A história do sururu alagoano

Destaque na culinária regional, esse molusco também faz parte da cultura alagoana

Família de sururuzeiros na lagoa Mundaú

Não se consegue precisar onde e quando os tupis denominaram de “çoo-rurú” (o bicho úmido) o molusco que viria a ser catalogado cientificamente como Mytella charruana.

Mas pode-se afirmar que são bem antigas as suas origens e que, com essa mesma denominação, existe do Norte ao Sul do Brasil.

Catador de Sururu em foto de Lula Castelo Branco

Quem o classificou como Mytella charruana foi o naturalista francês Alcide Dessalines d’Orbigny, em 1842. Também foi denominada como Mytella falcata pelo próprio d’Orbigny em 1846. Essa última classificação não é mais adotada para o sururu alagoano.

Em algumas regiões o sururu é conhecido como mexilhão, que na verdade é um parente próximo.

Sempre presente na culinária das áreas lacustres do País, em Alagoas ganhou projeção nacional por qualidades que foram exaltadas pelo escritor alagoano Jorge de Lima em sua obra O anjo, de 1934.

Reconhecendo que o sururu existe “em quase todas as lagoas do Brasil”, Jorge de Lima identificou no sururu da lagoa Mundaú “circunstâncias especiais explicadas pelos naturalistas, como mistura de água do mar com águas dos rios que deságuam na lagoa, e outras causas”. Com isso, eles “tornam-se como que degenerados, pequenos, gordinhos, gostosíssimos”.

Primórdios do sururu

Catador de Sururu em foto de Lula Castelo Branco

A mais antiga citação em jornais do nome sururu foi encontrada por esta pesquisa no periódico maranhense A Bandurra, de 1828. Sururu seria a prática de vadios “que com pregos e conchas de sururu rapam (para enganar a fome) a lambédine das caixas do açúcar no Terreiro do Paço em Lisboa”.

Provavelmente eram cascas de mexilhões e o tumulto, causado pelas disputas entre os portugueses pobres por estas raspas de açúcar, pode ter à apropriação da expressão tupi “sururu” para significar confusão, tumulto, briga etc.

Nas primeiras décadas do século XIX, o sururu já era tão conhecido que fez parte do movimento naturalista, sendo incorporado a denominação de pelo menos uma pessoa, como registrou, em 5 de outubro de 1841, o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro ao divulgar que Antônio Coelho de Mello Sururu era o 2º escriturário da Alfandega da Paraíba.

Além do registro pelo IBGE de duas cidades brasileiras com o nome Sururu, o relatório do Ministério da Guerra de 1846 faz menção da existência de um Forte de Sururu em Cabo Frio no Rio de Janeiro.

Ainda em 1846, o jornal O Musaico da Bahia, publicou um texto assinado por M. A. S. abordando a existências de pérolas no Brasil. O autor evocava testemunhos escritos de “contemporâneos instruídos e fidedignos que me asseveram ter tirado, e visto tirar aljofares mais ou menos prefeitos de um marisco bem conhecido entre nós com o nome de sururu, a que chama Spix-Anodon ensiformis”.

Na revista Careta de 2 de janeiro de 1937, ao explicar a origem da palavra “babado” sob o título de “Crendices Amazônicas”, um texto cita que na “língua geral encontramos para babado a expressão ‘sururu’, que ainda hoje se conserva para designar o indivíduo que anda triste, macambuzio: ‘Fulano anda sururu’; a Marocas o fez ficar sururu; como quem diz anda triste de tão ‘babado’”.

Em Alagoas

Catando sururu em Rio Novo, Maceió

Foi no Jornal do Pilar de 20 de fevereiro de 1877 que esta pesquisa encontrou a primeira citação do sururu em periódicos alagoanos. O texto era de uma reclamação contra a existência do monopólio sobre a sua pesca durante a quaresma.

Dez anos depois, no jornal Gutenberg, de 26 de agosto de 1887, surgiu a expressão antecessora do caldo do sururu: “aquele alemão do Oiticica há de dar em água de sururu”.

O Almanak do Estado de Alagoas de 1894 relacionou os moluscos que os alagoanos comiam no final do século XIX: massunim, sururu, ostra, polvo, caracol e lesma.

Em 1º de novembro de 1896, o Gutenberg publicou o seguinte texto na seção TELEGRAMA: “Vovó Gazeta — Rio — Mande o Maceió. Caldo sururu restabelecerá. Consulte Sebastião, está bem a par — Gutenbinga”. Uma prova que o caldo já era reconhecido por seus poderes “medicinais”.

Na coluna Carnaval do Gutenberg de 24 de fevereiro de 1909 há referência à Praça dos Martírios como um bom local “para a reunião da Mascarada e do povo divertido desta plaga abençoada e prolífera onde se multiplicam o Sururu, portador de fósforo, de tanto vigor para o cérebro alagoano”. No carnaval de 1917, o Diário do Povo registrou a existência do “Bloco Sururu”.

Sururu de capote

Ainda em 1909, no dia 4 de maio, o Gutenberg noticiou que os moradores de Bebedouro cobravam do intendente “a designação de um local conveniente, em bem do saneamento do referido arrabalde, para depósito de lixo e cascas de sururu e de ostras, que são atirados à vontade, na praça Santo Antônio na parte que fica nos fundos da referida capela e na rua Nova, nas proximidades do cemitério, sem a menor fiscalização da vigilância municipal, que tem ali um representante”.

Ao comentar a situação dos operários alagoanos da indústria fabril, o jornal Gutenberg de 23 de junho de 1909 informou que “O operário criança ganha em média $800 diários; o operário mulher 1$200 a 2$500; o operário homem 1$200 a 8$000”. O jornalista avaliou que esses salários “são excelentes em Maceió, onde a vida é baratíssima”. Justificou essa situação destacando que “o operariado das fábricas em geral, toda a baixa população de Maceió e arredores, aproveita-se das lagoas piscosas e se alimentam exclusivamente de peixe e, principalmente, do sururu. Assim, nada lhes custa a alimentação”.

O Mapa Demonstrativo das Rendas do Mercado Público de Maceió referente ao dia 4 de fevereiro de 1911 dá conta da existência de 31 tabuleiros de sururu e que cada um pagou naquele dia a importância de 6$200. O número de tabuleiros variava muito. Nesse período, os jornais registraram alguns dias com 4 e outros com até 35 tabuleiros.

O Diário do Povo de 6 de outubro de 1917, em resposta ao “Jornal” (provavelmente o Jornal de Alagoas), rebate a afirmação que “na lama das nossas lagoas há sururu com fartura”, argumentando que “todo mundo sabe que o saboroso marisco escasseia desde os tempos clodoaldinos e por isso ainda agora nos falta”. Clodoaldo da Fonseca governou Alagoas entre 12 de junho de 1912 e 12 de junho de 1915.

Em texto publicado na revista Carioca de 17 de setembro de 1938, o jornalista e escritor alagoano Waldemar Cavalcanti identificou a culinária alagoana como “de uma humildade sem nome. Cozinha de pobre. De sururu e caranguejo. De siri de coral. De peixe frito ou ensopado. De feijão com carne seca ou bacalhau e farinha”.

Frisou o consagrado escritor que nesta época era comum se referir a Alagoas como a terra do sururu e ao alagoano como papa-sururu. “Isso demonstra que a malícia popular terminou por frisar uma peculiaridade da tradição alimentar do nosso povo”, entretanto, informou que o viajante quando chegava a Maceió sempre pedia o sururu.

Outra característica do sururu observada por Waldemar era a abundância desse molusco, transformando-o num produto relativamente barato e sempre presente na alimentação do povo alagoano.

Receita de frigideira de sururu publicada na revista Fon Fon de 1952

Waldemar Cavalcanti tinha razão ao identificar que, sem ter essa intenção, o alagoano conseguiu estabelecer uma identidade associada ao molusco.

Do início do século XX até a década de 1970 facilmente se encontra nos textos jornalísticos expressões como “brava gente da terra do sururu”, “terra fecunda do Sururu”, “legendária terra do sururu”, “santa terra do sururu”, “famosíssima terra do famoso sururu”, “terra do sururu afamado”, “terra boa do sururu e dos coqueiros farfalhantes”.

Quando o jornal Correio da Manhã noticiou em 18 de junho de 1965 que a candidatura de Teotônio Vilela ao governo tinha sido preterida para dar lugar a de Rui Palmeira, reproduziu a reação do então deputado estadual Teotônio Vilela: “o alagoano só é solidário no crime”, parafraseando Oto Lara Rezende. O jornalista completou: “No crime e no sururu, deputado. Diante de uma travessa de sururu, alagoano esquece qualquer bangue-bangue”.

Sururu na economia

No início dos anos da década de 1950 começaram a surgir os textos indicando que haviam estudos sobre o sururu e a sua capacidade de se transformar em produto industrializado para ser comercializado até no exterior.

Um destes escritos identifica que “o sururu prolifera nas partes mais rasas da lagoa, dentro da lama. Vive em colônias numerosas. Cresce, engorda e sobrevive de acordo com o teor de salinidade da água, que não deve ser nem muito doce, nem muito salgada. Ideal é entre 5 e 15%. Somente as águas da lagoa Mundaú, oferecem essa condição. Por isso, ali habitam com grande abundância. E a espécie de maior volume de produção do estado: vai a quase 6 toneladas ao ano.

Catadores de sururu em Maceió. Foto publicada na Revista da Semana de 29 de março de 1930

Nos últimos quatro anos da década de 1960, um estudo da Divisão de Recursos Pesqueiros do Departamento de Recursos Naturais da Sudene chegou a concluir que o sururu alagoano poderia desempenhar importante papel na economia pesqueira nordestina, se fosse racionalizada a sua captura e sua industrialização. Seria fonte de renda para aproximadamente 100 mil habitantes das ribeiras da lagoa Mundaú.

A pesquisa documentou que em 1965 foram pescadas 5.500 toneladas do molusco e que seu consumo era quase que totalmente efetivado em Alagoas por causa das precárias condições da sua pesca. O trabalho para a Sudene foi realizado pelos técnicos José Bento Pereira Barros e Iêda Vilela.

Em janeiro de 1970 foi anunciada em Alagoas a constituição da Companhia Industrial de Alimentos do Mar (CIMAR), liderada por Ayrton Cardoso e que se propunha a atuar com o “Projeto Sururu” na Lagoa Mundaú.

Ainda nos anos de 1970, o sururu desapareceu da Lagoa Mundaú e várias denúncias identificavam as usinas como as culpadas por derramarem caldas ou detritos poluentes nos rios que a alimentavam.

Em 1979, o Diário de Pernambuco do dia 11 de março divulgou uma carta de Paulo Fernando, da Sudene, explicando que aquela instituição publicou oito trabalhos em cinco anos sobre o sururu alagoano, além de implantar cultivos experimentais semelhantes aos da França, Holanda e Espanha, grandes produtores mundiais de mitilídeos.

Informou ainda o técnico da Divisão de Recursos Pesqueiros que o projeto industrial de exploração do sururu não logrou êxito porque “nos últimos cinco anos (de 1975 a 1979) o sururu praticamente foi extinto em Alagoas devido à poluição”.

Sururu na cultura alagoana

Catadora de sururu em Maceió. Foto publicada na Revista da Semana de 29 de março de 1930

A influência do sururu em Alagoas e principalmente em Maceió tem sido objeto também de estudos acadêmicos, como os realizados pelos professores Edson de Gouveia Bezerra e Ernani Viana da Silva Neto, que desenvolveram o projeto que levou o sururu a ser reconhecido como Patrimônio Imaterial pelo Conselho Estadual de Cultura de Alagoas.

No ensaio “Imaginário Sururu: Um patrimônio a contrapelo”, os autores construíram a sustentação para a valorização do molusco por “suas particularidades biológicas e culinárias, sistematizadas em imaginários” que estariam “culturalmente associadas ao pertencimento alagoano”.

O ponto alto do sururu na cultura alagoana aconteceu em 1934, quando Aristóbulo Cardoso e Pedro Nunes lançaram o frevo “Sururu da Nêga”, um sucesso estrondoso que permaneceu como hino do carnaval alagoano por décadas.

É da favela? Não, nêga Juju
Nasceu num rancho da terra do sururu
Quadris roliços, o cabelo atrapalhado
Quem vê diz que traz feitiço no olhar apimentado
Cavando a vida no Canal do Mundaú
Pesca caboclo, massunim e sururu
Em Bebedouro, no Farol, na Ponta Grossa
Com o sururu da nega a folia é nossa
Não há petróleo, não há porto, não há nada
O bom problema é o sururu lá na Levada.

Ouça aqui Sururu da Nêga Aristóbulo Cardoso e Pedro Nunes executado pela Orquestra Almir Medeiros, que também fez o arranjo. Canta Lima Neto.

***

Em julho de 2018, um novo modelo de cultivo do sururu foi apresentado a marisqueiras e pescadores da orla lagunar  de Maceió. A iniciativa era do Maceió Mais Inclusiva Através da Economia Circular, um projeto que que pretende qualificar a cadeia produtiva do marisco.

A proposta, que foi apresentada pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (Iabs), pretendia melhorar a qualidade de vida dos catadores de sururu e transformá-lo em um produto para exportação.

O projeto foi o resultado de parceria entre a Prefeitura de Maceió, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por meio do Fundo Multilateral de Investimento (Fumin), e o Iabs, além de contar com o apoio da Braskem e Sebrae.

Uma das ações mais importantes dessa iniciativa foi a implantação do cultivo experimental do sururu por meio da aquicultura, em uma estrutura para suspensão do marisco instalada em diversos pontos da Lagoa Mundaú.

Não se teve mais notícias sobre a execução do projeto até a publicação dessa pesquisa.

5 Comments on A história do sururu alagoano

  1. Claudio de Mendonça Ribeiro // 8 de dezembro de 2018 em 08:15 //

    Bom dia a todos.
    Prezado Ticianeli, grato pela publicação desta edição de História de Alagoas sobre o sururu. Como já comentei anteriormente, nasci em Fernão Velho, portanto às margens da Lagoa Mundaú. Foi o sururu, além do peixe, do siri, do caranguejo etc, que me alimentou e a minha família. Só lamento que a Lagoa Mundaú tenha sido poluída e, com isso, destruído o sururu. Torço para o novo projeto seja implementado. Grato, Claudio Ribeiro

  2. Osvaldo Epifanio // 8 de dezembro de 2018 em 14:52 //

    Olá, Galego.
    Como o seu leitor Cláudio Ribeiro, também nasci em Fernão-Velho. Foi o sururu nossa grande marca culinária e cultural. Não existia Fernão-Velho sem o sururu. O inverso é mais uma verdade incontestável também. Os dois formavam um casal de alianças gêmeas. Não se concebia que a terra-mãe da Rua da Mangueira ficasse sem sururu. Todos – operários, patrões, meninos, mocinhas, o padre, o pescador, o contra-mestre da fábrica, o vendedor de algodão doce, o fogueteiro da Igreja de São José Operário e o Sebastião Barbeiro (meu velho) – eram uma só alma debruçada no prato do capote.

    Parabéns, Galego pelo resgate de um tesouro alagoano e fernão-velhense.

    Abraços do Osvaldo (Pife)

  3. André José Soares Silva // 10 de dezembro de 2018 em 09:43 //

    Eu fico a imaginar…
    Se com tanta agressão a nossa Lagoa Mundaú, ainda alimenta tantas famílias as suas margens, imagine se a despoluição do complexo estuarino lagunar Mundaú Manguaba saísse do papel…?!

  4. alguem saber sobre a reproduçao do sururu?

  5. Valfrânio Medeiros // 11 de junho de 2021 em 10:08 //

    Que história sensacional essa do sururu alagoano, parabéns ao autor. Como alagoano, orgulhoso da sua terra, falo sempre que sururu só em Alagoas, o resto é mexilhão, embora esse molusco seja parente do nosso “Vivente das Alagoas”, parodiando o Velho Graça (Graciliano Ramos.

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