A Revolução de 1817 e sua repercussão em Alagoas

O povo não participou da revolução, segundo Craveiro Costa

Craveiro Costa

*Publicado no Diário da Manhã (PE) de 28 de setembro de 1930. Trecho do livro O Visconde de Sinimbu, então ainda no prelo.

Toda a gente está farta de saber que as ideias democráticas abrolharam no Brasil, principalmente em Pernambuco, semeadas por homens que haviam formado a sua mentalidade no Velho Mundo, por livros introduzidos clandestinamente na colônia e pelas associações políticas cautamente disfarçadas em inofensivos grêmios literários. Mas a propaganda ficou limitada aos círculos letrados nas cidades litorâneas. Não penetrou no sertão, não se difundiu na massa popular, ignorantíssima, presa da superstição da origem divina da realeza e esmagada pela compreensão das autoridades reinóis e dos senhores em seus latifúndios.

Nas cidades maiores, como Recife, havia uns tantos elementos de disseminação democrática: havia o livro, embora raro e privilégio de poucos; havia o espírito de associação, apesar dos rigores da vigilância policial; havia um certo sentimento cívico consequente dessa disseminação, que, aos poucos, se ia desenvolvendo. E se bem que tudo isso fosse ainda peças mal ajustadas da engrenagem social e política emergente, era contudo uma base.

Todavia, mesmo nos centros diretores da civilização colonial o derrame das teorias democráticas era restrito a meia dúzia de iniciados, mais letrados que homens de ação, que reuniam misteriosamente para comentar em comum as novidades volterianas e as notícias estardalhaçantes chegadas, de quando em quando das colônias espanholas empenhadas em lutas sangrentas pela independência.

João Craveiro Costa nasceu em 22 de janeiro de 1871, em Maceió

Sem o menor exame dos acontecimentos políticos e das condições sociais do meio, adotava-se a revolução, o processo extremo de forças, como recurso extremo e único para a conquista da emancipação colonial. Mas essa força, que serviria de base à revolução, não era a força emanada do povo, era a tropa. No Brasil, como em toda a América Hispânica, observa-o Oliveira Lima, falta povo. Existia a ralé, sem intervenção na vida política, para a qual as sutilezas diferenciais dos dois regimes — a colônia com o rei a sugar, insaciável, a riqueza proveniente da exploração aurífera e da cultura da terra, ou a autonomia colonial sem ele — não tinham importância. Escapavam à sua mentalidade. Quando muito essa ralé, que, para a demagogia, era o povo, aviltada pela servidão secular, marcada indelevelmente pela ignorância nas suas exteriorizações mais positivas de estupidez, mesmo dela excluindo a escravaria, que a legislação do reino equiparava ao gado, só podia ter uma ideia de autoridade, e era a que o rei emanava da divindade, e uma ideia da liberdade, aquela que dizia intimamente com os próprios instintos. A organização política da comunidade, por escapar à sua compreensão, não lhe podia interessar.

Mesmo em Recife os adeptos conscientes da independência não chegavam a centenas, Contavam-se algumas dezenas de homens entusiastas, de inteligência diretoras, formadas à europeia, nas universidades e nos claustros. Pelo interior da capitania e na comarca de Alagoas raros andavam em contato com os mistérios democráticos e os comentavam, a medo, em palestras íntimas, escapas do ouvidor de autoridades militares.

Falava-se a cada momento no povo, na liberdade do povo, nos direitos do povo, nos sagrados interesse do povo. Mas o povo era uma ficção, simples figura de retórica política empregada, como ainda hoje, talvez de boa-fé, na demagogia irrompente do espírito revolucionário francês, mal assimilado no país.

Demais, em Recife, nos seus centros literários de agitação revolucionária, nunca apareceu um caudilho a Bolívar, a San Martin, que soubesse insuflar na massa heterogênea de assalariados os próprios anseios naturais de liberdade individual, acedendo-lhe o espírito de revolta contra as detestáveis autoridades coloniais, aproveitando-lhe as disposições de ânimo e a aversão pela compressão de que era vítima.

Os homens que promoveram e realizaram a restauração de Pernambuco do domínio holandês, esses souberam interessar no pleito sangrento e glorioso a massa popular. Interessaram a plebe branca e mestiçada, despertando-lhe o sentimento religioso, em antagonismo radical com os invasores, mais esse sentimento que a diferença racial e idiomática. Interessaram o negro e interessaram o índio, pondo à frente das duas raças espoliadas dois chefes valorosos, dando-lhes a percepção clara da própria força. Dessa orientação superior, da inteligência organizadora do movimento em consórcio com a força inconsciente da massa popular, o êxito da reação, que podemos dizer nacionalista. E exatamente por isso a expulsão dos holandeses foi possível à revelia da metrópole.

Vista da Cidade Maurícia e Recife. Óleo sobre madeira de Frans Post, de 25 de agosto de 1657

Nas subsequentes convulsões políticas pernambucanas não houve essa preocupação. Agiram sempre isoladamente as elites.

Os chefes que promoveram a revolução de 1817 eram uns ideólogos, revolucionários de gabinete, embrenhados na metafísica das ideias novas, absolutamente incapazes de encabeçarem um movimento bastante forte e amplo para abater a metrópole.

Nos fastos da independência nacional, antes de José Bonifácio por em ação o seu oportunismo, só tivemos uma concepção prática da eficiência revolucionária. Foi a de José Joaquim da Maia, o estudante de Montpellier procurando interessar os Estados Unidos na autonomia do Brasil. E as razões desse apoio ela as deu lucidamente na sua carta a Tomas Jefferson. Fora desse plano só o de José Bonifácio forçaria Portugal a uma atitude de retraimento, levando-o à aceitação do fato consumado, embora com as compensações pecuniárias e comerciais que obteve.

Diz-se, por isso, que não conquistamos a nossa independência política; compramo-la. E seria rematada loucura querê-la com devotamento de sangue, expondo-nos à aventura de uma guerra, quando tínhamos à mão um elemento de primeira ordem, o príncipe D. Pedro, impulsivo e ambicioso de glórias, inteligentemente atraído à causa brasileira, esposando-se entusiasticamente, em desobediência formal ao pai e às Cortes. Desprezar esse elemento, escorraça-lo do nosso convívio e da nossa confiança, para atirar o Brasil desarmado aos azares de uma guerra com uma nação militarmente organizada, que poderia, em última hipótese, invocar o auxílio das armas britânicas, seria puro quixotismo.

Nenhuma das colônias americanas dispôs jamais de fator como esse. É mesmo caso único na história dos povos.

Na capitania de Pernambuco, não se nega, laborava o fogo de palha do despeito dos naturais contra o predomínio odioso dos lusitanos, senhores das melhores posições e detentores de fartos haveres granjeados na labuta comercial. O ressentimento era justíssimo e secular com repercussão nas camadas inferiores, não tanto pela supremacia da riqueza e da autoridade, antes pelo desprezo ostensivo e insultuoso do português pela mestiçagem brasileira, esquecido o reinol de que “mal cabia o preconceito com relação à progênie, quando não tinha servido para refrear os amores dos conquistadores”.

Duzentos anos antes, esse ressentimento do natural, então muitíssimo mais vivo, porque maiores eram as causas que o determinavam, impelira o mulato Calabar à sua gloriosa deserção.

Em 1817 a metrópole já havia abrandado os rigores da administração e o preconceito português declinara consideravelmente. A presença do rei no Brasil, a elevação da colônia a reino, equiparando-a politicamente a Portugal, trouxeram vantagens extraordinárias, de ordem econômica, de ordem política, e de ordem social. Era a independência implicitamente outorgada pela coroa portuguesa à sua colônia de ultramar.

Os cargos públicos já não eram vedados aos filhos do país. A esse tempo, observa Oliveira Martins, os homens mais ilustres de Portugal tinham nascido no Brasil. Anteriormente, o brasileiro “não passava de agricultor, frade, soldado e mesmo na milícia não subia do posto de tenente”. Em 1817, a situação era inteiramente diferente. A revolução pretendeu apenas precipitar um fato inevitável. Mas fê-lo sem inteligência, de súbito, por um pronunciamento meramente de quartel.

O exemplo das colônias espanholas não servira de lição aos orientadores da revolução. Na Argentina, por exemplo, a caudilhagem aproveitou habilmente as qualidades naturais e as disposições gaúchas, compreendendo, no dizer de Sarmiento, que “aquelas forças físicas tão desenvoltas, aquelas constituições espartanas, aquelas disposições guerreiras que se malbaratavam em punhaladas e talhos entre uns e outros, aquela desocupação romana a que só faltava um Campo de Marte para pôr-se em exercício, aquela antipatia à autoridade com quem vivia em luta contínua, tudo enfim encontrava o caminho para abrir passagem e sair à luz, entender-se, desenvolver-se”.

Os belos caudilhos das repúblicas espanholas atraíram essas forças poderosas de reação nacionalista, essas formidáveis disposições gaúchas, levantando-as contra a autoridade. E os movimentos, com essa base genuinamente popular, refluíram da campanha para a cidade.

Em Pernambuco, os chefes revolucionários não tiveram a preocupação do concurso popular. Limitaram a propaganda das ideias chamadas anárquicas à roda intelectual, de círculo reduzidíssimo, olhos fitos nos quarteis que a metrópole enchia de soldados para defende-la das veleidades democráticas ou separatistas.

O povo, em cujo nome se pregavam as reformas políticas, foi posto à margem. O isolamento, porém, tinha sua lógica. Eram precisamente os senhores quem organizavam a revolução para assegurarem o seu predomínio. Não podiam contar com o povo para a rebelião que iam realizar romanticamente. Quando muito algum potentado revolucionário, senhor de engenho e de escravos, tangeria para a frente a plebe inconsciente dos serviçais. Mas era a inconsciência. Por isso mesmo fracassaram os pronunciamentos pernambucanos de 1810, 1817 e 1824.

O povo não participou da revolução, segundo Craveiro Costa

Viera Dantas deu o seu apoio à revolta recifense, deliberado em torná-la eficiente.

Era, então, uma das figuras mais prestigiosas da comarca. Não se impusera à notoriedade e à estima de seus contemporâneos pela cultura oficial. Intelectualmente estava ele no nível da multidão de semiletrados que, por toda parte, saíam dos cursos primários com tinturas de latim, retórica e filosofia. O seu prestígio fora conquista do seu merecimento pessoal, das suas qualidades morais e da sua situação de independência.

Talvez não tivesse do fato político uma compreensão exata e não pesasse a gravidade das consequências. A tendência liberal do seu espírito arrastou-o.

Dando a sua solidariedade à insurreição pernambucana, pôs-se logo em campo procurando, ao lado do seu filho mais velho, Manoel Duarte Vieira Ferreira Ferro, e de sua própria esposa, mobilizar os que lhe estavam na dependência. Seus parentes e seus amigos foram convidados a uma concentração em S. Miguel.

Anna Lins, muito devotada à educação dos filhos, nem por isso desinteressava dos acontecimentos políticos que comoviam o país e se refletiam sempre na comarca. Acompanhou corajosamente o esposo. Não foi somente a companheira solícita e carinhosa de todas as horas e todas as emergências, foi uma colaboradora prestimosa e decidida da eficiência da solidariedade que o esposo empenhara naquele lance da independência nacional. Seu papel, nessa etapa dramática da vida do casal, foi acentuadamente viril. Nem uma outra mulher, na capitania, encarnou tão inteligentemente o espírito revolucionário.

Enquanto o marido procurava agir militarmente, esforçando-se em reunir elementos de ação, ela tomou a seu cargo a propaganda do ideal da revolução, apostolando-o de engenho em engenho, a estimular o préstimo dos amigos, a persuadir os receosos, a convencer os descrentes. Aos seus numerosos escravos prometeu alforria incondicional. Só se deteve na sua ânsia de proselitismo quando a defecção dos elementos, que ia reunindo, se pronunciou lastimavelmente.

Tem-se escrito umas tantas inverdades a cerca da atitude de Alagoas nesse episódio pernambucano. Tem-se atribuído à emancipação política da comarca, para constituir uma capitania independente, um galardão pela sua fidelidade à realeza, segundo Cândido Mendes, e um prêmio a sua felonia no dizer de Pereira da Costa. Essa emancipação, porém, a nosso ver, não foi sequer uma consequência lógica da insurreição separatista de 6 de março.

A emancipação dar-se-ia com a revolução ou sem ela.

Já tivemos ocasião de escrever, em nosso resumo didático HISTÓRIA DE ALAGOAS, que fatores econômicos e demográficos, operando o desenvolvimento da comarca, que se estendia por mais de um terço do território da capitania, haviam preparado o drama histórico da independência.

O decreto real, que lhe conferiu a prerrogativa de capitania, não deixa perceber, como também se tem dito, visar o governo o enfraquecimento de Pernambuco. Criava-se a capitania de Alagoas porque assim convinha “ao regimen deste reino e à prosperidade a que me proponho elevá-lo”, dizia el-rei. É provável que o enfraquecimento de Pernambuco, operando-se pela diminuição de seu território e de sua população, tivesse sido uma razão não expressa da criação da capitania de Alagoas. Mas não seria, não foi, a razão precípua do ato real. Porque, é óbvio, esse enfraquecimento efetuar-se-ia do mesmo modo, anexando-se a comarca de Alagoas à capitania da Bahia.

A emancipação era uma velha aspiração alagoana e, no mesmo ano da revolução, fora solicitada a el-rei pela câmara municipal de Maceió.

Completa o ciclo de formação geográfica, constituída uma sociedade independente, quase, da influência do Recife, depois da criação da comarca, fatores econômicos haviam dado ao território alagoano os elementos indispensáveis à sua autonomia. Muito anteriormente a 1817. Sodré Pereira, sugerindo ao governo de Lisboa, acentuara que muito mais importante era a comarca de Alagoas. À data da revolução, contavam-se no território alagoano oito vilas e a sua população seria de cem mil habitantes. O primeiro inquérito censitário presidido pelo ouvidor geral Ferreira Batalha, apurou 89.589 almas. Em 1819, dois anos após a emancipação, o segundo recenseamento contou 111.973 pessoas.

Eclesiasticamente, dividia-se o território em 10 freguesias. A sua indústria açucareira, base principal da sua economia e da riqueza de sua população, exercitava-se em cerca de 200 engenhos, sendo que só Porto Calvo, o maior centro açucareiro da capitania de Pernambuco, contava com cerca de 100 fábricas.

A vida agrícola prosperava ainda pela cultura do algodão, do fumo, da mandioca, de vários cereais. Havia uma intensa exploração da sua riqueza vegetal — madeiras de construção civil e naval, plantas resinosas e tintoriais, oleaginosas e têxtis. Seus campos pastoris povoavam-se de gado vário e eram fontes perenes de riqueza da população sertaneja. Seu comércio era vasto e próspero. Seus homens representativos da mesma mentalidade dos de Recife.

É concludente que com esses fatores de progresso material, social e político, a emancipação foi um fato natural.

Porto de Recife revelando sua decadência econômica no início do século XIX

Não consta que, para a sublevação de 6 de março, tivesse havido um entendimento prévio entre os próceres recifenses e os homens que representavam a força moral da comarca de Alagoas. A notícia do movimento republicano foi trazida pelo Padre Roma. O primeiro movimento foi de surpresa. Roma passou rapidamente pela comarca, lançando fagulhas revolucionárias e exagerando calculadamente a importância dos fatos. Seu fito era a Bahia, onde o esperava a delação levada ao Conde dos Arcos.

Confabulou apressadamente com o comandante das armas, tenente-coronel Antônio José Vitorino Borges da Fonseca, membro dos clubes secretos denominados Academia do Cabo e Academia do Paraíso, e entregou a sorte da revolução na comarca aturdida à dedicação e ao entusiasmo do seu correligionário.

Borges procurou atear o incêndio, lendo publicamente as proclamações e os decretos republicanos e interessando algumas autoridades na insurreição. Como todos tinham os acontecimentos como fatos consumados, as adesões surgiram por toda parte. E Borges, fora disso, limitou-se a entreter seus ardores patrióticos destruindo emblemas da realeza e tratando todo mundo por vós. Fez outra coisa Vitoriano Borges, ”pediu imediatamente à Bahia socorro de gente e munição, dirigindo-se oficialmente ao Conde dos Arcos em 14 de março para resistir“ ao movimento pernambucano, depõe o insuspeito Pereira da Costa, porque não pudera, na confusão do primeiro momento, distinguir se se tratava de “uma rebelião ou motim a que era preciso resistir”.

O Conde escreveu-lhe uma carta terrível. Dava-lhe a notícia das medidas militares já tomadas e do fuzilamento do Padre Roma; estranhava que ele, um militar, houvesse permitido que um simples clérigo introduzisse a anarquia na comarca; determinava que, empunhando a espada e a bandeira portuguesa, marchasse sem demora a reunir-se às tropas que estavam a chegar, sob o comando de Cogominho de Lacerda.

Borges apavorou-se e fugiu, deixando da sua deserção um documento vergonhoso.

A fuga de Borges e as notícias das providências tomadas de pronto pelo governador da Bahia foram água na fervura revolucionária. Um fato, entretanto, da maior importância, ocorria na comarca. O ouvidor geral Antonio José Ferreira Batalha achava-se em Atalaia à passagem do Padre Roma. Se estivesse presente, por certo tê-lo-ia prendido. Batalha era um homem de tempera forte, dominado pela energia e presteza vertiginosa de seus movimentos, senhor de si mesmo, dentro das fórmulas rígidas de sua autoridade. Como ele naquela hora trágica do domínio português, só o Conde dos Arcos.

O ouvidor soube dos acontecimentos por cartas de Vitoriano Borges, que lhe insinuava a aceitação do fato irremediável. Mandava-lhe proclamações e decretos revolucionários. Batalha interrompeu os seus trabalhos de correição, e principiou a agir como autoridade. Não consentiu a leitura dos atos revolucionários, procurou cercar-se de dedicações pessoais decisivas na emergência demonstrando a todos o absurdo da revolução, que vitoriosa seria o desmembramento do território nacional.

E partiu para a sede de sua comarca. Borges havia fugido. Batalha declarou a comarca desligada da jurisdição de Pernambuco e instituiu um governo regional provisório, de três membros — ele, o vigário Antonio Gomes Coelho e o tenente-coronel Francisco de Cerqueira e Silva.

O entusiasmo revolucionário, com a fuga de Borges, arrefecera; agora, as providências do magistrado completavam a reviravolta da opinião.

Já não era segredo para ninguém a atitude do Conde dos Arcos. A comarca toda sabia do fuzilamento do Padre Roma, da concentração de forças legais em Vila Nova, fronteira a Penedo, do bloqueio do Recife, da reunião de tropas em Maceió, Porto de Pedras e outros lugares. Era a contrarrevolução, contando com todos os elementos de reação material. Havia ainda a ameaça de devassas e sequestro… Toda gente logo percebeu a inutilidade de reação material. O ato do ouvidor declarando a comarca separada de Pernambuco, judiciária e administrativamente, seria a autonomia, que todos desejavam ardentemente.

Desaderiram todos, ou quase todos. Quase todos porque Vieira Dantas ficou firme no seu posto.

E que não tivessem concorrido para essa transformação de opinião a atitude de Batalha e as providências vertiginosas do Conde dos Arcos, o recuo dos alagoanos não seria para admirar, porque, em Pernambuco, as coisas não se passavam diferentemente. Quando os chefes mais graduados da revolução, reunidos no engenho Paulista, souberam da situação precária de Recife, cada qual buscou sua fuga, por matos e veredas, sob disfarces vários, a própria salvação. Só um homem não fugiu preferindo a morte, que buscou com as próprias mãos, o grande patriota padre João Ribeiro, a maior e mais gloriosa vítima de 1817.

Padre João Ribeiro é considerado como a maior e mais gloriosa vítima de 1817. Suicidou-se. Seu corpo foi desenterrado, esquartejado e sua cabeça exposta em praça pública

Em Alagoas, da fuga de Borges às providências do Conde dos Arcos, do ouvidor Batalha, tudo estava perdido.

Vieira Dantas, entretanto, conseguira alguns aderentes à causa revolucionária. Viriam todos, alguns antes arrastados pelo prestígio do caudilho que pela concepção política do movimento. O plano de concentração dos elementos com que contava o chefe alagoano não chegou a realizar-se. Nesse tempo as comunicações eram difíceis e penosas. As notícias que chegavam eram desanimadoras. As tropas legais vinham em caminho. Como enfrentá-las, se tudo faltava para a luta?

Como resistir ao ímpeto se o mais comprometido de todos fugira? Vieira Dantas, contudo, ficou inabalável. Não era homem de torcer a vertical de suas atitudes. Não se desdisse. Não podendo reagir de armas na mão e não podendo permanecer imprudentemente na boca do leão, que já havia engolido a diversos na comarca, pejando os cárceres da Bahia, tomou o caminho do sertão, que lhe era familiar, e no refúgio sertanejo se deixou ficar enquanto os homens mais comprometidos se prostravam aos pés da realeza.

Quando a anistia permitiu o seu regresso, Vieira Dantas voltou à sua propriedade agrícola.

Decorrido sete anos, ei-lo, de novo, à frente da Confederação do Equador, em Alagoas. Seu imenso prestígio arrastara a cumplicidade das populações circunvizinhas a S. Miguel dos Campos. Anadia, pela sua situação estratégica, foi o local escolhido para centro da rebelião na província.

1 Comentário on A Revolução de 1817 e sua repercussão em Alagoas

  1. Quem tiver interesse, pode acessar o referido material original digitalizado, disponibilizado na Coleção Digital de Jornais e Revistas da Biblioteca Nacional: memoria.bn.br/DocReader/093262_02/2603

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