Como Mário Lago descobriu Chico Nunes das Alagoas

Mário Lago foi o autor do livro Chico Nunes das Alagoas

Edberto Ticianeli – jornalista

A histórica Viçosa, a Atenas de Alagoas, vivia dias agitados em 1971. A cidade recebia a equipe que filmava São Bernardo, produção cinematográfica baseada no livro homônimo do alagoano Graciliano Ramos.

Cena do filme São Bernardo gravada em Viçosa

Cena do filme São Bernardo gravada em Viçosa

Numa noite quente, um dos atores sai a perambular pelas ruas da cidade e é atraído pelo som de um cavaquinho.

Foi assim que o advogado, poeta, radialista, letrista e ator Mário Lago descobriu o Trovador Berrante, local de poucos negócios e muitas farras comandadas por seu proprietário, o lendário Zé do Cavaquinho.

Como boêmio atrai boêmio na proporção direta do tamanho da farra, Mário Lago e Zé do Cavaquinho foram ficando amigos de mesa de bar – uma das amizades mais sólidas entre as que existem por aí.

Conversa vai, conversa vem, e Mário Lago não demorou a ser apresentado à obra de outro boêmio, Chico Nunes, o Rouxinol da Palmeira.

O Trovador Berrante de Zé do Cavaquinho

O Trovador Berrante de Zé do Cavaquinho

Chico Nunes nasceu Francisco Nunes de Oliveira no dia 4 de maio de 1904, em Palmeira dos Índios, onde faleceu no dia 21 de fevereiro de 1953. Já poeta famoso, mudou o nome para Francisco Nunes Brasil, mas terminou simplificando para Chico Nunes. Era filho de José Nunes da Costa e Francisca Nunes de Oliveira.

Como bom conhecedor da cultura popular, Lago percebeu o valor da obra de Chico Nunes. Ali mesmo, no Trovador Berrante, decidiu tirar aquelas verdadeiras joias raras do improviso da oralidade, transferindo tudo aquilo para um livro.

Assim surgiu a pesquisa e, posteriormente, o livro Chico Nunes das Alagoas, lançado comercialmente em 1975 pela Editora Civilização Brasileira. O sucesso foi imediato e o livro recebeu crítica elogiosa de Luiz da Câmara Cascudo e de Artur da Távola. Hoje é raro encontrar um exemplar para venda.

Chico Nunes, o Rouxinol da Palmeira

Chico Nunes, o Rouxinol da Palmeira

A obra, na sua última página, traz uma relação de pessoas a quem o autor agradece por terem pesquisado para ele e fornecido informações que possibilitaram o livro.

Lago se refere ao grupo como a “turma do mutirão”. Na “turma” estão dois viçosenses ilustres: José Aloísio Vilela e Théo Brandão, sempre relacionados entre os maiores estudiosos da cultura nordestina.

Essa informação, inevitavelmente provoca uma indagação: por que José Aloísio Vilela e Théo Brandão, viçosenses e conhecedores do poeta, não tinham escrito nada sobre Chico Nunes?

A pista para entender por que foi um carioca, ligado ao Partido Comunista, que revelou para o Brasil a obra de Chico Nunes, talvez esteja na vida de boêmio do Rouxinol da Palmeira, sem apego ao dinheiro, à família ou ao poder. Autoridade para ele era mote para uma glosa.

Nos anos 20, o governador Costa Rego visitava Palmeira dos Índios e cobrou do prefeito a presença de Chico Nunes. Queria conhecer o famoso glosador.

O que Costa Rego não sabia é que o poeta estava revoltado com a medida adotada pelo governo proibindo a jogatina nos bordéis, onde ganhava uns trocados.

Levado pelo prefeito até onde estavam as autoridades, Chico Nunes foi autorizado a fazer uma saudação aos visitantes. Esperava ouvir dele alguma coisa como havia feito o famoso Manoel Catuaba, também em Viçosa:

— Viva o nosso
— Governadô

Capa do livro Chico Nunes das Alagoas

O seu doutõ Costa Rego
É homem de opinião.
Acabou o jogo do bicho.
Botou gente na prisão.
Fês uma limpeza boa
Em criminoso e ladrão

— Viva o nosso
— Governadô

O seu doutô Costa Rego
É homem de cara feia,
Pegou ladrão de cavalo
Botou tudo na cadeia.
Bom ensino pra quem veve
A pegá nas coisa alheia.

— Viva o nosso
— Governadô.

Chico Nunes Brasil não era de agradar. Preferia dizer suas verdades. Sem medir palavras, assim sapecou:

Costa Rêgo

Costa Rêgo

Existe um governador
Que se chama Costa Rego,
Que tirou o meu emprego
Porque o jogo acabou,
Isso me contrariou,
Mas o destino assim quis,
A sorte me contradiz,
Eu fiquei desmantelado…
Largue de ser desgraçado,
Seu Costa Rego infeliz.

Graças a Mário Lago e à sua sensibilidade para com a cultura popular, essa e muitas outras obras primas ficaram registradas no Chico Nunes das Alagoas.

13 Comments on Como Mário Lago descobriu Chico Nunes das Alagoas

  1. Grazianne Duarte // 29 de maio de 2015 em 08:59 //

    Bom dia!!

    Primeiramente parabenizar a matéria pelas informações e riqueza de detalhes que fazem relembrar os tempos de outrora. Gostaria de saber se podemos reproduzir a matéria no portal Estadão Alagoas. Sou diretora executiva e achei o material de vocês muito interessante. No mais, aguardando resposta pelo e-mail graziannejornalista@gmail.com

  2. ostenes luis macedo. // 28 de março de 2016 em 21:15 //

    QUANDO SE FALA EM PALMEIRA DOS ÍNDIO – AL, LEMBRAMOS LOGO DE GRACILIANO RAMOS. NOSSO GRANDE ESCRITOR QUE MUITO NOS ORGULHA. MAIS POUCA GENTE CONHECE OU NÃO SABEM QUEM FOI O ROUXINOL DAS ALAGOAS, O NOSSO CHICO NUNES. GOSTARIA DE VER SEU NOME E SUA OBRA NAS REDES SOCIAIS. PARABÉNS Á TODA ESSA EQUIPE QUE CRIARAM E DIVULGARAM ESSA MATÉRIA.

  3. Paulo Davi // 22 de junho de 2017 em 10:50 //

    AMigos, é possível com muita facilidade encontrar esse livro do Mario Lago para vender na Estante Virtual, ok? Para quem tiver interesse, tem muitos exemplares da edição de 1975 a venda. Em 1992 foi feita uma reedição, contando com o apoio de Mario Lago para converter os direitos autorais a uma reforma no Trovador Berrante. Essa informação consta nesta segunda edição.

  4. Eu tenho o Livro Chico Nunes das Alagoas.
    Severino Fidelis de Moura, http://www.ceaal.org.br.

  5. José Honorato se Souza // 19 de outubro de 2018 em 14:31 //

    Como gostaria de reler este livro. Melhor seria uma re edição do mesmo.

  6. Paulo Décio Damasceno // 15 de fevereiro de 2019 em 13:39 //

    Já tive o livro Chico Nunes das Alagoas. Emprestei e não devolveram. Perdi. Gostaria de comprar outro.

  7. Paulo Décio, já vi exemplar à venda em um dos sebos atrás da Assembleia.

  8. sidneywanderley // 5 de maio de 2019 em 12:10 //

    Na foto do bar Trovador Berrante, no balcão se acha dona Alice, a mulher do Zé do Cavaquinho, e na mesa, Jânio (um dos filhos do Zé, a dedilhar o violão) e Sidney Wanderley (a beliscar uma cerveja).

  9. Claudio Américo Oliveira Machado // 30 de maio de 2019 em 20:10 //

    Belíssima matéria, realmente digno de premiação, alagoanos notáveis, parabéns!

  10. Sou neto dele. Infelizmente não cheguei a conhece-lo. Meu me deu um exemplar do livro que guardo com muito carinho. Wladimir Pajares de Oliveira

  11. Grande chico Nunes das Alagoas, disse esse verso Belo com Governador , e o próprio lhe deu uma quantia que Chico nunes comprou uma casa logo depôs

  12. Miguel Correia // 2 de agosto de 2022 em 22:11 //

    Ôxe, eu tenho um exemplar!

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