Setton Neto, o eterno Rei Momo de Maceió

Carnaval de 1982 em Maceió

Esquina da Rua da Alegria com o Beco São José, onde funcionou a Casa Setton

Salomão Setton Neto nasceu em Alagoas no dia 23 de fevereiro de 1920. Era filho de Quitéria Guimarães Setton e Jaques Setton, um emigrante sírio que se estabeleceu em Maceió como comerciante, principalmente, de tecidos.

A Casa Setton ocupava o prédio nº 788 da Rua da Alegria, esquina com o Beco São José. No balcão, Jaques Setton vendia seus tecidos, mas também oferecia máquinas de costura, sapatos masculinos, sombrinhas, guarda-chuvas, capas para chuva e até bicicletas.

Seus cinco filhos também ajudavam no comércio. Salomão Setton Neto (falecido), Helena Setton (falecida), Aron Setton (falecido), Garusa Setton e David Setton se revezavam substituindo o pai.

Em 1942, em plena Segunda Grande Guerra Mundial, Setton Neto, com 22 anos de idade, recebeu a convocatória para ir lutar na Itália. Foi aceito como soldado, mas não embarcou para a Europa, servindo à Força Expedicionária Brasileira em território pátrio.

Foi nesse período que começou a cantar nas festas da família e dos amigos. O registro mais antigo da sua carreira artística encontrado por esta pesquisa é de janeiro de 1948, quando participou de uma festa “lítero-artística” no auditório do Instituto de Educação em Maceió. O Conjunto Palmares, liderado por Odilon Chaves tinha a participação dos jovens Raynaud Carvalho, Hermes Fernandes, Carmem Pinto e Setton Neto.

O jovem Setton Neto

A partir de 16 de setembro daquele mesmo ano, data da inauguração da Rádio Difusora de Alagoas, passou a cantar profissionalmente na pioneira. Com voz possante, rapidamente começou a fazer sucesso, transformando-se num artista requisitado.

No dia 31 de janeiro de 1951, Arnon de Melo tomou posse no governo de Alagoas sucedendo Silvestre Péricles, que teve o seu candidato, Campos Teixeira, derrotado. A eleição foi muito disputada e houve a utilização da Rádio Difusora por parte do governo de Silvestre.

Alguns radialistas foram afastados pela equipe de Arnon de Melo. A primeira foi Odete Pacheco, que foi trabalhar na Rádio Clube de Pernambuco.

Não se sabe se pelos mesmos motivos, mas em 1953 foi a vez do “O Gringo do Samba”, como era conhecido Setton Neto, ser demitido da rádio.

Setton Neto e o Regional da Difusora com Reinaldo Costa ao fundo, Juracy Alves no primeiro plano e Nely Luna no cavaquinho

O jornalista Fernando Luiz, em sua coluna PERNAMBUCO, da Revista do Rádio, assim repercutiu o episódio: “Há males que vêm para o bem. Setton Neto, sambista da ZYO-4, Rádio Difusora de Alagoas, foi colocado à margem por questões particulares. Isso serviu no entanto para que Fernando Castelão contratasse o ‘Gringo do Samba’ para suas ‘Variedades’ de todos os sábados [em Recife]. Assim, o Setton tem lugar, aos sábados, num avião de carreira, a fim de cantar e divertir os frequentadores do Palácio do Rádio”.

Lembrado atualmente por ter sido Rei Momo, Setton Neto era na verdade um cantor com enormes recursos vocais. Wellington Miranda, o Tonico, filho de Haroldo Miranda afirma sem vacilação: “Foi um dos cantores mais ritmados que já ouvi. Nunca esqueço dele cantando. Era exuberante, sem exagero. E olhe que eu sou crítico”.

Lembrando que foi seu pai quem o denominou como o “Gringo do Samba“, Tonico avalia que Setton foi o Rei Momo mais bem representado de Alagoas: “ninguém conseguiu personalizar o Rei Momo como o Setton Neto. Era uma pessoa divertidíssima, capaz de fazer uma piada do nada”.

D. Terezinha Otilio Setton, esposa de Salomão Setton Neto

Casado com Terezinha Otilio Setton, tiveram oito filhos: Tânia Setton, Lucia Setton Amorim, Cícero Setton (falecido), Ely Otílio Setton, Elyane Setton Albino, Elisete Otílio Setton, Eliezer Otílio Setton e Elizabeth Otílio Setton.

Segundo Ely Setton, sua mãe também cantava e era uma “contralto afinadíssima”, além de mestra do Partoril do Gonguila.

Eliezer e Ely (e alguns netos) seguiram as pegadas do pai e da mãe na música. Eliezer Setton é hoje um artista consagrado e Ely Setton, mesmo não conseguindo o mesmo sucesso do irmão, é dono de uma bela voz e quem o ouve não entende a razão da sua ainda não consagração.

Com o casamento, Setton Neto iniciou também a profissão de corretor autônomo. Comunicativo, era bem recebido por todos, o que facilitava a venda de imóveis, telefones e títulos de clubes sociais.

Ely Setton canta Bote Tempo, música de autoria do seu irmão Eliezer Setton.

 

Eliezer Setton canta Cidade Sorriso, música de Edécio Lopes.

 

Rei Momo

Em 1970 no Jaraguá Tênis Clube. Com a sua filha Elyane Setton

Sempre cercado de amigos, Setton Neto voltou a participar do rádio alagoano anos depois. Era comum vê-lo conversando com Haroldo Miranda, Jalon Cabral, Juraci Alves, Aldemar Paiva, José Ângelo, Edmundo da Farmácia Globo, Odete Pacheco, Floracy Cavalcanti, Edécio Lopes e Zezé de Almeida.

Foi assim que recaiu sobre seus ombros a responsabilidade de ser o Rei Momo do carnaval de 1970 em Maceió. O Diário de Pernambuco de 7 de fevereiro daquele ano, assim noticiou o fato: “Setton Neto, com mais de cem quilos, estará recebendo, hoje, no Palanque Oficial na Avenida Duque de Caxias, a chave da folia do carnaval de Maceió-70. Após receber o comando da frevança, o Rei Momo, acompanhado do 1º ministro, Arlindo Chagas, e comitiva, fará visita aos clubes, que estarão realizando festas no Sábado de Zé Pereira”.

Em 1973, Setton Neto não quis mais aceitar a monarquia do frevo e a Comissão Organizadora do Carnaval andou procurando alguém, com mais de cem quilos, para substituí-lo. O nome sondado foi o do funcionário do INSS, José Cabral, que tinha sido o Rei Momo de 1969.

Cabral também não aceitou e o cetro real ficou mesmo com Setton Neto, que foi convencido a aceitar pelo prefeito João Sampaio e pelo presidente do COC, Pedro Barbosa.

Somente em 1979 surgiu um concorrente para disputar o reinado de Momo em Maceió com Setton Neto. Segundo o Diário de Pernambuco de 24 de fevereiro de 1979, o candidato seria o deputado federal Albérico Cordeiro. Entretanto, pelo texto percebesse que foi mais uma provocação do jornalista ao deputado alagoano.

Seu último carnaval como Rei Momo foi em 1988.

O terno do Edécio

Setton Neto com o Regional dos Professores da Rádio Difusora. Revista do Rádio de 1953

Edécio Lopes, o radialista pernambucano de Manhãs Brasileiras preparava-se para casar em novembro de 1957 e encomendou um terno a um colega que era cantor da Rádio Difusora de Alagoas e também alfaiate.

Como o casamento ocorreu em Caruaru no dia 8 de dezembro, Edécio viajou antes e quem levou terno foi o radialista Emanuel Rodrigues, que depois foi para a Globo e participou da criação dos Trapalhões.

Na volta, foi procurado pelo costureiro, que cobrou a ele diante de todos, “num momento de ensaio para um programa de auditório”, registrou Edécio em seu livro de memórias Vaias e Aplausos, de 1984.

“Sem medir palavras, largou a frase que, ainda hoje é difícil de esquecer: ‘casa quem pode‘”. Edécio explicou que a sua situação era o resultado do não recebimento dos seus salários na rádio. “Ele poderia ter sido mais tolerante por saber, de fato, que dinheiro eu tinha, mas para receber”, reclamou.

Mas tudo foi pago imediatamente após a cobrança. “Como? Amigos existem para essas coisas”, esclareceu.

Setton Neto, ‘o gringo do samba’, amigão dos primeiros momentos, ouviu a história e tomou para si as dores. Reuniu alguma coisa com os que podiam, colocou o restante, pagou o débito e deixou o terno como um presente”.

“Esse mesmo Setton seria autor de uma proeza, nesses primeiros dias de minha estada na velha ZYO-4. Num concurso para a escolha dos “Melhores do Rádio“, ele fez uma verdadeira cabala para me colocar entre os melhores animadores de auditório. E conseguiu. Fiquei em 3º lugar, suplantando a Odete Pacheco. Uma injustiça, convenhamos”, lembrou Edécio.

Rei da Alegria

Primeiro carnaval como Rei Momo em 1970

Para os que o conheceram, não há a menor dúvida sobre ele ter sido um perfeito Rei Momo. Seu jeito expansivo e alegre era sempre acompanhado de gestos largos, grandes gargalhadas e uma palavra de amizade.

Floracy Cavalcanti, que conviveu com ele durante alguns anos, avaliou que Setton era um “Rei Momo nota dez”. “Era muito benquisto e a sua escolha para Rei Momo era sempre por aclamação. Ele irradiava felicidade e sabia contagiar todo mundo com esse sentimento. Eram bons tempos”, recordou a radialista.

“Figura marcante do Carnaval alagoano”, assim o definiu jornalista Alves Damasceno, ao lembrar que ele também foi cantor de samba e que “interpretava todos os sambas canções do saudoso e famoso Cyro Monteiro. Foi o Rei Momo de reinado de maior duração. Folião por excelência, sabia, mais de que ninguém, desempenhar o papel de Monarca da Folia. Levava o cargo a sério”.

Jalon Cabral, também radialista, conviveu com Setton Neto e guarda dele as melhores lembranças: “Marcou época nos nossos festivais e principalmente na Rádio Difusora de Alagoas. Viajamos juntos algumas vezes, em companhia do Haroldo Miranda, para representar Alagoas na TV Rádio Clube, em Recife, no programa do José Maria Marques, onde ele se apresentava como “O Gringo do Samba”.

“Era comum encontrá-lo no centro de Maceió, onde atuava como corretor procurando os amigos e abraçando os companheiros. Era uma figura simpática, de um carisma extraordinário. Com a sua partida, Alagoas perdeu um artista e uma grande figura humana. Setton Neto faz falta”, concluiu Jalon Cabral.

Setton Neto cantarola Sacode Carola, de Walter Alfaiate, canta Alguém me Disse, de Evaldo Gouveia e Jair Amorim, e Esse Mês Não Pago Dívidas, de Jucá Santos e Aristeu Santos.

 

A amizade entre Setton Neto e Haroldo Miranda fez com que o amigo cedesse o antigo Hotel Atlântico para ser seu camarim. Segundo Weldja Miranda, uma das filhas de Haroldo, Setton Neto se transfigurava no Rei Momo no prédio da Av. da Paz, esquina com o Riacho Salgadinho. “Nós acompanhávamos de perto ele colocar a peruca, fazer a maquiagem e finalmente ser coroado. Era um privilégio para nós que sempre brincamos muito os carnavais da Fênix”, lembra a produtora de eventos e diretora da Liga Carnavalesca de Maceió.

Setton Neto em uma rua de Recife

Setton sabia que era muito popular e que conhecia boa parte da população da capital, com quem mantinha contato telefônico para realizar os seus serviços de corretagem. Brincava com isso, com orgulho, dizendo que foi um dos principais colaboradores da primeira Lista Telefônica de Maceió.

Sua neta, Danielly Setton Albino, filha de Elyane Setton Albino, lembra do avô como alguém “alegre, brincalhão, amigo. Essas eram algumas de suas características percebidas por quem o rodeava. Para a família o homem que ensinou princípios de honestidade, honradez, dignidade. Soube viver e deixar exemplo de pai, avô, bisavô presente e amoroso”. Danielly revelou que a alegria do avô tinha como inspiração a sua avó Terezinha.

Outra herança deixada para sua família foi a paixão pelo CSA. Eliezer Setton, seu filho, também cantor, compositor e apaixonado pelo time do Mutange, lembra como o pai o influenciou no futebol: “Ele era azulino e me levava aos estádios desde pequeno. Através do papai comecei a ir ao campo ver jogo de futebol. Quando eu ia ao estádio, gostava de ficar atrás da trave do goleiro adversário, para poder ver o CSA marcar. Sempre gostei de ver o gol do Azulão de pertinho. Quando terminava o primeiro tempo, eu ia para atrás do outro gol, enquanto isso papai ficava na arquibancada. Até hoje não perco nenhum jogo. Gosto de assistir aos jogos em pé, ali na intermediária do ataque do CSA”.

Setton Neto na Farmácia Central, na Av. Moreira Lima, vizinho à Padaria Francesa, em fevereiro de 1970

Setton Neto faleceu em Maceió no dia 12 de maio de 1994. Tinha 74 anos de idade. Em sua homenagem, a Câmara Municipal de Maceió denominou, com a Lei nº 4.946 de 6 de janeiro de 2000, a Rua C do Loteamento Bosque das Aroeiras, no Barro Duro, como Rua Setton Neto.

No carnaval de 2019, a Liga Carnavalesca de Maceió dedicou todos os seus eventos ao eterno Rei Momo Setton Neto.

Qual a importância do rei Momo para o Carnaval?

Segundo o professor e antropólogo Bruno César Cavalcanti esta é uma questão aparentemente simples, mas com possibilidades para respostas múltiplas e até mesmo conflitantes.

“A figura do Rei Momo, ou daquilo que hoje entendemos por ele, tem remota origem. Na Antiguidade grega seria uma das filhas da deusa Nix, e na Antiguidade romana a aparição de Momo sendo associada à eleição de um belo soldado, exaltado em sua beleza física e em seu gosto pela devassidão e pelo excesso”, esclareceu.

Para ele, o Momo não é um personagem universal, de todos os Carnavais. Sua presença se deu no chamado mundo latinizado como uma figura masculina que cresceu em expressão no fim da Idade Média e, especialmente, na modernidade. “Momo é agora associado à simpatia, à alegria e à espontaneidade, em seu amor natural pela festa”, explicou.

Setton Neto em um dos seus últimos carnavais como Rei Momo

Esse Momo é o “bonachão que conhecemos, preso à imagem do sujeito obeso como símbolo de irreverência, de excesso, de alegria e de gula, mas que  terá um destaque grande nas festas municipais como uma espécie de anfitrião oficial (e o Brasil realiza uma festa carnavalesca amplamente associada aos serviços urbanos, como o comércio, a imprensa, e aos serviços da administração pública), pois ele ‘administrará’ a cidade, recebendo esse poder através da entrega das chaves da cidade pelo Prefeito”, salientou o professor da Universidade Federal de Alagoas.

Bruno frisa ainda que “nesse simbolismo é sugerida uma transferência de poder, que aponta para outro estado de ânimo do ponto de vista individual. E, de outro lado, simbolizaria um estado de permissividade do ponto de vista cultural e social. Momo é importante enquanto um sinalizador dessa suspensão temporal da vida ordinária, lembrando-nos a entrada no tempo extraordinário dos dias festivos”.

Destacando que no Brasil existiram vários reinados de Momo e que alguns se transformaram em verdadeiras lendas dos carnavais locais, Bruno Cavalcanti avaliou que em Maceió Setton Neto foi um desses casos: “Foi o Rei Momo da fase decadente do nosso Carnaval popular de Rua e dos clubes sociais, ele vivenciou isso, ele operou na direção contrária, fez o seu papel”.

Bruno conclui explicando que Setton Neto, um morador do Centro de Maceió, durante seu reinado assistiu a transferência da festa da área central para a orla marítima da cidade e o que isso representou nas transformações da festa, nas formas de organização e de participação, e também da fase áurea dos reinados de Momo.

Rei Momo Setton Neto por Adnael. Homenageado pela Liga Carnavalesca de Maceió no Carnaval de 2019

Setton Neto por Nunes Lima

O Gringo do Samba Setton Neto

Em 1970 no Jaraguá Tênis Clube

Terezinha Setton, esposa, Setton Neto e Elyane Setton, filha

7 Comments on Setton Neto, o eterno Rei Momo de Maceió

  1. Floriano Alves // 10 de janeiro de 2019 em 21:41 //

    Muito bom trabalho, como sempre! É a história de nossa querida Alagoas, sendo descrita com uma riqueza de detalhes, fantásticos. Parabéns, amigo!

  2. Carlos Jorge junior // 13 de janeiro de 2019 em 08:08 //

    Amo tudo isso. Viajo e me emociono.

  3. Silvia Loureiro Williamson // 15 de janeiro de 2019 em 04:34 //

    Que maravilha relembrar o nosso carnaval de rua em Maceió. Eu não tive a oportunidade de apreciar o Setton Neto como Rei Momo pois eu sai do Brasil em 1965. Eu conhecia o Setton Neto pois eu trabalhava no Banco Nacional de Minas e ele era cliente do Banco. Ele era realmente uma pessoa muito alegre.

  4. Eliezer Setton // 23 de fevereiro de 2019 em 12:54 //

    Ticianeli, você arrasou!
    A família Setton “agradece penhorada”, pra usar uma das tantas expressões marcantes que nosso pai nos legou.

  5. Como sempre Alagoas radiosa por um lado e apagada por outro, não conservou ou não se interessou em ter gravado em discos na forma de Acetato os programas da Radio Difusora em seu auge assim como dezenas de cantores e instrumentistas, não teve acuidade no sentido preservação de memoria. Lástima eterna.

  6. washington melo // 23 de fevereiro de 2020 em 20:26 //

    A maior grandeza do ser humano é exatamente o reconhecimento de honra, pois Ticianeli, está de parabenas, por ter trazido aqui esse grande reconhecimento em forma de homenagem, pelo dia festivo carnavalesco, e agradecer a família Setton, por SETTON NETO, ter nascido nas Alagoas e ser o que ele era, uma pessoa respeitosa humilde que abraçava a todos, criança, velho, preto, branco, pobre, rico.

  7. Raúl Carlos Brodt // 24 de fevereiro de 2020 em 14:43 //

    Recordar é viver!
    Saudosas reminiscências!
    Eu tive a honra e o prazer de conhecer pessoalmente Setton Neto, inesquecivel REI MOMO das Alavoas!
    Deus Seja Louvado!

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