A alma de um idealista criador
História da criação do Teatro de Arena Sérgio Cardoso, em Maceió, narrada por Duse Leite como se fosse um testemunho do seu pai Bráulio Leite, o fundador daquela instituição
Duse Leite
Foi mais ou menos assim que aconteceu…
Lá pelos idos dos anos 70, no início do Governo do dr. Afrânio Lages, conta-nos:
Avisaram-me que o governador estava chegando e eu como diretor do Teatro Deodoro, me apressei em recebê-lo. Era o 5º dia de trabalho do Chefe do Executivo e sua visita na primeira semana de governo era alvissareira. Eu, que para mim que já sabia não ser o Teatro Deodoro uma repartição prioritária, nem simpática aos governantes (Rsrsrs), soou como um bom sinal.
Eram 7h40 da manhã e lá estava o governador Afrânio Lages estendendo-me a mão, impecavelmente vestido na sua sobriedade, um leve sorriso nos lábios e acompanhado pelo seu ajudante de ordens. Rapidamente entrou no Deodoro, pedindo que eu lhe dissesse a real situação da Casa de espetáculos, suas deficiências e necessidades mais urgentes. Fui dizendo, mostrando, acompanhando em cada canto até chegarmos no palco, onde ele olhou para a plateia de poltronas vazias, frisas, camarotes, “torrinhas”, e voltando-se, olhou para o meu rosto, foi taxativo: Vamos decidir o que fazer primeiro. Fez uma pausa e perguntou: Você tem como conseguir recursos? O SNT não poderia ajudar? Respondi que sim, que ia fazer um expediente, embora achasse que ele como governador teria mais êxito. Respondeu-me incisivo, vamos buscar toda a ajuda possível. Entre em contato com o SNT e procure-me depois.
Meus sentimentos naquele momento misturaram-se numa onda de entusiasmo e euforia, finalmente o nosso Deodoro tinha uma esperança. E pensei que por aí a nossa conversa teria findado.
Voltando pelo corredor das frisas, quando viu a porta lateral com travas e arames prendendo suas fechaduras e trancas corrediças, perguntou: Porque isso? Essa porta não funciona? Informei que não, pois o antigo Bar Deodoro estava sub judice e eu tinha dado ordens severas para que ninguém fosse lá… Ele perguntou a quanto tempo? Uns 10 anos mais ou menos. E porquê? Expliquei o acontecido… E de lá para cá não havia nada ali? Não, nada.
Mandou abrir o cadeado e foi olhar o local. As mesas, frigorífico, as cadeiras, tudo estragado pela ação do tempo – quando me foi feita a pergunta: — E isso aí, o que faremos? Um teatro, governador, respondi. Um teatro, como? Sim, um Teatro de Arena. Sua construção, argumentei seria uma necessidade para a vida cultural e artística da cidade. A paralização do Teatro Deodoro, impunha um longo período de inatividade que afetaria a evolução surgida no setor, como o reaparecimento da Sociedade Artística. E as companhias, os grupos locais e tantas outras manifestações que precisam de um local para suas realizações iriam sobreviver? E o esquecimento que cairia sobre nós, na nossa cidade nos roteiros e calendários artísticos e oficiais?
Se o senhor me permitir vou pedir a um engenheiro para estudar o local, fazer um levantamento e depois procuro o senhor. Pode, respondeu o governador e olhou de relance para mim, considerando as ruínas do antigo Bar Deodoro, há 10 anos aguardando um governante para resolver o impasse… E eu um jovem sonhador, com ideias aguardando-o.
Três dias depois estávamos eu, Abílio e Brêda no gabinete daquele homem simples, afável e otimista. Tudo ficou acertado, incluindo-se o nome de outro engenheiro – Leônidas, na comissão. E começamos. Visitas semanais do governador. Dias incansáveis, noites mal dormidas, mas tínhamos certeza que o resultado seria alimentador.
De repente, a má vontade, os empecilhos, o desejo de não vê realizada a obra de alguns. Mas o governador entusiasta da ideia, dá-nos prestígio e confiança, tornando realidade a obra desse idealizador crente, dizendo categoricamente: Vamos fazer o teatro. Do nosso lado Deus e o governador Afrânio Lages, obstinado, certo, infenso as intrigas e futricas e no meio da desconfiança dos meus companheiros, dizíamos sempre: — Vamos realizar.
E no dia 14 de julho de 1972, o nosso sonho se realizou. Enfim, tínhamos um Teatro de Arena entregue a sociedade alagoana, aos artistas locais e aos que por aqui passassem. Um teatro bem equipado, com técnicos, considerado como um dos melhores do Brasil.
Na sua inauguração, a presença de um dos maiores atores do Brasil, Sérgio Cardoso, representando a peça “O Homem da Flor na Boca”, de Pirandello. Além do também renomado ator Jardel Melo e para compor o elenco, a participação da atriz alagoana Naná Magalhães.
Foi um sucesso. Nosso povo estava em festa, tínhamos finalmente um teatro que iria socorrer a ausência do Velho Casarão Deodoro e “esse saltimbanco”, pôde ver sua criação na ativa e disposto a mais uma criação. Ai sim, voltamos a dormir e sonhar…
Infelizmente, um mês depois ficamos sabendo do falecimento de Sergio Cardoso, e o Teatro de Arena, sem nome ainda, passou a ser chamado, Teatro de Arena Sergio Cardoso, a nossa última homenagem ao ator.
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