A Perseverança e Auxílio dos Empregados no Comércio de Maceió
Félix Lima Júnior
*Publicado originalmente no Diário de Pernambuco de 10 de outubro de 1956.
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Maceió, setembro — Organizada e constituída por simples caixeiros, viveu, prosperou, venceu, graças ao trabalho, ao idealismo e a força de vontade de seus associados que, depois de permanecerem atrás dos balcões alheios, muitas vezes das 5 da manhã às 8 da noite, iam para a sede de sua associação de classe estudar e trabalhar pelo desenvolvimento da mesma.
Fundada em 3 de março de 1879, pelos srs. José Quirino Calaça Buril, Umbelino Vieira de Lima, Antônio Pereira Cortes Júnior, Romualdo da Silva Jucá, Manuel S. de Oliveira Nicodemos, Joaquim Carlos Maciel Pinheiro e Francisco J. Telles Júnior, e dispondo apenas de modestíssima renda, obtida das mensalidades dos que a compunham, mantinha sua sede irrepreensivelmente bem posta, com um museu comercial, sessão numismática, secretaria e biblioteca, com 2.530 volumes, então considerada a terceira do Estado.
O museu foi inaugurado em 16 de setembro de 1897 e nele se encontravam elementos de cerâmica indígena, produtos agrícolas, matérias-primas, armas e adornos dos indígenas brasileiros, artigos de tecelagem, da flora e da pequena indústria do nosso Estado, além de valiosa coleção de moedas, oferta do saudoso médico conterrâneo dr. Manuel Ramos de Araújo Pereira, então residente no Pilar, coleção que em 1902 era estimada em 60 contos de réis, segundo consta do Indicador Geral do Estado de Alagoas daquele ano, e que hoje deveria valer mais de 500.000 cruzeiros! Registro com tristeza, que da coleção aludida restam, apenas, algumas moedas das de menor valor; as demais desapareceram, inclusive as notas chinesas de valor incalculável, antiquíssimas, impressas em papel de arroz.
No museu, foram depositados os objetos do culto dos xangôs desta capital quando, em 1º de fevereiro de 1912, políticos exaltados e populares, à frente elementos da famigerada Liga dos Republicanos Combatentes, invadiram criminosa e barbaramente os terreiros e residências dos pais e mães de santo, espancando e ferindo pessoas, além de carregarem o que encontraram. Esses objetos, depois de devidamente arrumados, foram expostos à curiosidade popular em fins de 1912, registrando-se verdadeira romaria aos salões da Perseverança. Todos queriam vê-los! Abandonados naquela sociedade, se estragando, foram ultimamente entregues ao Instituto Histórico, por sugestão da Comissão de Folclore das Alagoas.
O museu, embora destinado à exibição de produtos do Estado, aceitava os das outras unidades da Federação. Era muito visitado e é de se lastimar tenha desaparecido, pois fazia gosto mostrá-lo aos visitantes, devendo ser registrado que em 1906, nele esteve o presidente eleito da República, dr. Afonso Pena, que se fez acompanhar de sua comitiva e do governador do Estado, dr. Euclides Malta, levando todos a melhor impressão.
Além do curso comercial manteve a Perseverança a Escola Musical Carlos Gomes e criou, embora não chegasse a funcionar, o Montepio dos Empregados no Comércio.
Em 25 de dezembro de 1905, realizou na Praça Pedro II, o Natal das crianças pobres, que em número de 257 se reuniram em torno de uma árvore simbólica, erguida no meio daquele logradouro, recebendo depois roupas e presentes. A festa começou às 10 horas e terminou às 20, na melhor ordem, falando o sr. Luiz Acioli, em nome da Perseverança, e o cônego Otávio Costa, então Cura da Sé.
Foi realizada, também, em 15 de novembro de 1905, uma exposição de trabalhos manuais, a primeira que se fez no Brasil. Ideia magnifica, obteve sucesso raro. No prédio do Liceu de Artes e Ofícios, durante três dias, foram apreciados trabalhos enviados por 457 expositores de Maceió e dos demais municípios do Estado. A metade da renda foi dedicada ao Natal das crianças pobres.
A biblioteca e a sala de leitura eram franqueadas ao público, que podia ler jornais e revistas não somente do Brasil e da Europa, como de regiões longínquas, como Costa Rica, Timor, Guiana Inglesa, Salvador, etc.
Trabalhava-se na Perseverança com entusiasmo incomum. Em 1906 foram realizadas 14 conferências públicas muito concorridas, tendo sido iniciadas em 8 de abril. Craveiro Costa falou sobre O jornal; Alves de Amorim sobre A casa; Luiz Acioli sobre O pão; Marcionilo Maciel sobre A árvore; Fernandes Tavares sobre O beijo; Sinfronio Magalhães sobre O homem; Carlos Araújo sobre A cabeça.
Que diferença dos dias que correm, quando só se pensa em futebol!
Foram os rapazes da Perseverança que, em memorável campanha, conseguiram que o comércio fechasse as portas às 18 horas. O Correio Mercantil em seu nº 10, de 4 de novembro de 1894, reclamava contra certos negociantes que, além de prenderem os empregados diariamente até altas horas da noite, conservavam os mesmos trabalhando, arrumando, aos domingos, até 4 e 5 horas da tarde, e terminava indagando: “em que horas ou em que dias poderão eles ir à missa, cortar o cabelo, tomar banho?”.
Em 1906, a Diretoria era assim constituída: Torquato Cabral, Pedro de Souza Cotrim, Liberalino Mota, Paulino Santiago, Arthur Carvalho, Francisco César Pinto, F. Avelino Cabral, Alfredo Lima, Otaviano Nobre, Antônio Souza Almeida, Alfredo Pereira Rêgo e José Pereira dos Santos. Vivem apenas três: Paulino, César Pinto e Alfredo Lima.
A sede era um velho sobrado, ainda de pé, na Praça Dom Pedro II, nos fundos do antigo Palácio Velho, pertencente ao os herdeiros do Barão de Jaraguá. Ali esteve até que se mudou, na segunda década deste século, para o prédio construído especialmente e onde hoje está, à Rua João Pessoa, transformada no Sindicato dos Empregados no Comércio.
Tendo falecido, vitimado pela varíola o presidente Torquato Cabral, assumiu o cargo o sr. Arthur Carvalho. Logo depois morreu, em 27 de janeiro de 1910, o coronel Pedro de Araújo Lima, que em seu testamento deixou para a Perseverança 20 contos de réis, sendo pagos ao Estado 5:000$000 de impostos de transmissão. Foi então adquirida, por 4:000$000, uma velha casa à Rua do Comércio, onde estão negociando hoje Gonçalves, Luz & Cia Ltda. Iniciada a construção, Oliveira Lima & Cia., que havia liquidado seu estabelecimento de tecidos no Pilar e se transferindo para a Rua Sá e Albuquerque, compraram o terreno à Perseverança por 20:000$000. Adquiriu-se então, ao dr. Demócrito Gracindo, por 10:000$000, o terreno da então Rua 15 de novembro. O presidente era Arthur e tesoureiro o Alfredo Lima.
Quem construiu o prédio, verdadeiro palacete que honra a cidade, foi o conhecido mestre de obra João Sapatinho (João Justino Leite). Comprou-se tijolo a 18$000 posto na obra, cal a 700 réis o saco, cimento a 8$000 a saca de 120 quilos, areia e barro a 500 réis a carroçada… Engenheiro foi o Lucariny.
Bento Valença substituiu Artur Carvalho e acabou o prédio no qual se gastou cerca de 30 contos. Conseguiu ele que o governador Batista Acioli mandasse devolver os 5:000$000 de impostos pagos quando do recebimento da importância deixada pelo coronel Pedro Lima.
Muito deve a Perseverança aos drs. Manoel Ramos e Jonas Montenegro; e ao dr. Eusebio Francisco de Andrade, deputado federal, que obteve subvenções. Todos foram eleitos sócios beneméritos.
Jacinto Corrêa de Almeida, porteiro da Delegacia Fiscal do Tesouro Nacional, era contínuo da Perseverança, a qual se dedicou inteiramente. Era funcionário exemplar.
Certa noite, nos primeiros anos deste século XX, o povo andava pelas ruas em passeata, creio que para protestar contra o pagamento de 2 por cento, ouro para as obras do porto. Depois de terem falado, em diversos pontos, oradores entusiastas, principalmente em frente às redações dos jornais, houve quem sugerisse uma manifestação à Perseverança. Rumou a multidão à Praça Dom Pedro II e lá permaneceu em frente ao sobrado-sede, vivando, aclamando a sociedade sem que aparecesse alguém para agradecer. Infelizmente não estavam presentes os diretores ou um sócio qualquer. Jacinto não se conteve: assomou a janela, fez um discurso, não sei como e nem de que modo, mas vibrante e sincero, embora em português de negra da costa, ele que era um homem de poucas letras, agradecendo a manifestação e se solidarizando com o povo.
Na Perseverança estão ainda valiosos quadros de Míriam Lima, Carlos Leão Xavier da Costa, Marina Costa e Virgílio Maurício, além da maquete em gesso de parte do monumento a Floriano, erguido em frente ao Teatro Municipal, no Rio de Janeiro.
A última festa notável que se realizou em sua sede foi a das cores, promovida, com grande sucesso, pelos rapazes da Academia Guimarães Passos, nos fins da segunda década deste século.
Muito bom as matérias do companheiro .
Muito grato, prezado Ticianeli, pela publicação desta matéria. Tempos idos e vividos…
Muito interessante, como no começo de Maceió as pessoas tinham um compromisso de colaborar financeiramente com os comerciantes da época.
Muito bom o texto e fotos.