A lenda do tesouro do Poço da Caldeira no Pilar
Narrada por Olímpio Euzébio de Arroxelas Galvão e publicada no Almanak Histórico de Lembranças Brasileiras (MA), edição de 1862 a 1868.
***
Poço da Caldeira
Assim é conhecido certo lugar do rio Paraíba que despeja na lagoa Manguaba, vulgo do Sul, (província das Alagoas) em terras do Engenho Novo, propriedade do Sr. Ernesto Lopes Rodrigues, a uma légua da vila do Pilar.
É um dos lugares mais fundos do rio, a que poucos hão descido e sobre o qual existe uma velha tradição conservada pelos respectivos moradores, que receberam-na de seus maiores. Ouvia-a por muitas vezes e ultimamente da boca do honrado senhor do engenho: é um conto verdadeiramente fabuloso, que não deixa de divertir o espirito jovial e curioso do leitor.
Chama-se Poço da Caldeira porque se disse sempre, de tempos imemoriais, que nesse lugar (outrora assaz profundo) do rio acha-se misteriosamente depositada uma grande caldeira de ferro contendo imenso e incalculável tesouro não só de antigas moedas de ouro e prata, como de barras destes metais, de diamantes, brilhantes e infinitas joias preciosas; e que essa caldeira (acrescenta a tradição) foi propriedade de muitos holandeses ricos, habitantes, desde princípio até meado do século XVII, daquelas paragens e outras acima, os quais, sendo perseguidos e expulsos pelas armas vitoriosas dos portugueses de então, fugiam em direção ao mar para tratarem de sair do Brasil, levando consigo todas as grandes riquezas, que os opulentos batavos possuíam, as quais iam numa caldeira arrastada por formidáveis correntes, juntas de animais; e vendo que lhes era impossível conservar o tesouro não só pela dificuldade do transporte, como pelo atropelo e pressa, com que os luso-brasileiros os forçavam a sair do território, lançaram a montanha de riquezas no fundo poço do Paraíba, lugar bem conhecido deles, para que seus inimigos em tempo algum pudessem gozá-la.
Esta é a lenda tradicional; em outra parte verá o leitor o que se conta a respeito d’uma tentativa feita para arrancar-se o fabuloso tesouro holandês, que talvez só ache rival no célebre [romance] de Monte-Cristo.
Recife — 1863.
Dr. Olímpio Euzébio de Arroxelas Galvão.
***
Ainda o Poço da Caldeira
Em aditamento ao que foi dito sobre a lenda do Poço da Caldeira do Paraíba (das Alagoas) estamparemos aqui a segunda, não menos interessante, parte do tesouro enterrado.
Diz-se que, em um dos primeiros anos do século atual [XIX], o então proprietário do Engenho Novo muito preocupou-se com a ideia do assombroso tesouro do poço, e tentou levar a efeito um projeto para descobri-lo e arrancá-lo do rio.
Houve quem, à esforços do senhor do Engenho, se atrevesse a mergulhar, chegando-se pouco à pouco ao descobrimento da sonhada caldeira, pois que ousados caboclos peritos no exercício de mergulhar e nadar foram ao fundo do poço e atestaram a existência da caldeira com traves de ferro na boca, por entre as quais se via o montão de objetos que continha, e grossas, longas correntes do mesmo metal, que naturalmente serviam para transportá-la.
O proprietário necessitando de cooperação convidou os vizinhos a quem foi proposta a empresa, para a qual se assinou um dia solene, em que todos os moradores e fábricas tomariam parte na aparatosa festa.
Seguiram-se belas promessas aos Santos e sobretudo a Nossa Senhora da Conceição (invocação da capela do engenho), entre as quais um digno e decente templo em memória do milagre, assim como uma parte da riqueza seria aplicada a obras e objetos pios: em suma, metade do tesouro para Nossa Senhora, e outra para ser dividida proporcionalmente pelos empresários.
No dia aprazado pela manhã aberta a capela, dita a missa, feitas diversas cerimônias religiosas entre as quais uma procissão, exposição da imagem, etc., pôs-se mãos à obra, e descidos os competentes mergulhadores conseguiram trazer as pesadas correntes, que foram agarradas às alavancas e cambões especialmente feitos, os quais tinham de ser movidos por um número extraordinário de juntas de bois e é tão fabuloso o número, que me deram, que tenho até escrúpulo de repeti-lo, guiadas cada uma por hábil e destro carreiro.
Abalou finalmente o préstito bovino custando muito a mudar as passadas — o que bem indicava o peso da caldeira —: não é necessário dizer aqui os vivas e estrepitosa alegria que houve: depois de muitas horas de trabalho e cansaço divisou-se a figura sombria da bojuda caldeira, que aparecendo quase à tona d’água foi visitada pela sôfrega mão do impaciente proprietário (chefe da empresa) que ainda chegou a tirar uma barra de ouro e um castiçal de prata pesado, provas robustas da abundância em que breve iriam todos nadar.
Nessa ocasião não podendo conter-se o contentíssimo avarento senhor exclamou no êxtase de ambiciosa alegria:—“Virgem Santíssima! por quem sois, ajudai-nos acabar de puxar para terra esta caldeira, que nós vos daremos, até se for preciso, um conto de réis (!!!)” — Palavras não foram ditas quando, por um fato maravilhoso (que de então até hoje só se explica como divino castigo a cobiça cega do rico senhor de engenho) as imensas correntes, que estavam de todo vencidas, desprenderam-se da encantada caldeira, caindo com horrível e pavoroso estampido nos abismos do poço, em cujo seio jaz ainda!
Tentativas posteriores se fizeram, mas em balde: e nem há mais quem dê notícia da famosa caldeira, que supõe-se ter entranhado consideravelmente na areia.
Que assumpto para os romancistas e poetas.
Recife. – 1803.
Dr. Olímpio Eduardo de Arroxellas Galvão.
Nos engenhos de todo o Nordeste se contavam histórias que impressionavam os ávidos em ficar rico de uma hora para outra.
Lagoa Vermelha e Santa Cruz, dois engenhos em São Luiz do Quitunde, eram de propriedade da firma Maia Nobre & Irmão. Cada um tinha sua história do que chamávamos *botija* (tesouro enterrado), um no patamar da escada da Casa Grande do Santa Cruz e o outro no fundo de um remanso do Rio Jitituba onde, em determinado lugar muito fundo, o leito do rio era coberto de pranchões de madeira! Um cunhado, primo de meu pai, com auxílio de bomba quis esvaziar o tal remanso. Não conseguiu e o tesouro deve estar ainda por lá!
PS Engenho Novo era de propriedade do Dr. Afrânio Lages
História interessante início sec XIX e curiosa. Comparando aquela da cidade de Maragogi que também acharam numa escavação em uma rua (que não sei se e da mesma época). Isso alimenta o imaginário popular. Para mim é uma novidade