A Usina de Lacticínios de Maceió e o leite pasteurizado

Em 1882, na Alemanha, já funcionava um equipamento que pasteurizava o leite em escala comercial. No Brasil somente a partir de 1910 surgiram as primeiras cobranças para que o leite destinado ao consumo humano recebesse esse tratamento. A demanda partiu da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, que se voltava para o combate à tuberculose bovina.
As primeiras indústrias de beneficiamento do leite surgiram na década de 1920. Utilizavam então o processo de pasteurização lenta, uma novidade no Brasil. A sua comercialização passou a se dar em garrafas de vidro, que eram depois recolhidas para reutilização. Entretanto, essa indústria continuou a competir, ainda por muitos anos, com as tradicionais vacarias, que permaneciam fornecendo o leite “cru“.
Em São Paulo, no ano de 1939, o governo resolveu acabar com essa oferta e decretou que o leite comercializado com a população tinha que ser todo ele pasteurizado. Foi também quando surgiu a classificação dos tipos de leite pasteurizado (A, B e C) e a obrigação de constar na tampa inviolável a data de validade.
Nesse período a pasteurização lenta começou a dar lugar à pasteurização rápida. Os lucros das indústrias aumentaram, mas, após o tabelamento do preço do leite, estabelecido em 1945, o setor perdeu investimentos.
A pasteurização do leite voltou a ser assunto em 1952, quando passou a ser obrigatória em todo o país por determinação do Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. A pasteurização rápida somente foi exigida em 1999, pela Portaria nº 56/1999 do Ministério da Agricultura.
Leite pasteurizado em Alagoas
No início de 1938, o prefeito Eustáquio Gomes de Melo inaugurou o novo Mercado Público de Maceió, erguido a partir de 1936 no aterro da Levada, onde atualmente funciona o Mercado do Artesanato.
Foi em alguns dos seus amplos salões que se instalou a Usina de Lacticínios de Maceió. Entrou em funcionamento experimentalmente no dia 1º de abril de 1939 e começou a comercializar leite pasteurizado e manteiga três dias depois. O litro de leite higienizado era então vendido por 1$200. A distribuição se dava por 10 carrocinhas montadas para esse fim. A partir de janeiro de 1940, no seu balcão no Mercado Público, podia-se comprar um copo de leite, que era vendido em cones de papel descartáveis.
A implantação desta Usina custou ao município de Maceió 400 contos de réis.
No dia em que teve início a comercialização, o prefeito Eustáquio Gomes de Mello anunciou que todo o leite pasteurizado tinha sido vendido nas primeiras horas e que havia falta do produto por ser insuficiente o número de fornecedores do produto in natura.
No dia 16 de maio de 1939, a Saúde Pública de Maceió determinou que estava proibida, a partir daquela data, a venda de leita sem ser pasteurizado na Usina Higienizadora, também conhecida como Usina de Pasteurização.
A proibição não surtiu efeito e no início da década de 1950 ainda existiam em Maceió 45 vacarias com 946 vacas. Produziam próximo dos 4 mil litros de leite por dia. As vacarias ficavam principalmente no Trapiche da Barra, Ponta Grossa, Poço e Mangabeiras. As últimas funcionaram até meados dos anos 60.
Em março de 1942, numa reportagem da revista a Nação Brasileira (RJ) que divulgava os feitos do então prefeito Francisco Abdon Arroxelas, consta que as carroças que removiam o lixo tinham rodas de borracha e que eram adaptações dos “antigos veículos da Usina de Laticínios”, dando a entender que ela já não mais funcionava.
Em 10 de maio de 1951, O Jornal (RJ) informava numa nota que “em Maceió já houve leite pasteurizado, mas um prefeito “entendido” resolveu acabar com a usina de pasteurização”. Abdon Arroxelas ficou conhecido por ter realizado uma gestão austera, cortando vários gastos do município.
Em 15 de julho de 1951, o mesmo O Jornal (RJ) divulgava que o governador Arnon de Mello pleiteara junto ao Fundo Internacional de Socorro à Infância, organização das Nações Unidas, a instalação de uma Usina de Pasteurização de Leite em Maceió. Não conseguiu.
Cila
Somente em 1962, o leite pasteurizado voltou a ser notícia em Alagoas. Em outubro daquele ano os jornais divulgaram que estava sendo instalada em Maceió uma Usina de Pasteurização de Leite. Em setembro do ano seguinte já se anunciava o seu funcionamento, com capacidade para produzir 3 mil litros por dia. Na época, seu proprietário informou à imprensa que o leite seria fornecido por produtores de Batalha, Jacaré dos Homens e Major Izidoro.
Em 29 de novembro de 1963, o Correio da Manhã (RJ) noticiava, sob o título “Monopolização do Leite”, que essa Usina teria capacidade de produzir entre 10 e 12 mil litros diários, e que contava “com a ajuda do Ministério da Agricultura, através da concessão de dinheiro do Fundo Federal Agropecuário. O beneficiado é uma pessoa, um empresário — e não uma cooperativa de produtores, como seria desejável”. Sua linha de produção previa também a fabricação de manteiga, queijo e doce de leite.

Venda de manteiga na Usina de Laticínios de Maceió em 1940. Ao fundo um tubo de vidro armazena os copos de papel, em cone, para a venda de leite
A reportagem faz duras críticas por não ser o empreendimento uma cooperativa, sem fins lucrativos. O fato de ser uma empresa privada à frente do negócio poderia permitir a compra do leite aos produtores por preços aviltados, e a venda por preços altos aos consumidores. O Ministério da Agricultura também é repreendido por permitir e incentivar a “monopolização do leite por um particular”, ao contribuir com recursos do Fundo Federal Agropecuário.
Provavelmente o empresário era o agrônomo Mair Amaral, que desde 1960 pertencia ao quadro dos acionistas da Laticínios Santa Maria Ltda, uma empresa pernambucana, de Bom Conselho, e que passou a ser Laticínios Santa Maria S.A. Ele aparece como um dos três membros do Conselho Fiscal. Era para esse Laticínio que Mair Amaral destinava a sua produção de leite.
O seu projeto era montar em Alagoas um empreendimento semelhante, dando vazão ao produto que o colocava como um dos maiores produtores do país. Foi ele quem modernizou a capacidade produtiva do setor a partir de suas fazendas em Batalha e Major Izidoro. Seu nome era citado como exemplo para o Brasil inteiro.
Logo após o golpe militar de 31 de março de 1964, o governo do Estado, com Luiz Cavalcante à frente, resolveu encampar a nascente Usina de Pasteurização de Leite de Maceió, como noticiou um jornal em 26 de junho.
Para gerenciá-la, a Companhia de Desenvolvimento de Alagoas, Codeal, criou uma nova empresa, a Companhia Industrializadora de Alagoas (Cila), com um capital inicial de CR$ 50 milhões. Foi anunciada como capaz de pasteurizar 4 mil litros de leite por dia. Em outubro de 1964 ainda estava sendo montada. Suas instalações ficavam em Major Izidoro e a comercialização em Maceió se dava a partir de sua distribuidora na Av. Siqueira Campos, no Prado. A Cila foi a primeira a utilizar os sacos plásticos de um litro.
No dia 31 de julho de 1973, os acervos dos Laticínios Santa Maria e Nordeste foram transferidos para a Cila, por decisão do governador Afrânio Lages. O presidente da Cila era Antônio Palmeri, também presidente da Cooperativa Agropecuária de Major Izidoro.
Em março de 1977, os jornais especularam que a Cila estaria sendo transferida para particulares. O então conselheiro do Tribunal de Contas, Djalma Falcão, cobrou informações ao governo, lembrando que a Cila era uma entidade da administração descentralizada — uma Sociedade de Economia Mista — e o Estado era o maior acionista, e que, portanto, não poderia vender esse patrimônio a particulares.
Ainda em 1977 a Cila foi negociada com a Cooperativa Agropecuária de Major Izidoro Ltda – Camil, criada em 26 de setembro de 1967. Encerrou suas atividades em 2009, quando já utilizava a marca Camila.
A sequência da história com o surgimento da CAMIL???
Fica para outro episódio.
Parabéns pelo assunto e reportagem escrita fui funcionário de uma indústria de laticínios chamada vigor aqui em São Paulo ótimo assunto
Muito grato, Ticianeli.
Eu não sabia do processo de desenvolvimento da indústria de lacticínios de Maceió. Uma matéria histórica que poucas pessoas conhecem. Lembro-me, ainda criança, da empresa CILA, onde o leite era empacotado em pequenos sacos que tinha uma vaquinha como logotipo da marca. Muito boa reportagem e parabéns para quem a escreveu.
Antes da CILA, foi estabelecida a Laticinios Santa Maria ,com sede em Bom Conselho PE!!!
Eram três sócios ,o mais relevante era Sr José Galdino Alves, fabricava até queijo do reino, etc.
Fez amizade com o Sr Mair Amaral, pois a família Amaral tem com origem Correntes e Bom Conselho,ambos em Pernambuco.
O Sr José Galdino falou para Sr Mair Amaral ,que pretendia colocar uma filial em Batalha, mas se todo leite produzido pelo Sr Mair fosse destinado para sua indústria,já que era o maior produtor do estado, o que teve a palavra dada, e a partir daí foi implantada a filial Laticinios Santa Maria em Batalha!!!
Onde estar hoje essa empresa? como seria importante a restauração de uma beneficiadora de leite em Maceió e em todo o estado.as escolas públicas séria um das beneficiada.
O senhor mair Amaral se não me engano foi proprietário da revenda Chevrolet em maceió no bairro gruta de lourdes
Excelente matéria para resgatar a história da implantação das primeiras “Usinas de Higienização do Leite” no Brasil.
Pouca gente (inclusive eu que estudo o assunto!) conhecia a história da implantação da pasteurização do leite no Nordeste e no Brasil.
Boa reportagem histórica.
Agora já temos domínio sobre instrumentos que permitem a comercialização do leite cru. Com boas práticas agropecuárias e boas práticas de fabricação. Abraço
Muito interessante este relato.