Cônego Valente, o jornalista e religioso que dirigiu O Semeador por 55 anos

Tipografia Americana em Jaraguá, onde foram impressos os primeiros números do Semeador em 1913

Antônio José de Cerqueira Valente nasceu no município do Pilar, Alagoas, em 19 de abril de 1888. Era filho de Arnóbio Monteiro de Cerqueira Valente e de Leopoldina America da Costa Valente.

Seu pai, em 1882, era “agente especial dos dízimos de carnes verdes, pescado e aguardente brasileira do Pilar”, como registrou a Gazeta de Notícias de 22 de julho daquele ano. Em 2 de novembro de 1883 assinou relatório como agente de rendas provinciais da cidade de Alagoas, atual Marechal Deodoro. Muitos anos depois, continuava na Coletoria do Pilar como Escrivão, além de ser um dos oficiais da Guarda Nacional.

Além de Antônio Valente, eram filhos do casal Valente: Alcebíades Valente Sobrinho, que morava em Rio Branco, no Acre, e faleceu em 1917, com apenas 32 anos de idade; Arnóbio Valente Filho, conceituado jornalista em Maceió; e uma filha, casada com Antônio Casado.

Cônego Antônio Valente em 1943. Foi fundador do jornal O Semeador em 1912

Sabe-se da existência desta filha de Arnóbio Monteiro de Cerqueira Valente pelo jornal O Semeador de 7 de agosto de 1916, que noticiou a presença do major pilarense em Maceió, informando que estava hospedado na casa do seu genro Antônio Casado, que morava no Farol.

Cônego Valente foi também o Cura da Catedral de Maceió

Para se ter uma ideia do círculo social da família, em 1923 Arnóbio Valente fazia parte, em Maceió, da diretoria do “Club Carnavalesco O Coronel é quem paga”, que tinha como componentes Álvaro Peixoto, José Leão Rego, Raul Britto, Pedro Oliveira Rocha, Antônio de Almeida, Jocundino Conde, João Ribeiro, Olympio Ether, Antônio Maurício, Fausto Feitoza e Antônio Sucupira.

Foi aposentado compulsoriamente como Coletor Federal em 1935. Faleceu no dia 30 de janeiro de 1941 em um acidente na estrada que ligava o Tabuleiro a Fernão Velho. Naquela noite, um ônibus vindo de Arapiraca colidiu com um caminhão no subúrbio de Bebedouro.

Formação religiosa

Antônio José de Cerqueira Valente teve acesso às primeiras letras, ainda no Pilar, na Escola do professor Antônio Florêncio, que ficava na Rua do Pará. No curso primário teve como professor monsenhor Francisco Maria, então vigário local, o mesmo que também o levou a ser o coroinha da Matriz.

Foi essa formação inicial que permitiu a continuidade dos seus estudos, a partir de 1902, em Marechal Deodoro, no Seminário de Alagoas, mesmo enfrentando adversidades provocadas pelas limitações financeiras da família naquele momento. O Seminário começou a funcionar em 15 de fevereiro de 1902, provisoriamente instalado no convento franciscano de Marechal Deodoro. Somente ocupou o prédio em Maceió, construído por dom Antônio Brandão, em 1904.

Sua pensão na instituição era paga por uma tia. Sua roupa suja era levada até o Pilar para ser limpa pela mãe, por não poder pagar o serviço de lavanderia na capital.

Em 1905, quando já tinha 17 anos de idade, seu nome foi mencionado como um dos alunos do Seminário Episcopal a receber ordens. Estava iniciando o chamado “Seminário Menor”, equivalente ao atual Ensino Médio.

ORDENAÇÃO — S. exc. rvdm. O sr. Bispo Diocesano em solene pontifical, amanhã conferirá ordens aos alunos do Seminário episcopal, como consta da ordem infra: Receberão tonsura [corte de cabelo] os seminaristas Fernando Lyra, Daniel Bezerra, Graça Leite, Antônio Valente e Epaminondas Bomfim. Ostiariato: o Clérigo Antônio Tobias — Leitorato: o Clérigo José Pinto — Exorcistato: os Clérigos José Maurício, José Bellarmino e Affonso Tojal. Acolytato: o Clérigo Affonso Tojal. Receberão também o sagrado subdiaconato os menoristas: José dos Anjos, Achilles Mello e Soares d’Albuquerque”, publicou o Gutenberg de 19 de novembro de 1905.

Seu nome aparece, em 1908, já como seminarista maior, atualmente equivalente ao curso superior. O Gutenberg de 14 de novembro informou a relação dos alunos com seus respectivos desempenhos. Na disciplina Teologia Moral, “Antonio Valente (1º ano)” foi aprovado com distinção. No dia seguinte, nova relação foi publicada no mesmo jornal e na disciplina Teologia Dogmática, “Antônio Valente (1º ano)” conquistou distinção novamente.

Em 25 de novembro de 1909, o Gutemberg voltou a informar sobre o desempenho dos seminaristas de Maceió. Na disciplina Teologia Moral, Antônio Valente, já no 2º ano, foi aprovado com distinção.

Foi ordenado em 12 de novembro de 1911 pelo bispo D. Manoel Antônio de Oliveira Lopes e, ainda em dezembro de 1912, recebeu a “provisão de uso de ordens, confessor e pregador até 31 de dezembro de 1913”, como registrou o Livro de Provisão 01, ano 1912, 4 de dezembro, pág. 53.

Foi designado imediatamente como padre coadjutor da Paróquia de Viçosa, em Alagoas, e, em 1913 já estava em Maceió, na Capela do Bomfim, no Poço, e depois na Igreja Nossa Senhora do Rosário.

No início de julho de 1917 foi transferido para a Paróquia da Catedral Diocesana e nomeado Cura da Sé. Permaneceu como tal durante 51 anos. Nesse período também foi diretor da Confraria do Coração Eucarístico, da Igreja do Rosário, e admitido na Irmandade do S. S. Sacramento.

vigário de Maceió, foi de sua iniciativa a criação da Associação de Santa Zita, voltada para as empregadas domésticas, e a Escola Dom Bosco, que atendia gratuitamente as crianças pobres no período noturno.

Em 1943 foi nomeado Deão do Cabido Metropolitano, como está registrado na página 112 (verso) do Livro de Tombo nº 4. Neste mesmo ano recebeu o monsenhorato. Cinco anos depois foi escolhido como Vigário Geral, função que exerceu até 1955. Em 1951 chegou ao prelado doméstico.

Destacou-se como uma das lideranças da Ação Católica no período da sua implantação em Alagoas. Foi nomeado pelo Bispo como Assistente Arquidiocesano da Ação Católica no dia 15 de abril de 1951, após o cônego Hélio Lessa Sousa ter pedido exoneração desta função e de várias outras que exercia na Igreja.

O Semeador

Primeiro exemplar de O Semeador

No final de 1912, o Cônego Valente estava envolvido na fundação do jornal católico O Semeador, que teve o seu primeiro número publicado em 2 de março de 1913. Os outros fundadores foram Luiz Carlos de Oliveira Barbosa e Franklin Casado de Lima. Era o primeiro jornal diário católico do país e surgia por iniciativa do bispo da diocese de Alagoas, D. Manoel Antônio de Oliveira Lopes.

Em fevereiro de 1914, o Diário de Pernambuco informou o “desaparecimento temporário de dois órgãos: o Correio de Maceió e O Semeador. O primeiro por divergências políticas dos seus diretores e o segundo por estar mudando de prédio.

Na verdade, o Semeador estava deixando de ser impresso na Typographia Americana, estabelecida na Rua da Alfândega, atual Rua Sá e Albuquerque, em Jaraguá, para “rodar”, a partir do final de 1915, em tipografia própria instalada no prédio que foi a residência do Barão de Jaraguá, atual Biblioteca Pública Estadual, na Praça D. Pedro II.

José Antônio da Silva foi o seu primeiro tipógrafo. Veio do Rio de Janeiro para compor o impresso. Nesse período, estava sob a coordenação do Cônego João Machado de Melo

O Cônego Antônio Valente esteve no jornal desde os seus primeiros momentos, mas somente assumiu a sua direção em 2 de abril de 1919. O Cônego Franklin de Lima Casado (primo do Cônego Valente), também foi citado como um dos participaram do jornal desde o início, como divulgou o jornal pernambucano A Província em 19 de fevereiro de 1921, ao noticiar o seu falecimento:  foi “um dos fundadores do extinto diário católico maceioense O Semeador e ultimamente fazia parte do Diário de Maceió”.

O Diário de Pernambuco de 3 de fevereiro de 1921 divulgou uma nota do correspondente em Alagoas, redigida no dia 1º de fevereiro, informando que “O Semeador, que há muitos anos vem defendendo, neste Estado, a causa do catolicismo, divulgando e propagando os princípios da mesma religião, vai desaparecer em breve, devendo ser substituído por um outro órgão, também de orientação católica. O nome do novo jornal será Diário de Maceió”.

Um dos possíveis motivos para a mudança de O Semeador para Diário de Maceió pode ter sido a impossibilidade da divulgação de candidaturas e do envolvimento partidário do jornal abertamente vinculado à igreja católica, evitando uma prática muito comum no antigo jornalismo.

Posse na presidência da Assembleia do deputado Manuel Valente. Da esquerda para a direita, capitão dos Portos Álvaro Calheiros, monsenhor Antônio Valente, dom Fernando Gomes (bispo de Penedo), Manuel Valente, Dr. Luís Campos Teixeira, coronel Mário Lima (comandante do 20º BC) e coronel Carvalho Ribeiro, da PM

O Diário de Maceió circulou seu primeiro número no dia 3 de fevereiro de 1921, tendo como redator-chefe o dr. Baltazar de Mendonça, redator-secretário dr. Tertuliano Mitchell e como diretor o cônego Antônio Valente.

A experiência jornalística com o Diário de Maceió não deu certo e no dia 26 de setembro, ainda de 1921, sua tiragem foi suspensa “temporariamente”.

O Semeador voltou a circular, sob a direção do Cônego Valente, em março de 1922. Interrompeu novamente sua publicação por alguns meses, retornando somente em maio de 1923.

Em novembro de 1925, o jornal católico era produzido pelos cônegos Valente, Luiz Barbosa e João Lessa. Contava ainda com a colaboração do Padre Júlio Albuquerque, Manoel Brandão Vilela, Aminadab Valente, Ovídio Edgar e Félix de Lima Júnior.

O Diário de Maceió reapareceu em 8 de janeiro de 1933, tendo como diretores nesta nova fase o Cônego Valente e o dr. Emílio de Maya. O diretor-gerente era Arnóbio Valente Filho, irmão do religioso. Sua redação funcionava na Rua do Comércio, nº 410.

Foi reativado pelo interventor Afonso de Carvalho, como explicou em entrevista ao Diário de Pernambuco de 22 de fevereiro de 1933: “Resolvi dar ao meu partido um jornal para a defesa dos seus ideais”.

Também jornalista, Afonso de Carvalho esclareceu ainda que as demais correntes políticas já tinham seus jornais e que não quis utilizar as oficinas da Imprensa-Oficial para evitar ser acusado de estar aproveitando a máquina pública. Após mais justificativas, o capitão interventor disse que aceitou a “possibilidade que se nos apresentava de adquirir o Diário de Maceió. Esse jornal é custeado por uma subvenção fornecida pelo diretório do Partido Nacional”.

Nesta época, o Cônego Valente, além de dirigir o Diário de Maceió e O Semeador, foi cogitado como candidato a deputado.

O contrato entre o Partido Nacional e o jornal maceioense foi rompido em 11 de maio de 1933. O Diário de Maceió encerrou suas atividades no início de novembro daquele ano.

O Cônego Valente permaneceu à frente d’O Semeador até a sua morte em 1968, quando o jornal passou a ser um semanário. Nos últimos anos de vida, mantinha o funcionamento do impresso disponibilizando recursos próprios, que vinham do seu sítio de cocos “Cria Menino”, na Massagueira, em Marechal Deodoro. Brincava dizendo que era o único dirigente de jornal do mundo que pagava para ser diretor. Considerava o fato de ter participado da fundação d’O Semeador e tê-lo dirigido por décadas uma de “suas maiores glórias”.

O jornal O Semeador, com mais de 18 mil edições, é o mais antigo órgão de imprensa em funcionamento no Estado de Alagoas.

Professor do Liceu

Freitas Melro, Arnon de Mello, Monsenhor Valente, general Juarez Távora e Álvaro Paes

Reconhecido como um religioso de larga formação intelectual, o Cônego Valente foi admitido, em 11 de setembro de 1923, como sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas.

No início de abril de 1929 prestou concurso para a cadeira de História e Corografia do Brasil do Liceu Alagoano. Aprovado, foi nomeado no dia 18 daquele mesmo mês. Permaneceu nesta instituição até 1952, quando se aposentou.

A sua dissertação no concurso foi sobre o período histórico do reinado de D. Pedro II. Esse trabalho foi objeto do estudo “O ensino de História do Brasil configurado na tese do cônego Valente”, elaborado pelo professor Ivanildo Gomes dos Santos em 2013.

Ao investigar os “conteúdos veiculados na disciplina de História do Brasil e História da Civilização, ministradas no Liceu Alagoano, durante a docência do professor Cônego Antônio José de Cerqueira Valente”, o professor Ivanildo Gomes identificou que “a escrita de Valente era coerente com as discussões encontradas nos compêndios e manuais didáticos da época. Estes, por sua vez, estavam associados à construção da identidade nacional, a partir, principalmente, do culto aos heróis. Esse tipo de “nacionalismo de direita”, como ficou conhecido, estava voltado para a manutenção dos projetos das elites, de seu poder e privilégios”.

Ainda no Liceu Alagoano, foi professor catedrático de História do Brasil, esteve temporariamente na 2ª cadeira de História da Civilização e, interinamente, em 1932, lecionou Latim.

Dirigiu a instituição por pouco tempo, a primeira vez entre outubro e novembro de 1931 e a segunda entre março e maio de 1933.

Foi também professor do Seminário Arquidiocesano de Maceió durante 19 anos. Lecionou Teologia Dogmática e Direito Canônico. Era reconhecido como uma das maiores autoridades brasileiras na área do Direito Canônico.

O Cônego Valente faleceu no dia 4 dezembro de 1968, quando tinha 80 anos de idade. Estava internado há vários dias no Hospital do Câncer da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, vítima de um derrame cerebral. Residia então na Rua da Alegria, nº 78. Foi sepultado no Cemitério Nossa Senhora da Piedade.

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