A saga do petróleo alagoano – Final – Trabalhadores e Sindicato

Depósito de petróleo na Praia de Lagoa Azeda em Jequiá da Praia no ano de 1957

Jandival Lyra Gabriel, que depois seria um dos principais líderes dos petroleiros, foi um dos primeiros operários contratados para trabalhar nas empresa que buscavam petróleo em Alagoas. Em seu livro Memórias de um líder: histórias, momentos e revoluções na Era da Petrobras, deixou registrado momentos importantes da trajetória dos trabalhadores alagoanos.

Jandival Lyra Gabriel, o Vavá, trabalhador pioneiro da Petrobras em Alagoas

Ele contou que caminhava pela Rua Buarque de Macedo, às 9h do dia 26 de dezembro de 1956, quando encontrou o amigo Albertino, que lhe perguntou se queria trabalhar em uma companhia americana na extração de petróleo.

Depois de uma breve entrevista com o norte-americano Rose James, foi contratado e imediatamente lhe deram a missão de ajudar a levar um caminhão carregado de instrumentos para Jequiá da Praia, então pertencente a São Miguel dos Campos.

Do almoxarifado da Haney Williams Drilling Corporation, que ficava na Rua Buarque de Macedo em Maceió, partiu o caminhão para o JA-1, onde estava sendo instalada a sonda 41, a primeira desta fase a perfurar. A sonda 40 estava no Tabuleiro dos Martins.

Jandival recorda que o alojamento ficava em São Miguel dos Campos: “Era um armazém grande, ali, pernoitamos em cima de uma lona, fazia um frio danado pela frieza que saía do piso do cimento do galpão”.

Explicando a rotina das primeiras equipes, disse que tinha “que acordar às 5h para tomarmos café. O café era um pão crioulo com manteiga de terceira qualidade que parecia sebo pastoso. O dono do acampamento era o senhor Enéas. Os americanos tinham casa alugada com conforto”.

Operários na Sonda 41 em Jequiá da Praia no ano de 1958. Gilson, NI, NI, Rubens Colaço (camisa branca), Gerson Rolin, Uris (mecânico) e Fernando.

O trabalho inicial era o de abrir estradas e revesti-las com madeira para dar passagem aos caminhões com as peças da sonda. Sem esse serviço, os veículos ficariam atolados, principalmente no inverno.

“Na hora do almoço, o apontador Edgar trazia uma lata grande, dentro da lata vinha: feijão, farinha e charque assado. O charque, além de salgado, era tão duro de rasgá-lo, que parecia feito de ‘beiço de boi’ com couro e tudo, arriscando quebrar os dentes”, lembra Jandival, acrescentando que o apontador mexia a comida com a mão e colocava a porção de cada um na copa do chapéu, caco de telha ou folhas grandes de mato.

Para colher água de beber, saiam dois operários para as fontes. Portavam espingarda ou rifle, “por temer encontrar onça, guará, porcos do mato, cobras grandes e venenosas e guaribas, etc”.

À noite, voltavam para São Miguel, onde tomavam banho de bica no Pitú. “A janta era um prato de sopa, puro sal”. Passaram 15 dias nessas tarefas pioneiras.

Quando a sonda estava pronta para perfurar, os técnicos selecionaram quatro equipes composta cada uma delas de oito homens. Os outros foram demitidos.

Enquanto uma equipe descansava, as três outras se revezavam em turnos de oito horas. Nas sondas 40 e 41 trabalhavam 24 homens. Alguns deles foram transferidos para a sonda 59. Depois contrataram mais operários para as sondas 60 e 61.

“Foi a maior confusão no começo, o americano pedia graxa, eles vinham com marreta, martelo, alavanca, outros ficavam indecisos sem saber nada, aí eu entrava e falava: É graxa que o americano está pedindo. E assim fui liderando e sendo de confiança para todos os americanos e os companheiros brasileiros”, lembra Jandeval, que passou a ser conhecido entre os amigos como Vavá.

Foi participando de episódios como estes que Vavá ampliou a sua liderança e se firmou como um dos melhores técnicos alagoanos da empresa.

Sindicato

Alan Brandão

Considerando que as demissões dos operários por parte das empresas norte-americanas eram abusivas, um grupo de trabalhadores petroleiros resolveu criar o sindicato da categoria.

Assim, em 27 de junho de 1961, nasceu o Sindicato dos Trabalhadores em Exploração, Perfuração e Produção de Petróleo de Alagoas e Sergipe. Sua primeira diretoria era constituída por: José Gonçalves Lima, presidente; Alan Rodrigues Brandão, vice-presidente; Gerson Rolin de Moura, 1º secretário; Expedito Barreto, 1º tesoureiro; e Jandival Lira Gabriel, delegado.

Os primeiros associados eram os trabalhadores da Petrobras. Em pouco tempo, praticamente todos os operários das firmas americanas Haney Drilling Corporation e Drillexo Company estavam filiados.

Entendendo que as empresas estrangeiras tinham o objetivo de preparar a mão de obra contratada por elas para assumir o trabalho de prospecção e extração do petróleo, os trabalhadores brasileiros foram sendo convencidos pelo Sindpetro que deveriam assumir progressivamente as funções técnicas na perspectiva de serem absorvidos pela Petrobras.

Outra reivindicação dos motoristas, carreteiros, guindasteiros, mecânicos, tratoristas, vigilantes, carpinteiros, soldadores, eletricistas e o pessoal do escritório era a paridade salarial com os colegas baianos.

Greve de 1962

Geólogos da Petrobras em Alagoas no ano de 1960: Ivan de Araújo Simões, Francisco Celso Pontes e Alexandre José Ritcher, chefe da turma

Na madrugada do dia 20 de fevereiro de 1962, dois mil funcionários das empresas norte-americanas que trabalhavam em Alagoas e Sergipe paralisaram seus serviços exigindo equiparação salarial com os trabalhadores dos demais Estados.

Entretanto, a principal reivindicação não era salarial. Pleiteavam a rescisão contratual deles com as empresas norte-americanas e que a Petrobras contratasse a todos.

A greve foi vitoriosa, sendo todos admitidos na estatal com salários ampliados e conquistaram ainda a incorporação, para efeitos de aposentadoria, dos cinco anos de serviços prestados anteriormente.

Alan Rodrigues Brandão, um histórico líder sindical da categoria, que começou a trabalhar em 1958 na empresa Drillexco, avaliou o movimento paredista como “mais que uma greve, foi uma guerra”.

Em uma das reuniões de negociação entre a diretoria do Sindpetro e a empresa Haney and Williams, em Maceió, foi oferecido 500 mil dólares para que o sindicato não continuasse a reivindicar o rompimento dos contratos. Como houve a negativa, o clima esquentou no escritório onde se realizava a reunião.

“O [americano] que estava coordenando a reunião me atirou um livro que parecia um tijolo, foi uma tijolada no meu rosto. Era um livro de CLT português-inglês, imagine. Isso não revoltou só a mim, revoltou os companheiros também. Naquela época a gente era mais forte, mais moço”, relata Alan Brandão, detalhando que houve o revide e que em meio à confusão, um soco que atingiu o pomo-de-adão do agressor. Ele foi levado a Recife com urgência para ser submetido a uma cirurgia para normalizar sua respiração.

Sonda 41 no Tabuleiro dos Martins em 1957. Em pé, da esquerda para a direita: Agnaldo, S. Tenório, Aguiar, Agab, Adelmo e Mr. Reeves. Agachados: Mozart Leite, S. Brandão e Manuel Vieira.

O embate mais violento, entretanto, aconteceu após uma assembleia que reuniu mais de 800 trabalhadores em Maceió. Discutia-se o que fazer se os americanos não entregassem as sondas após o rompimento dos contratos. “Joga no tanque de lama!”, propôs Alan, que depois explicou que não falava a sério. “Isso foi uma irresponsabilidade minha naquela hora, uma brincadeira, mesmo porque eu duvidava que fizessem isso… Era a pior coisa que se podia desejar a um indivíduo, lama quente pela na hora… Mas não é que jogaram mesmo!”.

Os atingidos foram os sondadores e técnicos de operação norte-americanos que haviam sido pressionados para não abandonarem as operações e nem entregarem os equipamentos.

A lama quente, um composto de água, gel, soda cáustica, óleo diesel e outros produtos utilizada na perfuração, terminou por ferir os trabalhadores, que foram hospitalizados.

Alan, que foi preso com a diretoria no golpe militar de 1964 e permaneceu detido por um ano e dois meses, lembrou que durante os interrogatórios o que mais se perguntava a eles era sobre quem foi o responsável pela orientação de jogar os técnicos estrangeiros na lama de perfuração. Ele assumiu a autoria e explicou que não tinha sido essa a intenção.

Ditadura

Com as eleições sindicais de 1963, novas lideranças foram incorporadas ao Sindpetro. Nomes como o de Antônio Jacinto Filho, José Péricles Couto Alves, Francisco Rinaldo Moreira, Moysés Bentes e Eduardo Davino também estavam à frente das lutas em 1964.

Autoridades sobre um tanque no Tabuleiro dos Martins em 1962. Da esquerda para a direita: advogado Ivanildo; advogado Durval Braga, secretário do Serdeste; engenheiro Paulo Vasconcelos; o comandante da PM; Lindonor Mota, chefe da Serdeste; representante do CNP; o chefe do serviço de pessoal, Luizinho; e o encarregado do serviço de transportes, Mozart, dentre outros

Alguns deste diretores foram presos nos primeiros dias após o golpe militar. Em seguida o Sindpetro sofreu intervenção e destituição de sua direção. A portaria de 7 de abril de 1964 sustentava tais medidas como necessárias para salvaguardar a segurança nacional. Os trabalhadores da Petrobras também perderam, provisoriamente, a estabilidade e a vitaliciedade.

Os diretores tiveram a prisão preventiva decretada no dia 27 de maio de 1964. Somente foram liberados no dia 23 de julho, quando foi publicado o relaxamento da detenção.

A maior punição veio no dia 30 de setembro de 1964, quando a empresa demitiu todos trabalhadores que se envolveram com o Sindpetro antes do golpe militar. Ficaram também proibidos de aparecer em qualquer dependência da Petrobras, sob pena de prisão.

Também foi atingido pela Ditadura o geólogo Lindonor Mota, que era o superintendente Nordeste da Petrobras durante a greve. Foi processado sob a acusação de ter ajudado os movimentos reivindicatórios do Sindpetro.

O Sindicato, sob intervenção, passou a ser gerido por Hélio Bezerra da Silva. Depois assumiu, ainda como interventor, Nelson Bezerra de Lima.

A partir de 1966, a entidade passou a ser presidida por Antônio Jacinto Filho, que, em 1968, mobilizou a categoria para reivindicar aumento salarial com a distribuição de panfletos e jornais.

Como punição, foi aposentado compulsoriamente em setembro do ano seguinte, tendo que se afastar do Sindicato. Em outubro foi denunciado à Auditoria da 7ª Região Militar pelo procurador Carlos Alberto Borges e incurso na Lei de Segurança Nacional por desenvolver atividades subversivas ao atacar violentamente o governo e pregar a greve. No julgamento em dezembro, Antônio Jacinto Filho foi absolvido por maioria de votos.

Eduardo Davino, no centro da foto, foi uma das mais destacadas lideranças dos petroleiros

A perseguição política e as ameaças adotadas pelo regime militar contra os petroleiros terminaram por neutralizar a combatividade adquirida nas lutas iniciais da categoria. Para piorar, com a diminuição das sondagens em Alagoas e a consequente redução de trabalhadores nas operações, o Sindpetro viu diminuir a sua base local.

Para o sindicalismo do petróleo alagoano, o golpe mais sério veio em 1969, quando o distrito operacional de Maceió foi transferido para Aracaju, em Sergipe. A Petrobras, que já operava o poço de Carmópolis desde 1963, conseguiu extrair petróleo da plataforma continental a partir de 1968.

Outro momento importante do sindicato ocorreu em 1999 com a realização do Congresso que unificou o Sindicato dos Petroleiros e o Sindicato dos Químicos, surgindo o Sindicato Unificado dos Trabalhadores Petroleiros, Químicos, Petroquímicos, Fertilizantes e Plásticos dos Estados de Alagoas & Sergipe.

O sindicato permaneceu, desde a sua fundação até hoje, atuando para impedir a quebra do monopólio estatal do petróleo e para que a Petrobras cumpra o seu papel indutor do desenvolvimento econômico do país.

1 Comentário on A saga do petróleo alagoano – Final – Trabalhadores e Sindicato

  1. Gervasio Moura da silva // 14 de outubro de 2020 em 18:28 //

    Agradeço a esses pioneiros que lutaram pelo nosso petróleo que mais tarde virou uma realidade. entrei na Petrobras em abril de 65, e ainda participei de encontros com Davino, divanilton, jacinto onde redigiamos panfletos contra o arrocho salarial foi dias de lutas. Parabéns pela publicação.

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