A saga do petróleo alagoano II – Os pioneiros

Praia de Riacho Doce em Maceió, no início do século XX

Como mostrado anteriormente em A saga do petróleo alagoano I – Primórdios, foram os habitantes de Maceió os primeiros a extrair combustível dos xistos betuminosos que afloravam nas regiões próximas à capital. É provável que os primeiros geólogos a estudarem as nossas riquezas minerais tenham buscado informações com essa população e a partir delas realizaram suas pesquisas.

John Casper Branner

John Casper Branner

O jornalista Mário Melo escreveu em sua coluna “Ontem, Hoje e Amanhã”, no Jornal Pequeno de 21 de fevereiro de 1936, em Recife, que em Alagoas “os primeiros vestígios de petróleo foram encontrados em Riacho Doce e na Garça Torta pelo geólogo J. C. Branner. Cerca de vinte anos depois, o mineralogista argentino José Bach fez estudos mais pormenorizados em Pernambuco e Alagoas, recebido sempre com hostilidades e até ridicularizado quando noticiava minério em determinados pontos”.

John Casper Branner, um renomado geólogo norte-americano esteve no Brasil a partir de 1874, quando participou como ajudante do geólogo canadense Charles Frederick Hartt, que presidia a Comissão Geológica do Brasil.

Esse grupo percorreu Alagoas, Bahia, Fernando de Noronha, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, São Paulo, Santa Catarina, Sergipe e parte da região amazônica.

Branner, que após este trabalho permaneceu no Brasil, em 1879 tornou-se engenheiro-assistente de uma Companhia de Mineração e começou a explorar regiões de Minas Gerais em busca de pedras preciosas.

Charles Frederic Hartt

A partir de 1880, trabalhou para Thomas Alva Edison, que o encarregou de procurar fibras vegetais no Brasil para utilizá-las como filamento da lâmpada elétrica que inventara no ano anterior.

Após um breve estadia nos EUA, em dezembro de 1882, Branner voltou ao Brasil, desta feita para estudar os insetos que prejudicavam o algodão e a cana. Permaneceu no país por vários anos, realizando importantes trabalhos científicos a partir de Pernambuco.

Há registros ainda indicando que Casper, em 1900, realizou estudos de geologia de superfície em Alagoas.

Entretanto, foi somente em 1922 que John Casper Branner, então presidente emérito da Stanford University da Califórnia, publicou em New York o estudo intitulado “Oil Possibilities”, onde apontou as indicações favoráveis de ocorrências petrolíferas do Brasil, incluindo Alagoas.

Em 1907, o geólogo norte-americano Orville Derby também realizou estudos na região do Rio São Francisco.

Caetano José de Mesquita e o Riacho Doce

Segundo Clara de Mesquita, em carta divulgada pelo Jornal do Comércio de 22 de fevereiro de 1916, em 1888 seu pai, Caetano José de Mesquita, descobriu minas de petróleo em Riacho Doce em Maceió. Caetano era casado com Josepha Maria da Conceição.

No relatório apresentado pelo presidente da Província de Alagoas, Pedro Paulino da Fonseca, em outubro de 1890, ele informou que havia concedido aos senhores Dr. Manoel José Duarte, engenheiro Manoel Eugenio Prado e o industrial Caetano José de Mesquita, por meio do Decreto nº 45 de setembro de 1890, o “privilégio para estabelecerem a iluminação a gás carbônico desta capital…”.

Clara Mesquita informou que seu pai também conseguiu nesse mesmo processo o aforamento das terras de Riacho Doce para a exploração do xisto betuminoso.

Menos de dois anos depois, esse grupo transferiu os “direitos e obrigações” concedidos pelo governador para uma companhia constituída pelo visconde de Costa Franco, Barão de Campolide e Paulo Antônio Ribeiro do Couto do Rio de Janeiro.

Estes novos concessionários imediatamente solicitaram ao Barão de Traipú, então presidente da Província de Alagoas, para alterar o sistema de iluminação pública de Maceió, passando a utilizar o “gás hidro-magnesica incandescente”.

Após transferir a concessão, Caetano José de Mesquita continuou a realizar investigações em Riacho Doce e em 1908 conquistou prêmios ao mostrar o resultado de suas pesquisas na Exposição Nacional no Rio de Janeiro.

Em 1912, amostras de xisto foram enviadas ao Laboratório Polytechnico de Londres pela casa Boxwel & Cia. Os químicos ingleses confirmaram os resultados obtidos e Caetano passou a ganhar algum dinheiro com a comercialização do óleo combustível extraído do xisto.

Segundo Clara Mesquita, certo dia seu pai travou conhecimento com Adriano de Oliveira Maia, que percebendo a idade avançada do novo amigo conseguiu que ele lhe mostrasse onde ficavam as minas.

Com a morte do velho industrial, Adriano se associou ao engenheiro José Bach, dando-lhe participação na exploração das minas desde que este se apresentasse como o descobridor delas.

Essa foi a denúncia que Clara trouxe à tona pela imprensa, ao tempo em que solicitava ajuda para voltar a ter a posse dos bens descobertos por seu pai.

O então advogado Osman Loureiro foi quem defendeu os interesses da família de Caetano Mesquita

Em 22 de março de 1917, o Correio da Tarde publicou uma carta do advogado Osman Loureiro, que passou a defender os interesses de Clara, afirmando que o descobridor das minas foi Caetano Mesquita.

A resposta aos argumentos de Loureiro foi publicada no dia 20 de maio de 1917, no Diário do Povo. O dr. Paschoal de Moraes, advogado de João Bach, disse que Caetano Mesquita “em verdade e justiça nada descobriu e nem inventou”.

E continuou: “Caetano José de Mesquita saibam quantos esta ler, era um rústico ferreiro que em algum tempo foi operário de minas de Carvão de Pedra, não sei aonde, e não mineralogista ou geólogo que pudesse descobrir ou estudar, mesmo já descoberta, qualquer mina ou jazida de minério algum”.

Lourenço Peixoto, em uma reportagem publicada no Diário de Pernambuco de 25 de agosto de 1957, revelou que Caetano Mesquita era um mecânico português e “para ele, que não possuía profundos conhecimentos geofísicos, valeu, no entanto, a experiência que adquirira na Europa, como operário em empresas de mineração. Tão logo aqui chegou e conseguiu se estabelecer, tratou de construir uma retorta e um gasômetro, passando então, a extrair gás do xisto betuminoso que trazia do nordeste da cidade”.

O advogado Paschoal de Moraes, em sua resposta, explicou ainda que nessa questão do petróleo, o que Mesquita descobriu já estava descoberto, conhecido e reconhecido de todo mundo que não fosse cego. “Esse nosso patrício supunha existir nos xistos aflorados de Riacho Doce hulha negra e utilizar-se dela para iluminar a capital do Estado, nunca, em tempo algum, cogitou-se de petróleo, óleo de nafta e seus derivados”, esclareceu.

Na verdade, o Decreto nº 892, de 18 de outubro de 1890, do Ministério da Agricultura, permitia “a Caetano José de Mesquita e outro explorar jazidas de turfa, xisto betuminoso e seus congêneres no Estado das Alagoas”.

Paschoal de Moraes argumentou ainda que as terras de Riacho Doce nunca pertenceram a Caetano Mesquita.

O argentino José Bach

José Bach em foto publicada na revista Fon-Fon de 1914

Na Assembleia Geral da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro realizada em 8 de julho de 1899, o explorador científico José Bach foi aceito como correspondente. Em sua recepção foi elogiado como um sócio da Real Sociedade de Geografia de Londres “vantajosamente conhecido pelas suas excursões em quase toda a América meridional”.

Do seu currículo foi destacado que percorreu a América do Sul “desde o cabo de Horn até o Orenoco e especialmente pelas fronteiras do Brasil, onde teve ocasião de demorar-se entre algumas tribos indígenas, conseguindo em resultados reconhecer, que pelos costumes de cada uma, quer pela linguística, que as tribos não são tão fragmentadas como se supõe”.

E prossegue a ata da reunião: “teve também ocasião de estudar um telégrafo sem fio empregado pelos índios da Bolívia e Peru. E, portanto, em vista de todos estes trabalhos, e de outros a que ainda refere-se, que o empossa como sócio correspondente da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro”.

No agradecimento, Bach reafirmou que suas excursões serviram para comprovar que existia uma origem comum das tribos indígenas da América do Sul. Prometia que em trabalho posterior “se referirá a uma descoberta do carvão de pedra em extensa zona”.

Quatro anos depois, no jornal Diário do Maranhão de 23 de abril de 1903, foi anunciado como explorador argentino e médico.

Mas o que fazia em São Luiz?

Segundo o jornal, “impulsionado por uma paixão pelo estudo da geologia e mineralogia”, tinha percorrido o norte do país para “por amor à ciência que estuda, por amor à vida de naturalista e de explorador, para conseguir, mediante o concurso inestimável da iniciativa particular, abertura de estradas de rodagem nas ubérrimas e florescentes regiões do Tocantins”.

Em 1908, o Boletim do Museu Paraense de História Natural e Etnografia apresentou relatório de atividades e entre elas destacou que, com o objetivo de estudar as jazidas de ossos fósseis existentes no Alto Juruá, a diretoria confiou uma expedição ao “Dr. José Bach que, tendo voltado de sua viagem ao baixo Xingú, solicitara nova comissão e que, havendo desempenhado comissões semelhantes por conta do Museu de La Plata, parecia pessoa idônea para aquela incumbência”. O Museu de La Plata fica em Buenos Aires, capital argentina.

Prossegue o relatório: “O Dr. Bach partiu no mês de fevereiro completamente municiado para uma expedição de 8 a 12 meses e provido de instruções detalhadas. Infelizmente esta empresa só acarretou decepções e desgostos para a Diretoria, sendo o Dr. Bach, em consequência dos conflitos internacionais então existentes naquela região, preso, no mês de junho, pelas autoridades peruanas do Alto Juruá e transportado para Iquitos, de onde informou à Diretoria do malogro da expedição”.

Ainda em 1908, no dia 12 de outubro, José Bach já era notícia no Rio Grande do Norte. O Fluminense do Rio de Janeiro informava que ele, “em explorações pelo sertão do Estado, encontrou jazidas de ferro, enxofre, mica, salitre e amianto de que expôs amostras na redação da República, devendo enviá-las depois à Exposição Nacional”.

No ano seguinte, ainda em terras potiguares, José Bach foi noticiado como um dos industriais — os outros eram Arthur Lundgren e Frederico Lundgren — beneficiados com a assinatura de contrato para a exploração de minérios naquele estado.

Herculano Bandeira de Mello, governador de Pernambuco que nomeou José Bach

Em 1910, o governador de Pernambuco, Herculano Bandeira de Mello, informou em seu relatório à Assembleia que “tendo em atenção os relevantes serviços prestados pelo dr. José Bach, na exploração de minérios na zona de Pernambuco, nomeei-o encarregado do serviço de geologia e mineralogia neste Estado, sem dispêndio para os cofres públicos”.

Meses depois foi citado em um informe do Instituto Arqueológico no jornal pernambucano A Província de 27 de agosto de 1910. Ele faria uma conferência por estar de “volta de sua excursão ao interior do estado”. Falaria sobre “as explorações mineralógicas e geológicas, a que está ali procedendo em desempenho da comissão que lhe foi confiada pelo governo do estado”.

Em outubro daquele mesmo ano, Bach voltou a ser notícia de jornal por estar expondo nas vitrines da Livraria Francesa “novas amostras de carvão de pedra, da bacia carbonífera de Quixabinha, em Jaboatão de Tacaratú”.

Nesse mesmo mês, foi eleito para o Instituto Arqueológico de Pernambuco.

Não permaneceu em Pernambuco. Foi exonerado do serviço de geologia e mineralogia de Pernambuco em 14 de junho de 1911. Segundo o jornal Diário de Pernambuco, “a pedido”.

Em 14 de dezembro de 1918, seu nome foi citado pela última vez no Jornal de Recife. Era a notícia da sua morte. “O engenheiro José Bach vem de perecer afogado na Lagoa do Norte [Mundaú]. Sobre o fato se fizeram várias suposições, entendendo alguns que se trata de um crime, para desafogo de pessoas seriamente ameaçadas em negócios pelo falecido. O remeiro, que dirigia a embarcação, salvou-se a nado. O dr. José Bach era muito conhecido pelas suas pesquisas sobre as minas petrolíferas de Riacho Doce. A polícia inicia diligências”.

Morte de Bach: acidente ou assassinato?

Era pública a disputa pelas minas de petróleo de Riacho Doce em 1916. Os jornais de Maceió, e até do Rio de Janeiro, publicavam acusações e respostas envolvendo Clara Mesquita, herdeira de Caetano de Mesquita, e João Bach, que se proclamava o descobridor do petróleo em Maceió.

Descobridor ou não, partiu dele a iniciativa de solicitar autorização Federal para explorar por 60 anos, “minas de petróleo pelo menos descobertas nos Estados de Alagoas e Sergipe e existentes em terras do domínio da União, compreendidas entre 6° e 8° de long. Oriental”, como registrou os Anais da Câmara dos Deputados.

A canoa era utilizada por José Bach para ir até Coqueiro Seco, atravessando a Lagoa Mundaú

No voto contrário, na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados em outubro de 1914, o deputado Domingos Mascarenhas, entre outros argumentos, estranhou que Bach não juntou “um só documento provando a realidade de suas pesquisas e análises, o que, aliás, se fazia preciso para justificar, ao menos, a excepcionalidade dos favores pedidos”.

Nesse período, José Bach já aparentava idade avançada e estava casado com uma brasileira, com quem teve quatro filhos. Moravam em Coqueiro Seco.

Bach tinha como objetivo atrair investidores para o seu maior empreendimento: adquirir uma sonda de prospecção para explorar petróleo no subsolo das minas de xisto de Alagoas.

Para obter recursos, conseguiu criar o Sindicato das Minas Petrolíferas. Foi essa empresa que recebeu do governador Batista Acioly diversos favores através do Decreto Legislativo nº 2.933, de 6 de janeiro de 1915.

Segundo o historiador Moreno Brandão, “ela se dissolveu, depois de uma grande sequência de prejuízos, já afastado da mesma o Dr. José Bach, morreu tragicamente, quando atravessava a lagoa do Norte”.

Nos primeiros dias de 1918 foi fundada em Maceió, com a participação de Bach, uma sociedade denominada Empresa de Minas Petrolíferas, contando com capitais de investidores de Alagoas. As explorações ficaram sob responsabilidade da firma Andrade, Auto & Cia., representada oficialmente por Gilberto de Andrade, casado com Virgínia Auto de Andrade. Jose Bach era o seu diretor técnico e uma pequena “destilação” foi montada para o aproveitamento dos xistos aflorados ao longo da costa.

O bacharel Gilberto de Andrade era também jornalista e em 1918 detinha o mandato de deputado estadual, eleito que fora no ano anterior. Era filho do casamento do ex-deputado federal Eusébio de Andrade com Amélia Amorim de Andrade e sobrinho de J. Goulart de Andrade, editor do jornal Gutenberg, o periódico de maior circulação em Alagoas no final do século XIX e início do XX. Gilberto foi ainda proprietário do Diário do Povo até 1916.

Anos depois, no Rio de Janeiro, Gilberto de Andrade, após ser promotor público em Pernambuco, era um respeitado jornalista e autor de peças teatrais. Foi diretor das revistas A Voz do Rádio e Sintonia, promotor do Tribunal de Segurança e um dos organizadores da censura teatral no país. Dirigiu a Rádio Nacional no período de 1940 a 1946, sendo o responsável pelo sucesso alcançado pela emissora.

Quando morreu, Bach já estava em conflito com Gilberto de Andrade, “alegando haver sido lesado pela referida firma, nos seus direitos assegurados por um contrato”.

Esse desacordo pode ser confirmado na edição do Diário de Pernambuco de 28 de novembro de 1918, que publicou na coluna “O Diário em Alagoas” informações datadas de dois dias antes revelando que o “dr. José Bach propôs contra a firma Andrade, Auto & Cia, que explora as minas petrolíferas de Riacho Doce, uma ação de indenização para cobrar da mesma firma a importância de 300 contos por prejuízos que diz ter sofrido”.

A canoa em que viajava para Coqueiro Seco no dia 2 de dezembro de 1918, após deixar Maceió, teria naufragado e o remador profissional Antônio Euzébio, que morava na “Boca da Levada“, conseguiu escapar por ser exímio nadador. Quando chegou a Coqueiro Seco foi preso imediatamente pelo subcomissário de Polícia. Era tratado como suspeito de assassinato e foi levado para a Casa de Detenção em Maceió.

Bacharel, jornalista e deputado Gilberto de Andrade

O corpo de Bach foi encontrado somente dois dias depois, “de pé, agarrado a um mourão de caiçara na lagoa do Norte”, e transportado até o necrotério da Santa Casa de Misericórdia. O laudo do dr. Arthur Sampaio, médico legista da Polícia, indicou como causa da morte “asfixia por submersão”.

Em entrevista ao correspondente do Jornal de Recife em Maceió, publicada em 16 de dezembro de 1918, o canoeiro Antônio Euzébio disse que saiu de Maceió com Bach às 17h30 e que acertou a viagem por rs 4$000. Explicou que sua canoa era “pequena e de madeira ordinária. Era uma canoa de pescaria, mas nunca se tinha afundado”, e detalhou que o naufrágio se deu “um pouco adiante do Calunga”.

“A canoa encheu-se d’água por duas vezes. Na última foi a pique rapidamente. Eu tratei de me salvar e fui nadando”, explicou, informando ainda que deixou o remo para que Bach “se arranjasse…”. “Nadei até alcançar uma caiçara. Aí fiquei cerca de uma hora. Era noitinha quando chegaram três canoas que me levaram a Coqueiro Seco”, completou, admitindo que não procuraram por José Bach.

A reportagem deixou claro que havia um clima de grave animosidade entre Gilberto Goulart e José Bach, ao ponto deste último ter pedido ao governador que lhe garantisse a permanência nas minas de Riacho Doce. “Soubemos também que o sr. Gilberto temia uma agressão por parte do dr. Bach. Tanto assim que só viajava para Riacho Doce fazendo-se acompanhar por vários pagens, ostensivamente armados”, registrou o repórter.

A possibilidade de ter ocorrido um crime, posteriormente serviu para alimentar os argumentos dos que enxergavam a presença de “forças ocultas” em Alagoas tentando impedir a exploração do petróleo. Entretanto, no período em que a morte aconteceu, não houve nenhuma especulação nos jornais sobre essa possibilidade. As suspeitas se dividiam entre acidente ou morte encomendada por causa da disputa entre os sócios da mina de Riacho Doce.

Pelo Diário de Pernambuco de 15 de dezembro de 1918 sabe-se que a firma Andrade, Auto & Cia. havia solicitado por certidão ao 1º Comissário de Polícia de Maceió o teor de depoimento prestado pela viúva Maria Bach sobre o naufrágio, revelando que a empresa estava acompanhando a possibilidade de ser indicada como suspeita da morte de José Bach. O documento, tornado público “deduz que o naufrágio ocorreu por imperícia do canoeiro”.

Mesmo não havendo em nenhum jornal de 1918 qualquer insinuação sobre a possibilidade de José Bach ter sido vítima de interesses estrangeiros, em 1958, Edson de Carvalho se referia a José Bach como “o primeiro mártir do petróleo brasileiro!”.

Ainda em 1918, novos estudos foram realizados em busca de petróleo em Alagoas. Desta feita sob a responsabilidade de Euzébio de Oliveira, Gerson de Faria Alvim e Eugênio B. Dutra.

Eutíquio de Carvalho Gama e a morte de Pinto Martins

O norte-americano Walter Hilton e o cearense Euclides Pinto Martins

Com o desaparecimento de José Bach, as pesquisas foram paralisadas até 1920, quando foram retomas pelo Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB), um órgão do Ministério da Agricultura.

Entre 1920 e 1924, o SGMB realizou seis perfurações em Alagoas. O poço de número 50 em Riacho Doce, cuja sondagem teve início em 1924, foi abandonado após três anos de prospecções, mesmo sendo constatados alguns indícios de óleo.

Antes mesmo de se conhecer esta fracassada tentativa, a causa do petróleo alagoano voltou a ter uma liderança quando Eutíquio de Carvalho Gama, um grande amigo de Bach, empunhou a bandeira da continuidade nos trabalhos de prospecção.

Entre os vários contatos que fez para viabilizar seu intento, esteve com o piloto cearense Euclides Pinto Martins em 1923, logo após ele ter concluído um voo pioneiro acompanhando o tenente do Corpo de Aviadores dos Estados Unidos, Walter Hinton. Viajaram de Nova York em direção ao Rio de Janeiro pilotando o hidroavião Curttis.

Pinto Martins recebeu das mãos do presidente Artur Bernardes um prêmio de 200 contos de réis e estava voltando da Europa, onde foi passear, quando foi convencido por Eutíquio de Carvalho Gama a investir em petróleo.

Dias depois, em 12 de abril de 1924, ocorreu sua morte.

No dia 13 de abril de 1924, o Jornal do Brasil estampou a seguinte manchete: “A ÚLTIMA ETAPA DO AVIADOR – Suicídio de Pinto Martins – Uma página de amor e de loucura”.

A reportagem opinou que “a triste ocorrência, que não foi mais do que a explosão de seu temperamento doentio, de sonhador de glórias”.

O possível suicídio ocorreu no sobrado da Avenida Gomes Freire, nº 106, “residência da artista de cabaret Aida Understone, sua apaixonada e companheira de noitadas”.

O jornal informou que naquele dia ele estivera à noite no Palácio Club, à Rua do Passeio, conversando com amigos ao lado de Aida, que ali trabalhava. Estava acabrunhado e não gostou de ver que um terceiro apresentou sua companheira ao seu colega aviador norte-americano Walter Hinton, recém-chegado dos EUA.

Às quatro horas da manhã, retirou-se para a casa da namorada, onde estava morando, argumentando que precisava descansar. Em casa, a esperou acordado tendo como companhia uma empregada de nome Adelina Costa. Quando Aida chegou, ao amanhecer, iniciaram uma discussão.

Adelina testemunhou que a artista disse estar farta de ciumadas e que esse estado de coisa não podia continuar. “— Então vais ver uma coisa, disse Martins, retirando-se para o terraço. Momentos depois ouviu-se o estampido de um tiro, que ressoou lugubremente por toda casa”, descreveu o repórter.

Ao seu lado foi encontrada a pistola utilizada: uma “Savage”. Martins ainda sobreviveu por alguns instantes e quando Aida se aproximou para socorrê-lo, fez sinal para que se afastasse.

Pinto Martins era casado nos EUA e no momento da sua morte a sua esposa e um filho estavam na Itália.

Nos seus últimos dias vivia a cobrar a intervenção dos amigos para que ele e o piloto Walter Hinton recebessem rs 50:000$000 do prêmio votado pelos vereadores do Rio de Janeiro para eles.

Segundo o jornal, pretendia com esse dinheiro retirar a amada do cabaré. Não suportava vê-la com outros. Um destes clientes quase foi apunhalado por ele.

Mesmo não havendo na época nenhuma insinuação de que a sua morte poderia ter ocorrido por “forças ocultas” interessadas em boicotar o petróleo nacional, Monteiro Lobato, anos depois em seu livro Escândalo do Petróleo e do Ferro, sustentou que Martins foi vítima dos poderosos lobbies interessados em atrasar o desenvolvimento brasileiro.

Conspiração

Poço São João em Riacho Doce no ano de 1938

A partir de então várias avaliações conspiratórias tentavam explicar o fato de não se encontrar petróleo com viabilidade comercial e também as mortes de pessoas que empreenderam para explorá-lo. Havia sempre a possibilidade de se ter por trás dos crimes e do boicote empresas norte-americanas interessadas em “não explorar e não deixar que explorem”.

Na contramão de suposições como estas, manifestou-se o dr. Paulo José Pires Brandão em relatório publicado na Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, Tomo XXXI, de 1926/1927.

O documento registrou sua passagem por Maceió, quando visitou as sondagens a procura de petróleo que o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil executava em Riacho Doce, “onde ocorreram xistos oleígenos”.

“Tive oportunidade de conversar com a maior autoridade pública [o governador era Costa Rego] no Estado e ouvi, com surpresa, duras acusações ao Serviço Geológico por não ter ainda descoberto o petróleo. Ela vira nas mãos dum certo estrangeiro frascos de petróleo do Riacho Doce e Morros de Camaragibe; Maceió inteira vira o petróleo que o estrangeiro tirara, e o Serviço Geológico, com profissionais bem pagos, com sondas, com verbas, não mostrava o petróleo”, opinou o jornalista e historiador.

E prosseguiu: “Sempre sucedeu assim, meus senhores. Desde as épocas mais remotas o embuste ecoou mais alto e se impôs mais que a verdade. É facílimo convencer a leigos da existência de riquezas minerais, e quase impossível é tirar-lhes da imaginação qualquer fantasia assentada em minas e tesouros”, explicou.

No dia 27 de outubro de 1927, as sondagens atingiram 283 metros e foi encontrado “xisto muito mole saindo muito óleo”. Esse registro é do o engenheiro Vinicius Maia Nobre ao apresentar a reedição do livro O Drama da Descoberta do Petróleo Brasileiro, de Edson Carvalho.

Os anos da década de 1920 foram frustrantes para o petróleo brasileiro, mas serviu para acumular muitas informações sobre a geologia do país, além de possibilitar a preparação de profissionais que seriam fundamentais para a retomada nos anos 30. Serviu ainda para constatar que foi somente o Estado brasileiro que conseguiu manter viva a pesquisa.

Petróleo é negócio?

Guglielmo (Guilherme) Rogato nasceu em 7 de dezembro de 1898 na Itália, mais precisamente na cidade de San Marco Argentano, região de Consenza, e chegou ao Brasil ainda criança, no dia 16 de setembro de 1910

Foi nesse ambiente de conspiração envolvendo o petróleo brasileiro, que teve início a década de 1930, período marcado pelo enfrentamento as oligarquias regionais e o desenvolvimento do sentido de nacionalidade sob a liderança política e o poder de Getúlio Vargas.

Para organizar a exploração do petróleo, Vargas decretou o fim de qualquer ingerência dos governos estaduais, cancelando também todas as concessões feitas e condicionando as suas revalidações a autorização do governo federal.

Foi criado o Departamento Nacional de Produção Mineral e aprovado o Código de Minas, considerado muito restritivo e nacionalista.

Em Alagoas, o fotógrafo Guilherme Rogato realizou seu primeiro filme de longa metragem em 1933, em parceria com Etelvino Lima.

Contando somente com atores e atrizes locais, “Casamento é Negócio?” foi filmado em Maceió tendo como enredo o petróleo alagoano, que tinha voltado a ser pesquisado em Riacho Doce.

No roteiro, um jovem investe em uma empresa exploradora de petróleo, mesmo contra a vontade dos seus pais, que não confiavam na sua existência em Maceió.

Para dar voz as desconfianças da época, surge um agente norte-americano que contrata um desocupado, na Praça Deodoro, pagando-o para destruir com explosivos o poço em Riacho Doce.

Durante a execução da ação, quando o pavio já estava acesso, surgem os acionistas da empresa e colocam o desocupado para fugir, garantindo que o petróleo jorrasse em Maceió e fizesse a felicidade do investidor, que imediatamente procurou sua amada para lhe oferecer um rico casamento.

Lamentavelmente, ainda era apenas uma ficção.

(Esse texto é continuação de A saga do petróleo alagoano I – Primórdios. Para ler clique AQUI)

(Continua AQUI).

2 Comments on A saga do petróleo alagoano II – Os pioneiros

  1. Consta das nossas estórias familiares que meu avô o general Luis de França Albuquerque, foi preso na época de Monteiro Lobato justamente por conta da criação da Petrobras (campanha o petróleo é nosso). Anos atras cogitou se dar o nome dele a uma refinaria de petróleo. Hoje eu me preocupo mais com a exploração das nossas reservas e o direcionamento dos royalties para a educação e saneamento. Eu venderia a empresa pulverizadamente na bolsa.

  2. Vinicius Maia Nobre // 4 de outubro de 2018 em 21:32 //

    Você é incansável ! Mesmo com eleições tão próximas não lhe falta tempo para “futucar” a nossa tão apaixonante história !
    Fez um trabalho de mestre comparável com a história contada por Edson de Caravalho e , por cima ainda falou sobre o primeiro filme rodado aqui mesmo “Casanento é Negócio “ (Rogato , meu primeiro retrato) filme que possuo (converti-o para DVD) . Conheci um dos artistas que foi cunhado de Tercio Wanderley) muito brincalhão chamado Armando Montenegro aquele mesmo que contratou um desocupado na Praça Deodoro para explodir o poço em Riacho Doce . O “mocinho” da história era Moacir Miranda que fez o papel de galante namorando uma moça muito bonita e que psseou numa canoa na lagoa conquistando-a .

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