensão do Termo da vila de Penedo foi anexado ao processo o documento de posse datado de 15 de dezembro de 1730.
A câmara de vereadores tinha definido nas Ordenações do Reino, leis, cartas e decretos, suas atribuições políticas, administrativas e de poder judicial, como o cargo de juiz ordinário. Cada vila instituiu o seu Termo, isto é o território sobre o qual ficava sob a jurisdição da Câmara de Vereadores. Como cada capitania só tinha uma vila, o Termo da mesma confundia-se com o território da capitania. Infelizmente, os historiadores não divulgaram essa demarcação.
A vila passava a ser a sede residencial do capitão-mor, das autoridades eclesiásticas da casa de câmara e da cadeia ─ geralmente ocupando um mesmo prédio ─, da igreja matriz destacada das demais, por seu porte, ornamentação e funcionamento compatível com a vila. Cabia aos vereadores estabelecer as regras ordenadoras do viver dos moradores e a relação institucional estabelecendo direitos e deveres entre todos. Também fazer as posturas para boa ordem e beleza das construções seguindo as normas urbanísticas vigentes. Os vereadores passam a ser interlocutores perante as autoridades da colônia e do reino.
Pelas normas vigentes, o ouvidor-geral deveria, anualmente, fazer a correição na câmara de vereadores, para verificar como eles agiram, dentro da lei, em seu exercício, analisar as contas municipais, como teriam sido executadas as ordens vindas das autoridades superiores, fazer as recomendações para corrigir as falhas, solucionar os casos jurídicos que extrapolavam as competências da câmara etc. Todas as despesas com a estadia e deslocamento do ouvidor e sua equipe corriam por conta da municipalidade. Eram valores pesados para vilas pobres como Penedo, Porto Calvo e Alagoas.
Como o ouvidor-geral residia em Olinda, distante dessas vilas, a sua presença nelas tornava-se espaçada, prejudicando a solução dos problemas locais, carente de seu apoio para obtenção de verbas destinadas à construção da casa de câmara e cadeia, de obras de estradas, pontes, da igreja matriz e outras cujos valores ultrapassavam os recursos municipais. Resolver as questões jurídicas de sua alçada, principalmente os graves processos de crimes ocorridos nas capitanias.
Ter um ouvidor-geral independente do de Pernambuco e sediado em uma das capitanias passa a ser a principal reivindicação dos vereadores e dos moradores das três capitanias.
Iniciou-se o processo de criação da ouvidoria para as três capitanias anexas com o parecer do Conselho Ultramarino de 13 de setembro de 1699 (AHU_ACL_CU_015, Cx. 18, D. 1792 – Capitania de Pernambuco), a pedido do rei, recomendando a criação do cargo de juiz de fora para as sedes das capitanias de Pernambuco e do Rio de Janeiro, além de um novo ouvidor para a vila das Alagoas e Rio de São Francisco. Justifica o conselheiro que a diminuição do território da ouvidoria geral de Pernambuco mantinha amplitude mais adequada para ação do ouvidor. Pelo texto pode-se supor que a capitania de Porto Calvo continuaria vinculada ao ouvidor-geral de Pernambuco. Era esta vila a mais próxima de Olinda.
Em sequência a esse processo, o rei dom Pedro II (1683-1706), em resposta à carta (29/01/1706) do governador de Pernambuco Francisco de Castro Moraes (1703-1707) aprovou a criação:
de um ouvidor geral que assista na Capitania das Alagoas com jurisdição nela e nas do Porto Calvo e Rio de São Francisco para administrar justiça a meus vassalos e se evitarem as mortes e mais delitos que nelas se cometem, e ter melhor arrecadação o tabaco que se cultiva naquelas capitanias, podendo também ser de conveniência as minas de salitre. (…) (grifo pessoal)
Destaquei em negrito a citação real à existência das três capitanias anexas.
O rei dom João V (1707-1750) consolidou o processo nomeando o bacharel José da Cunha Soares, em 1710, para o cargo de Ouvidor Geral para essas capitanias. Em 30 de maio daquele ano o bacharel Soares agradece a mercê real e especifica o conteúdo dessa nomeação: “cargo de Ouvidor Geral da Capitania das Alagoas com jurisdição nas vilas de Porto Calvo e Rio de São Francisco, sertão de Pernambuco (…) com a mercê de que findos os três anos, dando o suplicante boa residência” (…) seria nomeado, sem concurso no lugar de “Desembargador da Bahia”. Para cobrir as despesas da sua locomoção com a família, pediu “ajuda de custo”, da mesma forma que o rei concedeu aos ouvidores nomeados para as Minas. (AHU_ACL_CU_015, Cx. 23, D. 2132 – Capitania de Pernambuco).
Acertada a partida do novo ouvidor-geral das Alagoas, com a devida provisão (06/02/1711), viajou ele para a vila das Alagoas e tomou posse em 9 de maio de 1712. A partir daí o processo sucessório ocorreu dentro da normalidade e exerceram a função 18 ouvidores geral, até 1817. Naquele ano exercia o cargo Antônio José Ferreira Batalha (1809-1818).
A criação das três capitanias
A historiografia alagoana não registra a existência das capitanias do Rio de São Francisco, de Porto Calvo e das Alagoas. Limita-se a discutir a criação das vilas e de seus prováveis fundadores. Todos os historiadores repetem a citação da existência de 12 sesmarias doadas nos séculos XVI e XVII, aos fundadores dos povoados originais das três atuais cidades de Penedo, Marechal Deodoro e Porto Calvo. Infelizmente não dizem a fonte dos documentos e nem os transcrevem, o que torna tarefa complexa demarcar as sesmarias com precisão.
Não perceberam os autores que os documentos passados pelo rei dom João III (1521-1557) para o início da colonização do Brasil referiam-se ao regime das Capitanias hereditárias, razão por que continha o termo Capitania na carta de doação. Porém, os mesmos documentos continham o estatuto jurídico da sesmaria.
A partir da criação do governo geral no Brasil, cujo primeiro governador foi Tomé de Souza (regimento de 17/12/1548) e que governou de 29 de março de 1549 até 13 de julho de 1553, foram instituídos em cada capitania os escrivães de sesmarias, responsáveis pelos registros de todas as cartas tocantes a esse instituto.
A maioria das Cartas de Sesmarias registradas nas diversas capitanias foi dada pela autoridade local: governador, capitão-mor, câmara de vereadores e, posteriormente, reconhecidas pelo rei, ou rainha. Essas Cartas referiam-se ao conteúdo comercial pretendido pelo requerente: implantar engenho de açúcar, de farinha, de arroz, ao criatório animal, a mineração, ou as pequenas sesmarias para casa de campo, pequenos sítios etc. O sesmeiro deveria realizar as obras para sua exploração dentro do prazo estabelecido na carta, caso contrário, perdia a concessão e as terras eram consideradas devolutas e doadas a outros requerentes.
No caso da sesmaria doada estabelecer o poder do sesmeiro ─ criar vilas, nomear funcionários e receber o título de capitão-mor ou governador ─, tratava-se de uma capitania. Foi o caso da sesmaria doada pelo governador geral do Brasil dom Duarte da Costa, em 16 de janeiro de 1557, ao filho dom Álvaro da Costa, de quatro léguas de costa por dez de sertão entre os rios Peroassú e o Jaguaribe e para o sertão o que coubesse, assim como todas as ilhas fronteiras a testada da sesmaria.
O sesmeiro dom Álvaro não atendeu aos requisitos da carta de doação de morar três anos na propriedade e realizar as benfeitorias no prazo de cinco anos, justificando a infração por “a terra estar em guerra”. Pediu ao rei a confirmação da sua sesmaria e capitania de Peroassú. Em resposta, disse o monarca que pedindo-lhe o dito “Dom Álvaro por mercê, porquanto ele queria povoar e aproveitar as ditas terras, e fazer nelas vilas, e outras povoações houvesse por bem de lhe fazer delas em Capitania, como o era os outros Capitães das terras da dita costa do Brasil (…)”. Por fim foi à doação aprovada e registrada em Lisboa a 23 de agosto de 1570. (DOCUMENTOS HISTÓRICOS (1559-1577). Provimentos seculares e Ecclesiasticos. Vol. XXXVI, pp. 390-429. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde/Bibliotheca Nacional, 1937)
Analisando as 12 sesmarias citadas pelos historiadores de Alagoas e demarcando-as sobre o mapa da Província de Alagoas do “Atlas do Império do Brasil”, feito pelo professor do Colégio Pedro II, Candido Mendes de Almeida e publicado em 1868, classifiquei como pertencentes a cada capitania e fiz a marcação do território, provável, de cada uma delas.
É importante registrar que o mapa de Candido Mendes não tem a precisão dos mapas atuais.
Portanto, a capitania de Alagoas e seu território ─ a soma dos territórios das três antigas capitanias: Penedo, Porto Calvo e Alagoas, unidos pela Comarca ─ não foi retirado do território de Pernambuco, como é divulgado pela historiografia, mas o reconhecimento de D. João VI de que Alagoas, já tinha condições econômicas, administrativas, jurídicas e política para ser independente da capitania de Pernambuco.
*Nireu Oliveira Cavalcanti, arquiteto e historiador. Professor da Pós-Graduação da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (aposentado).
Atlas de Cândido Mende de Almeida.
XI – Alagoas
PROVÍNCIA DAS ALAGÔAS
O material a que nos socorremos para a carta desta Província foi a seguinte:
1.º – As cartas ns. 1 e 2 do artigo precedente:
2.º – O Atlas concernente á exploração do rio de S. Francisco, etc. por H. G. Fernando Halfeld. Rio de Janeiro, 1860.
3.º Mappa de Jacuipe e Agua Preta organisado conforme as observações dadas, e informações colhidas durante a exploração e reconhecimento que sobre ellas fez, por ordem do Ministerio da Guerra, o Capitão Engenheiros Christiano Pereira de Azevedo Coutinho, e 1.º Tenente de Artilharia José da Gama Lobo Bentes (copia do Archivo Militar).
4.º – Planta e nivelamento para o encanamento do riacho Bebedouro á cidade Maceió. Rio de Janeiro.1859.
Comprehende a planta da mesma cidade.
5.º – Planta da cidade de Maceió copiada pelo Tenente J. M. da Cunha (manuscripta).
6.º – Planta do ancoradouro de Maceió, sendo os mais recentes documentos, por Mr. Fr. Mouchez. Paris. 1814.
Alem do material supra notado, e dos Relatórios da Presidencia da Província, cumpre additar:
1.º – Novo Orbe Seraphico Brazileiro, ou Chronica dos Frades Menores da Província do Brazil, por Fr. Antonio de S. Maria Jaboatam, to 1 Estancia 9.
2.º – Memorias históricas, etc., por Monsenhor Pizarr, to 8 cap. 2 artigo 2
3.º – As mattas das Alagôas. Providencias acerca delas e sua descripção, em 1797, por José de Mendonça Mattos Moreira.
4.º Relação das Mattas das Alagôas, que tem princípio no lago do Pescoço, e de todas as que ficão ao Norte destas até o ri da Ipojuca, dista de 10 leguas de Pernambuco, no anno de 1809; por José de Mendonça Mattos Moreira.
5.º Opusculo da descripção geographica e topográfica, física, política, e histórica do que unicamente respeita a Provincia das Alagôas; anônymo. Rio de Janeiro, 1844.
6.º – Viagem á Cachoeira de Paulo Affonso, pelo Dr. José Vieira Rodrigues de Carvalho e Silva.
7.º – Historia do Brazil, por Francisco Solano Constancio.
8.º – Esboço geográfico da Província das Alagôas, pelo Dr. José Alexandrino Dias de Moura (anexo ao Relatorio da Presidencia de 1860).
9.º – Geographia physica, política, histórica e administrativa da Província das Alagôas, pelo Dr. Thomaz do Bomfim Espindola.
Limites. – Esta província confina ao Norte e Oeste com a de Pernambuco, ao Sul com as de Sergipe e Bahia, e a Leste como Oceano Atlantico.
Sua fronteira septentrional e occidental já se acha assignalada no artigo da precedente Província; a meridional teria divia mui clara no talweg do rio de S. Francisco se estivesse demarcada, descriminando-se as ilhas que lhe devião pertencer, assim como as de Sergipe e da Bahia; origem de conflitos, como o que se dá com a ilha Paraúna ou do Brejo Grande, de que Sergipe desfructa o uti possidentis, com mais adiante veremos.
A posição astronômica desta Província he a seguinte:
A latitude toda astra encerra o território alagoano entre 8º4’ e 10º32’.
A longitude, conforme o meridiano que adoptamos, eh oriental, dentro de 5º7’ e 7º58’.
A maior extensão de Norte a Sul he de 40 leguas escassas da margem direita do riacho Persinunga ao Pontal do rio de S. Francisco, e 58 leguas de Leste a Oeste desde a Ponta Verde á margem esquerda do rio Moxotó. O seu litoral no Oceano contém 58 leguas, compreendidas toda as curvas e do rio de S. Francisco até a foz do rio Moxotó 62/ sendo 56 á Cachoeira de Paulo Affonso, e 6 á barra do Moxotó.
O Dr. Thomaz do Bomfim Espinola na sua Geographia desta Província, diz o seguinte sobre a respectiva situação astronômica:
“A Província das Alagôas acha-se situada entre 8º55’30” e 10º31 de latitude astral, e 27º27’ e 28º85258’ de longitude Oeste de Lisboa, segundo a Carta topográfica de Carlos Mornay, levantada em Maceió aos 9 de Junho de 1812, por ordem do Exm. Sr. Conselheiro Manoel Felizardo de Souza e Mello, etc.”
E mais adiante:
“A opinião do Engenheirho Carlos Mornay he por sem dúvida a que deve ser admitida; ela se coaduna com as observações do Sr. Capitão de Fragata Felippe José Ferreira, Comandante da Carioca.”
Não Conhecemos essa Carta topográfica, e tão pouco as observações do Capitão de Fragata Ferreira, e por isso sem exame não podemos admitir os cálculos apontados contra os nossos, que em seu favor tem os trabalhos de Vital de Oliveira, e de outros hydrographos e geógraphos.
O território desta Província constituía antigamente uma Comarca da Capitania de Pernambuco, cujos limites não constão de acto algum legislativo.
Neste estado com limites vagos e incorrectos, quando se lhe poderia ter dado por divisa o talweg do rio Uma, partindo de suas cabeceiras uma recta até o Moxotó, foi elevada á categoria de Capitania por Alvará de 16 de Setembro de 1817, como galardião da lealdade com que se houverão os Alagoanos na Revolução desse anno em Pernambuco.
Eis a integra desse Alvará que sobre os limites nenhuma luz emite, refere-se aos da antiga Comarca, cujas divisas também são desconhecidas:
“Convindo muito ao bom regimen deste Reino do Brail, e á prosperidade a que me proponho eleval-o, que a Província das Alagôas seja desmembrada da Capitania de Pernambuco, e tenha um governo próprio que desveladamente se empregue na aplicação dos mais convenientes para della se conseguirem as vantagens que o seu terreno e situação podem oferecer em benefício geral do Estado e particular dos seus habitantes e da minha Real Fazenda; sou servido isenta-la absolutamente da sujeição em que até agora esteve do Governo da Capitania de Pernambuco, erigindo-a em Capitania com hum Governo independente que a reja na forma praticada nas mais Capitanias independentes, com faculdade de conceder sesmarias, segundo as minhas Reaes ordens, dando conta de tudo direitamente pelas Secretarias de Estado competentes; e atendendo ás boas qualidades e mais partes que concorrem na pessoa de Sebastião Francisco de Mello: hei por bem nomea-lo Governador della, para servir por tempo de trez anonos, e o mais que decorrer emquanto lhe não der succesor. Palacio do Rio de Janeiro, em 16 de setembro de 1817.”
Posteriormente esses limites não forão demarcados; e vagos e incertos em toda a fronteira de Pernambuco, como no artigo dessa Província fizemos ver, serão fonte de deagradaveis conflictos.
Se a linha divisória assignalada pelo ribeirão Persinunga carece de demarcação, a do rio de S. Francisco também reclama.
Esta Província exige da de Sergipe a posse da ilha Paraúna ou do Brejo Grande, que no Ecclesiástico depende ainda hoje da parochia do Penedo.
Eis como a respeito de semelhante questão se exprime o Dr. Vieira de Carvalho na sua viagem ás cachoeiras de Paulo Affonso:
“O ancoradouro do Dendê que fica defronte do Piassabussú tem proporções para o fácil embarque dos assucares de Cotinguiba, para ali; vão alguns barcos á carga, etc. Corre desse lado o riacho Capoeira, que baptiza a povoação desse nome, a qual se liga com a do Brejo Grande.
• Estas duas povoações formão uma península, quando o rio grande do S. Francisco recolhe-se ao álveo natural; passa a ser ilha nas enchentes; he a reunião dos melhores Engenhos desses lugares com fertilidade nas terras para tudo quanto vegeta.”
E mais adiante:
“Alem da fertilidade da intitulada lha do Brejo Grande, he notável esta porção de terra, por apresentar-se pertencente á duas Províncias ao mesmo tempo!
• He quanto ao Ecclesiastico, da freguesia desta cidade do Penêdo, e quanto ás Justiças, da villa e termo da Comarca de Villa-Nova; contudo sendo os eleitores por parochias votão os habitantes em a Freguezia de Villa-Nova, e para eleições de que não fregueses, isto he de Sergipe!
• He um desses contrassensos que se depara a cada passo entre a nossa defeituosíssima organização civil e ecclesiastica; á estes se póde bem applicar o ansxim – não sabem de que Freguezia são.”
Não obstante essa dependência fácil de liquidar com a Santa Sé, o que he indubitável he que em favor de Sergipe existe o Decreto de 9 de Junho de 1812, e o Aviso de 30 de Abril de 1832. O primeiro documento que he o mais importante, aqui registramos:
“Havendo me representado a Camara da Villa Nova de Santo Antonio Real de El-Rey do rio de S. Francisco, o quanto seria conveniente á Administração da Justiça, e ao bem comum dos moradores da ilha de Paraúna do Brejo Grande, incorpora-la no termo desta villa, qual é mais vizinha, e para aonde oferece aos seus moradores mais fácil passagem, do que para a Villa do Penêdo, a cujo districto actualmente pertence; conformando-me com o parecer do Conde dos Arcos, Governador e Capitão da Bahia, a quem mandei ouvir a este respeito; hei por bem desannexar do districto da Villa do Penêdo, a ilha da Paraúna do Brejo Grande, e incorporal-a no termo da Villa Nova de Santo Antonio Real de El-Rey do rio de S. Francisco. A mesa do desembargo do Paço assim o tenha entendido e faça executar com os despachos necessários. Palacio do Rio de Janeiro, em 9 de junho de 1812.
Mas esta Província não se tem julgado vencida, e nem convencida com taes provas. Ella também tem as suas que mais adiante consignamos.
Os conflitos, que aliás são de data mui remota, hão continuado, e por ora ainda não tem apparecido solução.
Eis o que diz o Relatório da Presidencia de Sergipe de 1860:
“Com a Província de Alagoas, com quem confina pelo lado do Norte e da qual he separada pelas respectivas autoridades, que pretendem ter jurisdicção e exercer actos de ofício na ilha do Brejo Grande de Paraúna, apesar de incontestável direito e posse que assisto à Província de Sergipe sobre a referida ilha, em vista do Decreto de 9 de junho de 1812, e Aviso de 1832.
• Meus antecessores já tem feito chegar semelhante occorrencia ao conhecimento do Governo Imperial, e para que mais V. Ex. se instrua nessa questão de summo interesse para a Província, poderá se assim lhe aprouver, consultar os ofícios dirigidos á Secretaria de Estado dos Negócios do Imperio em 13 de Fevereiro de 1851, de 15 de Abril de 1852, e 15 de Fevereiro de 1856.
• No meu entender, huma medida que fizesse obstar que as autoridades da Província das Alagôas exercessem jurisdicção civil sobre a citada ilha, seria uma medida de alta importância, sobre tudo por que faria desaparecer os continuados conflictos que se tem dado entre as autoridades desta com aquella Província, conflitos que felizmente durante a a minha administração não occorrerão.”
O Relatório da mesma Presidencia em 1863 exprime-se no mesmo sentido desta sorte:
• Passarei agora a tratar das questões, que á respeito deles (limites) se tem suscitado entre esta e a Província das Alagôas. Por Decreto de 9 de Junho de 1812, foi incorporada ao termo de Villa Nova pelos motivos no mesmo Decreto especificados, a ilha Paraúna ou Brejo Grande. Em 1832, a Camara Municipal da villa, hoje cidade do Penêdo, pretendia que a mesma ilha pertencesse á Província das Alagôas.
• O ex-Presidente desta Província, Conselheiro Joaquim Marcellino de Britto submeteu o procedimento da sobredita Camara ao extincto Conselho do Governo, que em sessão de 20 de Março de 1832 resolveu incluir o terreno – Brejo Grande – no districto de Villa Nova, cuja câmara della já havia tomado possse solemne, publica e judicial, em virtude do decreto de 9 de junho de 1812, acima referido. Esta decisão foi levada ao conhecimento do Governo Imperial, que aprovou-a.
• Em fins do anno de 1830 ao princípio de 1831, a Assembléa Legislativa da Província das Alagôas dirigiu-e á Camara dos Deputados, pedindo a incorporação da ilha Paraúna ao território da mesma Província.
• Nenhuma decisão teve semelhante pedido, e a ilha Paraúna ainda hoje faz parte pelo lado Ecclesiastico da Província das Alagôas, e desta pelo Civil. A ilha do que se trata havendo-se tornado terra firme, ficou na margem direita do rio de S. Francisco, divisão natural desta Província; dista de Villa Nova apenas trez léguas, e do Penêdo seis, com dependência de atravessar o caudaloso rio de S. Francisco, já citado.
• Esta simples consideração he por demais intuitiva e dispensa qualquer outra. A ilha Paraúna deve pertencer, tanto pelo lado Civil, como pelo religioso á Província de Sergipe; a própria natureza o indica, e o bem publico assim o aconselha.”
Portanto em pro da Província de Sergipe existe lei, antiquíssimo uti possidetis, vontade dos habitantes, e ligação do terreno á margem direita do rio de S. Francisco, desapparecendo a ilha. Como restituil-a á Província das Alagôas?
No nosso mappa preferimos seguir a letra da lei, e a posse antiquíssima da Província de Sergipe.
Cumpre notar que a pretensão da Província das Alagoas não deixa de ter fundamentos mui respeitáveis, e que não se estribão somente na divisão Ecclesiastica, com quanto hoje sem valor para força do facto consummado, fundado no Decreto de 1812, e na ligação da ilha á terra firme de Sergipe, causada pela corrente do rio.
Esta questão he antiquíssima, e convem ser solvida, agora que este grande manancial vai attrahindo as vistas dos governantes, e para melhor esclarecel-a aqui apresentamos as razões dos Alagôanos. Ellas se reduzem a uma, a doação feita em Évora em 10 de março de 1534 pelo Rey D. João III á Duarte Coelho Pereira, Donatário de Pernambuco; onde se declarava que os limites do território de sua doação era o rio de S. Cruz (o de Iguarassú) ate o de S. Francisco, entrando este todo, em vista das seguintes formaes palavras da Carta Regia: – e assim entrará na dita terra, e demarcação della todo o rio de S. Francisco, e a metade do rio de S. Cruz pela demarcação sobredita.
Palavras que achão sublinhadas no officio que o Capitão General de Pernambuco dirigio ao da Bahia em 11 de Março de 1805.
Em outro officio do mesmo Capitão General dirigido em 5 do mesmo mez e anno á Camara da Villa de S. Francisco das Chagas da Barra do Rio Grande sobre a pretensão desta Villa á posse da ilha do Miradouro, e de outras ilhas do seu districto próximo á margem direita ou oriental, refere-se á esta questão da seguinte forma:
“Entrando eu pois na averiguação do que podia haver neste respeito, achei e vim no conhecimento, de que não era já novo nos ministros do districtos da Bahia a pretensão de usurparem á Capitania de Pernambuco a posse das ilhas do Rio de S. Francisco, por que no anno de 1732 na criação da Villa nova, fronteira á villa do Penêdo, já o Ouvidor da Comarca de Sergipe d’El Rey Cypriano José da Rocha, quis desmembrar as ilhas circunvizinhas, da que estava de posse a villa do Penêdo, mas oppondo-se a Camara, e queixando-se ao Vice-Rey deo esta a seguinte resolução: No que respeito ao terreno destinado para a Villa nova que mandei erigir, em que se acha gravado a do Penêdo, também mandei se conservem na jurisdição desta as ilhas que ate agora lhe estavão sujeitas por se haver excedido a minha ordem.”
Como se vê esta questão data de 1732 quando se creou Villa Nova na Capitania de Sergipe. Sendo ella renovada em 1755, foi resolvida em favor de Pernambuco pela Provisão do Conselho Ultramarino de 9 de Fevereiro de 1758, que aqui exaramos:
“D. José por graça de Deos, Rey de Portugal e dos Algarves, d’aquem mara em Africa, Senhor do Guiné, etc.
“Faço saber a vós governador e Capitão General da Capitania de Pernambuco, que os officiaes da Camara da Villa do Penêdo me derão conta, em carta de 5 de Abril de 1755, de que estando aquella Camara na posse imemorial, desde a sua criação, de reger e administrar um lugar chamado a ilha da Paraúna do Brejo Grande, a que divide o Rio de S. Francisco, e das mais ilhas adjacentes, feitas e por fazer, até onde chegão as suas inundações, pelo Foral dado a Duarte Coelho de Albuaquerque, Donatário e Governador perpetuo, que foi dessa Capitania muito antes da invasão dos Hollandezes, não qual posse se conservarão sempre os seus antecessores e mais justiças daquela villa, e indo no anno de 1732 o Ouvidor da Comarca de Sergipe d’El Rey por ordem minha a criar a Villa Nova, querendo sujeitar aquelles moradores, e dividir para o districto della as mais ilhas da jurisdicção das dictas Villas, e na mesma posse continuára até um dos dias do mez de janeiro do dito anno de 1755, em que novamente aquellas Justiças os inquietarão mandando notificar aos senhores de engenhos e mais moradores, a instancias do Contractador dos Dízimos, fomentado por pessoas da mesma Villa Nova, interessadas em ser aquelle lugar do seu districto, o que era contra a verdade, pois ao pertencer á villa do Penêdo como se fazia evidente pelos documentos que offerecião; em consideração do que d do mais que me representão, me pedião os mandasse conservar na posse, em que estavão da diata ilha Paraúna, e todas, as mais ilhas adjacentes, cujos dízimos nunca forão devidos á Jurisidição da Bahia, e só á de Pernambuco por serem todos áquelles moradores parochianos da matriz da villa do Penêdo e ordenando-se ao Vice-Rey do Estado do Brasil, informasse com o seu parecer, ouvindo as partes interessadas nesta matéria.
E sendo tudo visto, como também o que respondeu o Procurador da minha Fazenda, me pareceu dizer-vos que ao Vice-Rey desse Estado se escreve, que, vista a informação que se deu sobre a referida representação da vila do Penêdo, e documentos que remeteu, fica mais que manifesta a injusta pretensão do Contractador dos Dizimos da Bahia, que somente devia procurar a conservação do seu contracto no estado, em que estava no tempo da sua arrematação, e que assim o declara elle Vice-Rey ao Contractador do mesmo contracto, para não inquietar indevidamente os lavradores que não pertencem ao districto do seu contracto. O que se vos participe para que o fiqueis assim entendendo.
• El-Rey nosso Senhor o mandou pelos Conselheiros do seu Conselho Ultramarino abaixo assignados e se passou por duas vias. Manoel Antonio da Rocha a fez em Lisboa a 9 de Fevereiro de 1758. – O Secretario, Miguel Lopes Lavre a fez escrever. – Antonio Lopes da Costa. – Antonio de Azevedo Coutinho.”
Mas estas victoria de Pernambuco forão nulificadas pelo Decreto de 1812, e e inutilizadas pelas occurrencias posteriores e vontade da população, elemento importante nestas questões, e que sem fortes razões não se pode desprezar.
Divisão Judiciária. – Tanto no Ecclesiastico como no Judicial, ainda esta Província se acha subordinada á Pernambuco.
O numero de suas Comarcas eleva-se á 9, e, pelo que respeita á limites, está nas mesmas condições das outras circunscripções da mesma espécie das precedentes Províncias.
???
Muito bom trabalho de metahistória pois entra no Direito Público Internacional conceituando “território” e “província” no contexto do significado da palavra “Reino”.Parabens, continue;
UM ÓTIMO TEXTO PORÉM AUTORES CLÁSSICOS POSSUEM OUTRA NARRATIVA DOS MESMOS FATOS . D, JOAO TERIA SANCIONADO ALAGOAS DE PERNAMBUCO DEVIDO AOS REVOLTOSOS CONTRA A COROA E PREMIO AOS = ‘ALAGOANOS’ = LEAIS A COROA PORTUGUESA.
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