A “gloriosa” Guarda Nacional

Soldados do 4° Batalhão de Artilharia da Guarda Nacional em serviço durante a Revolta da Armada, em 1894

Félix Lima Júnior

*Publicado no Diário de Pernambuco de 31 de maio de 1953. Título original: A Guarda Nacional

MACEIÓ, abril — N’”O Cruzeiro”, de 29 de novembro passado, vi a fotografia do sr. Venâncio Santiago, fardado de coronel da extinta Guarda Nacional, saudando a sra. Matarazzo, de São Paulo, na festa em que foi concedida a Ordem do Vaqueiro à sra. Elsa Schiaparelli, costureira parisiense.

Lembrei-me então da milícia que a Regência, em 18 de agosto de 1831, — forçada pelas circunstâncias, quando o império parecia ir se fragmentar em republiquetas de terceira ordem, como acontecera com a América Espanhola — criou para substituir as antigas Ordenanças que vinham do Brasil-Colônia e do Reino-Unido.

Primeiros uniformes da Guarda Nacional

Sua missão era auxiliar o Exército, defender a independência, a integridade e a constituição do Império, manter a ordem, o respeito às leis, fiscalizar a fronteira e a orla marítima. Para isso foram criados batalhões e regimentos em todos os municípios do país, subordinados ao Ministério da Justiça e aos presidentes de Províncias.

Bateu-se no Rio Grande do Sul em 1858; em 1865, ao iniciar-se a luta com o Paraguai, foi mobilizada pelo decreto 3.383, seguindo parte para o campo de batalha, enquanto o restante substituía, nas capitais e nas cidades, as forças policiais que, transformadas em batalhões de Voluntários da Pátria, tinham ido enfrentar os guaranis de Lopez; em 1893 apoiou Floriano, defendendo Niterói, atacada pelos marinheiros revoltados de Custódio de Melo; lutou em Canudos com os sertanejos do Conselheiro. Ao lado das forças do Exército e da Marinha, dos tiros de guerra que iam surgindo, formou, pela última vez, no Rio de Janeiro, em 7 de setembro de 1911, quando se comemorava a independência do Brasil.

A Guarda Nacional foi instituída por iniciativa do ministro Diogo Antônio Feijó, em 1831

A briosa… A Guarda não sois nada… Idealizada pelo enérgico padre Feijó passou a ser, apenas, nesse século [XX], mera fonte de rendas para o Tesouro Nacional que recebia emolumentos das patentes distribuídas a torto e a direita, umas em pagamentos de serviços eleitorais, para que ricos proprietários ostentassem importância, substituindo os barões da Monarquia, coronéis prestigiosos e chefes políticos; outras para satisfazer a vaidade e o desejo de exibição de pequenos funcionários e comerciantes que queriam carregar uma espada e ostentar galões, embora muitos não soubessem dar meia volta, os da infantaria, nunca tivessem montado, outros da cavalaria, e jamais tivessem visto um canhão ou um obuzeiro os designados para a artilharia…

Edu Bleugher no seu artigo “Patriotismo à moda da casa”, na Gazeta de Alagoas de 22 de março passado, relembrou um dos batalhões da briosa, aqui aquartelado nos primeiros meses de 1865, isso porque o comandante, cabra escovado, passado três vezes na casca do angico, prometeu aos oficiais e soldados que eles não iriam ver de frente, nos pântanos da terra infeliz do dr. Francia, os rudes soldados do Marechal Lopez; viajariam ao Rio, à Corte, afirmou, apenas para dar guarda à S. M. o sr. Dom Pedro II…

Na véspera do embarque, o vapor apitando em Jaraguá, o comandante, a título de despedida, fez desfilar os futuros heróis pelas ruas principais e ao recolher, na porta do quartel, pronunciou inflamado discurso apelando para que os comandos, no campo de batalha, honrassem o nome da província de Alagoas. Foi a conta! No outro dia, pela madrugada, nem o corneta surgiu para tocar alvorada, não apareceu sequer um dos bravos: todos tinham desertado, do major fiscal ao último soldado raso… Quando se proclamou a República creio que ainda havia gente escondida nas caatingas de Paulo Afonso, nas grutas de Jacuípe, nas matas de São Miguel e do alto Camaragibe…

Embarque da Guarda Nacional para o Paraguai em 1865

Aliás, não foi somente em Alagoas que se registrou tão brilhante prova de patriotismo e valentia. Conta Taunay, em suas memórias, que as forças que iam invadir o Paraguai pelo norte chegaram a Uberaba em 18 de julho de 1865, devendo receber, naquela cidade, importante contingente da Guarda Nacional de Minas Gerais.

Antes da chegada das tropas conseguiram aquartelar 120 Guardas e os jornais de Ouro Preto já os qualificavam de legítimos heróis, somente por se terem apresentado… Aproximando-se porém, as forças comandadas pelo coronel Drago, foram desertando os bravos mineiros e no dia em que as tropas desfilaram com seus 12 canhões La Hitte fugiram mais de vinte, ficando apenas vinte e cinco que as autoridades, indignadas, envergonhadas, prenderam no quartel, incomunicáveis, medida que não deu resultado, pois também deram às de vila Diogo, levando fardamento, fuzis, cantinas, utensílios e campanha, o diabo!

Ficaram dois, para honra da firma: o capitão Raimundo Desgenes, cirurgião, francês de nascimento, e um cabo reformado que combatera nas fronteiras do sul e tinha o apelido pitoresco de 3 contra 14; esse seguiu com as forças e provou, em combate, ser realmente homem de coragem.

***

Estávamos em 1919, na pacífica capital alagoana. Quem é que se lembrava da Guarda Nacional, a não ser algum ingênuo ou vaidoso que tinha farda e saía a exibir, tolamente, nos domingos e feriados, sendo alvo de pilhérias e brigando com soldados da polícia ou do Exército que não lhe faziam continência? Quem se lembrava de uma instituição condenada à morte, pois o governo da República não mais expedia patentes?

Pois bem. Assumiu o comando superior, neste Estado, o coronel Álvaro Flores, figura de destaque no comércio e, entusiasmado, resolveu reorganizar a briosa. Certa tarde de domingo, uns 50 oficiais fardados, visitaram-no e ao coronel Paes Pinto. Entre eles os coronéis Levino José da Costa, Antônio Martins Murta, Manoel Pinto do Amaral Lisboa Filho, majores Joaquim Populo de Campos, Francisco Azevedo Baia, capitães Joventino Cordeiro dos Santos, Antônio Inácio Costa, Marcelino Brito, João e José Francisco Ataíde, Pedro Antônio Silva, José Oliveira Loiola, Antônio Medeiros, Sizenando Oliveira, farmacêutico Chaves e outros. Comandava, nessa época, a brigada de infantaria de Maceió o coronel Pedro Almeira, rico comerciante, nomeado em junho de 1907.

Instalou-se o Quartel General no Palácio Velho, à praça Pedro II, onde estivera a Perseverança e Auxílio dos Empregados no Comércio. Foram nomeados um cabo, seis soldados e um clarim, todos fardados e pagos pelos oficiais. Quando o Comandante superior chegava ao quartel a corneta bradava, a guarda formava, os soldados apresentavam armas. Uma palhaçada que não podia durar muito tempo, como não durou… Depois fecharam o Quartel General, os soldados desertaram, não sei se devido a falta de pagamento e a guarda não sois nada desapareceu per omnia secula seculorum…

Tudo passa sobre a terra, escreveu Alencar. Passara a Guarda. Já se fora o tempo em que ela prestara valiosos serviços e em que tantos oficiais e soldados perderam a vida ou receberam ferimentos no cumprimento do dever, como aquele pobre miliciano de Cimbres, Pernambuco, requisitado pelo delegado para ajudar a prender o negro Prudência que assassinara seus senhores, no Pilar, Alagoas, sendo morto pelo preto que reagira à prisão.

Certa noite, quando ainda funcionava o Quartel General, encontrei na rua do Comércio, às 9 horas, fardado e armado, o capitão Antônio Inácio Costa. Fiquei surpreendido e perguntei-lhe o que fazia. O pobre velho, um dos mais entusiastas, respondeu, convencido:

— Estou rondando a guarnição!

E saiu com toda bizarria, sem noção de ridículo, rumo à antiga praça da Catedral, para assinar a parte que o cabo já redigira, informando nada de anormal haver verificado nas forças da cidade

Guarnição da Guarda Nacional, em Maceió, naquela época! Tive vontade de dar uma gargalhada, mas me contive. Eu era um rapazola e ele, um homem idoso, respeitável, fora amigo do meu pai.

Soldados do 4° Batalhão de Artilharia da Guarda Nacional em serviço durante a Revolta da Armada, em 1894

José Fernandes de Aragão, o coronel Aragão, como era conhecido, comandava, aqui, no fim do século passado [XIX], um dos batalhões de infantaria da Guarda Nacional. O Alô Viva Deus, tipo popular e ébrio contumaz, quando estava muito “quente”, arranjava um cabo de vassoura, que promovia a fuzil, e ia montar guarda à sua residência, na rua do Sol, onde está hoje o cartório de órfãos. Aragão, tesoureiro da Secretaria da Fazenda, dava festas suntuosas, ainda hoje lembradas, e foi preso em fevereiro de 1903, por desfalque, sendo detido no Estado maior do Corpo de Polícia.

Para alguma coisa servia a patente da Briosa. Quando preso não se ia bater com os costados no infecto pardieiro da Praça da Independência…

1 Comentário on A “gloriosa” Guarda Nacional

  1. Claudio de Mendonça Ribeiro // 23 de agosto de 2022 em 07:32 //

    Prezado Ticianelli, bom dia. Mais uma vez, grato pela publicação de uma página da História de Alagoas, embora entristecedora pelos relatos nela contidos. Páginas de certo modo dolorosas. Todavia, tempos idos e vividos… Fraternal abraço.

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