A guerrilha de Pariconha
O início dos anos da década de 1960 foi marcado por intensa mobilização dos trabalhadores rurais no Nordeste, principalmente em Pernambuco, onde Francisco Julião liderava um amplo movimento de organização dos camponeses.
Em Alagoas, a formação de sindicatos rurais e cooperativas também acontecia, mas com a particularidade de exporem a disputa entre as organizações da Igreja Católica e os partidos de esquerda.
Em Água Branca, foi José Novaes, uma liderança vinculada à Ação Católica e ao Movimento de Educação de Base – MEB, quem deu os primeiros passos para a organização sindical, ainda em 1962, com a criação de uma Congregação Mariana no povoado de Pariconha.
José Correia, uma das lideranças que participou desse movimento, relatou que foi o próprio padre que estimulou a formação do sindicato, ainda em 1962. “Um belo dia, o padre chegou e disse: a vontade de vocês é criar o sindicato? O Julião está criando sindicato aí, a zona da mata de Alagoas; é um comunista. É bom que a gente crie antes que ele crie“.
Fundado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Água Branca, logo se fortaleceu ao liderar seus representados nos embates com o poder político e econômico dominante no município.
Da mesma forma foi criada a Cooperativa, outra conquista importante dos pequenos produtores rurais da Região.
Após o Golpe Militar de 1964, os setores da Igreja mais ligados aos movimentos sociais iniciaram uma discussão política que evoluiu para a organização da Ação Popular – AP. Como consequência, o trabalho social também passou a ter forte conotação política.
Em 1968, a direção nacional da AP adotou o chamado Esquema dos Seis Pontos, que abraçava algumas experiências da Revolução Cultural chinesa, entre elas a política de Integração na produção, levando a maioria dos militantes a trabalhar em fábricas ou no campo.
Aldo Arantes, um dos dirigentes nacional da AP, foi transferido para Pariconha, um distrito de Água Branca em Alagoas, para instalar e dirigir a Escola de Formação Político-Militar de Quadros Camponeses. Com o codinome de Roberto Ferreira, trouxe sua companheira e também militante, Maria Auxiliadora da Cunha Arantes, a Dodora, além dos seus dois filhos, André e Priscila.
Em Pariconha já se encontrava outro dirigente da AP, Gilberto Franco Teixeira, o Juarez Johandues Etcheverria, também acompanhado pela esposa Rosemary Reis Teixeira, a Rosa Maria dos Santos e sua filha Rita. Eles chegaram ainda em 1967. Juarez legalmente era o contador da Cooperativa.
Enquanto Aldo Arantes e Gilberto Franco cuidavam da Escola de Quadros e dos treinamentos militares, mesmo que utilizando equipamentos rudimentares, Dodora e Rosa davam aula de alfabetização pelo método Paulo Freire. O trabalho político tinha a participação das lideranças locais, que além de Zé Novaes contava com os irmãos Correia: Zé, Geuza, Josué e Jaime.
As prisões
Em plena campanha eleitoral para eleições municipais, que ocorreriam no dia 15 de novembro de 1968, o governador Lamenha Filho participou de um comício em Pariconha. Com a praça cheia de camponeses, muitos deles mobilizados pela AP, Gilberto interrompeu o governador e denunciou a situação de miséria em que viviam os moradores daquela região.
Lamenha não conseguiu mais falar por causa das vaias e convidou Gilberto para subir no palanque. Ele não aceitou e as vaias continuaram. A polícia cercou Gilberto com a clara intenção de prendê-lo, mas os camponeses criaram um cordão de proteção, impedindo a prisão. Esse episódio chamou a atenção da polícia, que passou a vigiar os movimentos do grupo.
Com a adoção do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, a polícia passou a ter poderes ilimitados. Como o episódio de Pariconha ainda estava sob investigação, o AI 5 veio para facilitar a ação ilegal do Estado, que resolveu prender todos os envolvidos na manifestação contra o governador.
Poucos dias depois, dezenas de trabalhadores rurais foram presos em Pariconha. Destes, Zé Novaes, Zé Correia (era o presidentes do Sindicato) e Josué Correia foram transferidos para a DOPSE em Maceió.
Quando aconteceram estas primeiras prisões, Aldo e Gilberto estavam viajando e só foram detidos quando voltaram a Pariconha e fizeram contato com suas esposas no dia 24 de dezembro de 1968. Foram também presos Aldo Arantes, Gilberto Franco, Dodora, Rosa e as crianças. Tudo indica que foi montada uma armadilha para eles.
Aldo Arantes e Josué Correia confirmaram que Gilberto foi levado ao Riacho Salgadinho onde sofreu torturas, incluindo a simulação de afogamento. José Correia também informou que foi torturado. Em um interrogatório, o coronel Adauto derrubou o conteúdo de um cachimbo aceso na sua cabeça, quando ele estava imobilizado por algemas.
Mesmo com as torturas, a polícia não sabia da verdadeira identidade de Aldo Arantes e de Gilberto Franco. As acusações eram por atos subversivos em Pariconha, principalmente a panfletagem e posse de jornais que pregavam a revolução comunista.
Após as prisões, em dezembro, o processo contra os presos de Pariconha se arrastou sem nenhuma investigação mais séria até o dia 11 de março de 1969, quando o procurador militar Francisco de Paula Acioli, em Recife, requereu a prorrogação das prisões preventivas.
Antes, ele já tinha devolvido o inquérito à polícia alagoana para que fossem realizadas novas diligências, mas sem resultados, “devido à dificuldade que, por certo, têm encontrado”. No dia 13 de março o pedido foi aceito pelo Conselho Permanente de Justiça do Exército.
O sumário de culpa foi concluído no final de maio de 1969 e no dia 19 de junho o Conselho condenou Roberto Ferreira (Aldo Arantes) e Juarez Etcheverria (Gilberto Franco) a seis meses de prisão cada. A mesma decisão absolveu todos os outros processados. O procurador militar Carlos Alberto Borges, ao fazer a denúncia, identificou que Roberto Ferreira, Juarez Echeveria, Maria Auxiliadora e Rosa de Oliveira não eram trabalhadores rurais.
A fuga de Aldo Arantes e Gilberto Franco
Mesmo considerando que era uma pena razoavelmente curta, Aldo Arantes, Gilberto Franco e a AP avaliaram que as verdadeiras identidades dos dois dirigentes poderiam ser descobertas a qualquer momento, e que era recomendado que eles tentassem a fuga.
O planejamento e a coordenação da operação foram realizados por João Batista Franco Drummond, dirigente regional da AP no Nordeste. O momento escolhido foi uma noite de domingo, após um jogo de futebol entre CSA e CRB, quando se esperava que a guarda da Delegacia de Ordem Política, Social e Econômica (DOPSE), na Rua Cincinato Pinto, ficasse reduzida, como de fato aconteceu.
No plano de fuga constava a mistura de sonífero no café dos guardas. Aldo recorda que dois deles tomaram, mas o plantonista se negou a beber. Na hora marcada, às 3h30 da madrugada, o policial, mesmo sem tomar o sonífero, dormia sobre a escrivaninha da portaria.
Com muito cuidado, Gilberto foi o primeiro a passar por ele, mas quando chegou à porta policiais da Delegacia de Roubos e Furtos, que ficava do outro lado da rua, gritaram alertando que estava ocorrendo a fuga.
Gilberto correu e Aldo, que vinha logo atrás, ao ouvir que o guarda havia acordado e derrubado a escrivaninha, também tentou correr, mas caiu duas vezes. O policial sacou o revólver, apontou para o Aldo caído, mas não atirou.
Poucos metros adiante, na esquina, estava o carro de José Rocha e um apoio armado. Nervoso, Rocha ainda demorou para ligar o carro. O destino deles era uma casa, também no Centro da cidade, que funcionaria como esconderijo. Quando chegaram ao endereço, ninguém abriu a porta do imóvel.
Com as sirenes da polícia já sendo ouvidas, dispensaram o carro da fuga e pegaram um táxi. Comportando-se como bêbados, foram para outra casa, que tinha sido usado para o planejamento da fuga, onde ficaram por dois dias.
Depois de terem os cabelos tingidos por uma companheira, com resultados ruins — Aldo avaliou que chamava mais a atenção do que se tivessem ficado sem o disfarce —, foram colocados na mala do carro do médico José Rocha, que os levou até Recife.
Aldo Arantes, em depoimento, recordou do nome dos outros militantes que contribuíram para a fuga: Macileia, Maria Alba Correia, Lécio Antônio Mendonça de Morais, Raul Pinto Paes, Jorge Morais, Maria Guadalupe e Marcelo Lavenère.
Fontes:
– Serra dos Perigosos, de Amaro Hélio Leite da Silva;
– Alma em Fogo, de Aldo Arantes;
– Depoimentos de José, Josué e Jaime Correia.
– Diário de Pernambuco de 12 e 14 de março, 29 de maio e 20 de junho de 1969.
Pariconha é um marco na história de resistência camponesa. Fico feliz em poder ter contato com Jaime correia, Zé correia e muitos outros camponeses da epoca, que tinham a sua identidade indígena oculta, e ainda lutam bravamente como indígenas Jiripancó, Katokinn e Karuazu.
Tenho muito orgulho de ter participado desse movimento com meus irmãos, e todos esses companheiros; nessa luta contra a ditadura e todo seu abuso de poder.
tenho muito orgulho de saber que pessoas que tenho muita estima fizeram parte da historia
Sinto orgulho de fazer parte dessa família, apesar de na ocasião ainda ser criança, já tinha conhecimento de patriotismo e defender os direitos do povo contra exploração
Tenho muito orgulho de fazer parte dessa família maravilhosa,amo meu pai Jaime Correia meu guerreiro .
Tenho orgulho de ter conhecido estes guerreiros e ser cunhado de José Correia e Jaime Correia (in memória) como também lembranças deste comissio do governador Lamenha Filho, pois mesmo criança eu também estava presente.