A jangada do norte em 1942
Publicado na revista O Campo, Rio de Janeiro, de setembro de 1942
![Jangada em 1942](https://i0.wp.com/www.historiadealagoas.com.br/wp-content/uploads/2018/08/Jangada-em-1942-e1534339647353.jpg?resize=820%2C410&ssl=1)
Os que têm viajado pelas costas setentrionais do Brasil, principalmente entre Alagoas e Ceará, devem ter tido ocasião de observar esse primitivo meio de transporte marítimo, de que se servem dos modestos habitantes daquela região litorânea e que pode ser caracterizada como a mais simples e a mais rudimentar de todas as construções feitas com destino ao mar no serviço da navegação de pequeno curso.
Essa curiosa espécie de balsa, mais propriamente denominada jangada, é feita pelos próprios pescadores que dela se utilizam nos mares para os misteres da pesca e de transporte de passageiros e de cargas.
Ela muito se assemelha às simples balsas feitas pelos habitantes das praias banhadas pelas águas do mar caribidiano.
Por ocasião da campanha em prol da libertação dos escravos foi o Ceará o grande baluarte dos propagandistas de tão santa causa e o intrépido jangadeiro Nascimento constituiu-se o almirante da heroica frota no serviço humanitário de transportar para plagas ignotas todos os escravizados que conseguiam escapar ao férreo jugo do senhorio.
No seu delirante entusiasmo ele transportou como um troféu de glórias até a nossa grandiosa baía [baía da Guanabara] a sua veleira jangada a qual singrou águas fluminenses sob os aplausos de uma legião de admiradores.
As jangadas são geralmente feitas de barrotes ou antes de toros de uma árvore especial que tem a denominação local de madeira de jangada. O seu nome científico é Heliocorpus americanus, que nada significa nem quanto à madeira nem quanto ao uso a se destina.
A árvore tem afinidades íntimas com a tília [planta medicinal], guardando com ela uma estrutura similar, sendo mais leve e relativamente mais tenra. Ela é quase tão tenra como certas variedades de madeiras que presentemente são muito utilizadas na confecção de salva-vidas e outros artefatos que exigem grande poder de flutuação.
A árvore é muito comum ao longo das costas marítimas, naquelas atingem de 8 a 10 polegadas de diâmetro na base e de 10 a 18 pés de comprimento. Depois de completamente secos ao ar e preparados, são os toros até 6 ou 8 atados uns aos outros por meio de cipós que são a amarra material mais comum e preferida não somente porque resistem por mais tempo a ação dos ventos e das intempéries, como também por serem encontrados com grande facilidade.
Na construção da jangada o toro mais perfeito é colocado no centro e a este um outro é amarrado de cada lado e outros a esses se vêm ajuntar até completar o número necessário.
O toro médio serve de centro ou suporte para os outros, sendo, entretanto, todos eles amarrados e algumas vezes atravessados no sentido transversal por um espigão também de madeira, formando sistema e dando ao conjunto uma grande rigidez.
Um grosso mastro é firmemente adaptado, penetrando no orifício central de um banco adrede construído no meio da embarcação, a ele ficando presa uma cela.
Assim preparada está a jangada em condições de navegar, podendo fazer muitas milhas sem grande risco, porquanto por sua forma ela facilmente resiste ao volume e ao embate das ondas.
Em regra dois homens são os tripulantes do barco. No mar crespo faz-se necessário que um o dirija e outro o auxilie. No mar de bonanças a jangada quase que dispensa esses cuidados.
Quando não sopra vento favorável (de feição como é costume dizer em linguagem própria) para impelir a jangada para a frente um homem toma do remo e vai assim impulsionando-a, sempre assobiando para chamar o vento, como é crença entre eles, ao passo que o outro faz o governo do leme.
Durante o tempo em que se acham no mar embarcados em suas jangadas, esses homens são em geral obrigados a ficar de pé, o que acontece por longas horas, sendo de contínuo lavados pelas ondas por ocasião de agitar-se o mar.
A superfície da jangada é plana e horizontal em relação à do oceano. Acontece muitas vezes, em dias de procela, devido às fortes rajadas de vento, serem os tripulantes precipitados ao mar e até devorados por peixes vorazes, que em geral seguem a esteira do barco.
As jangadas que se destinam a viagens mais longas dispõem de um material completo, embora primitivo, para o serviço de provisão tal como: cabaça para água, cesta para farinha, botelha para aguardente, etc. etc., tudo isso pendurado em uma forqueta situada na parte posterior da jangada e próxima do banco do homem do leme.
Prezado Ticianelli,
Mais uma vez, parabéns pela publicação das páginas da História de Alagoas.
Abraços,
Claudio Ribeiro – C. Abreu, RJ.
Alagoano de Fernão Velho