Arquiteto Lúcio Costa define a Maceió de 1926 como uma cidade pequena e feia

Mais uma vez o dr. Vinicius Maia Nobre emprestou seus conhecimentos ao História de Alagoas para revelar informações importantes da nossa história.
Desta feita indicou a carta em o arquiteto Lúcio Costa descreve sua passagem pela capital alagoana em 22 de setembro de 1926, quando viajava a bordo do navio “Bahia” com destino à França.
Na Europa, ia cursar sua pós-graduação com Charles-Edouard Jeanneret-Gris, que ficou mundialmente conhecido pelo pseudônimo de Le Corbusier.
A carta faz parte do acervo do Instituto Antônio Carlos Jobim e pode ser baixada no endereço http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/878. Também foi publicada no livro Lúcio Costa: registro de uma vivência.
Lúcio Costa passou a ser conhecido, no final dos anos da década de 1950 e início dos 60, como o autor do Plano de Brasília ao vencer o concurso instituído por Juscelino Kubistchek para a escolha do melhor projeto para a construção da nova capital do país.
Vinicius Maia Nobre, além de indicar esse documento histórico, também fez críticas às posições adotadas por Lúcio Costa e Oscar Niemayer ao desprezarem a arquitetura do começo do Século XX, típica do tempo do Brasil Colônia, pois a consideravam uma cópia da arquitetura europeia.
Essa postura levou os dois, durante o período em que “dominaram o IPHAN”, a autorizar “a demolição de mais de uma centena de belos edifícios no Rio, São Paulo e em outros lugares”, revelou Maia Nobre.

Oscar Niemeyer, Lucio Costa, “Leleta” e Maria Elisa Costa, Anita Baldo e Anna Maria Niemeyer. A bordo do “Pan America”, chegando a Nova York em abril de 1938. Foto Casa de Lucio Costa
Sobre a crítica à Maceió expressa na carta, o renomado engenheiro e escritor alagoano avalia que Lúcio Costa “não viu nada no Centro de Maceió, quando já existiam o Teatro Deodoro, Tribunal de Justiça, Palácio do Governo, Catedral, Palacete do Chamorro, igrejas do Martírios e do Rosário, prédio do Tesouro Nacional e tantos outros exemplares da época”.
“O principal assunto — continuou — vem a ser as jangadas por ele avistadas nas praias de Ponta da Terra e Pajuçara. O quanto ele admirou o que tantos outros o fizeram quando depararam com a beleza do nosso litoral”, destacou Maia Nobre, que foi o engenheiro-chefe da equipe que construiu o Estádio Rei Pelé.
Observou ainda que o ilustre visitante de 1926 relatou com muito realismo o transbordo dos passageiros dos navios ancorados até a famosa Ponte de Jaraguá. “Vivi em 1940, quando tinha 11 anos, o quanto eram gostosas as manobras. Fui buscar meus pais que voltavam de uma viagem. Achei tudo maravilhoso”, recordou.
Vamos conhecer a carta de Lúcio Costa.
…
Pequena e feia
Bordo do “Bahia”, 22-9-26
Queridos,
Amanhecemos hoje em Maceió. A cidade não tem cais, o navio está ancorado. Cheguei ainda há pouco de terra. É uma cidade pequena, feia, sem interesse, — sem expressão.
O desembarque é pitoresco, barcos a vela sem conta vêm ao navio; aglomeram-se junto à escada e imploram dos passageiros a preferência para conduzi-los à terra.
“Aviador” foi o nome do meu bote. Junto à escada, subia e descia com o mar, e eu na escada esperava que subisse para nele saltar. Tentei em vão duas vezes, na terceira consegui.
O marujo afastou do navio com o remo, içou a vela, que logo cresceu cheia de vento. O barco deslizou ligeiro, rasgando a ondulação calma das águas com um barulho seco e quase imperceptível.
Para aproveitar o vento eles dão uma grande volta. Vão primeiro em linha reta, com o pano cheio, até uma cadeia escura de recifes. Chegam perto, bem perto das pedras, dando-nos a impressão de que vão bater. Aí, ligeiro, numa manobra precisa e rápida, muda a vela de bordo, quebra bruscamente o rumo em ângulo reto, e seguem em direção à praia.
Construídos sobre estacas de madeira há grandes trapiches rústicos que vêm à frente, compridos, como grandes pontões, e projetam sobre a água muito verde e transparente uma sombra escura, arroxeada e ondulante, que ainda mais faz ressaltar a luminosidade do mar, do céu e de tudo o mais banhado pelo radioso sol da manhã.
Girei pela cidade. Olhei para tudo e nada vi, nada vi que prendesse a atenção. Nada sobressai do resto. É tudo apagado, tudo segundo plano, tudo suburbano. Felizmente tomei um bonde que me levou para fora – “Ponta da Terra”, chamam o lugar.
Gostei, gostei muito mesmo. Deu-me a perfeita impressão dessas cenas de naufrágio, de ilha deserta, de que os filmes americanos tanto gostam. Algumas casinholas de terra batida e cobertas de sapé, redes, gente sonolenta. E uma praia, mas uma praia diferente de todas as outras praias. Muito plana, muito larga, cheia de coqueiros, desses coqueiros sinuosos, esguios, que balançam e cantam com o vento.
E o mar muito calmo, sem arrebentação, sem ondas. Muito calmo e muito verde, um verde lindo, verde esmeralda, ora mais claro, ora mais escuro, com manchas azuladas de recifes à flor d’água. Perto, ancorado, um veleiro de três mastros. E longe, bem longe, as jangadas que deslizam leves, com as velas em triângulo, muito brancas, cheias de vento. Velas que brilham, velas de porcelana.
E uma viração suave, um céu azul e um sol resplandecente. Paisagem de ilha abandonada, apesar dos pescadores e das velas, calma, sonolenta. Paisagem de aquarela.
Este Portal transforma uma carta do renomado arquiteto Lúcio Costa num fato histórico de suma importância para nós alagoanos ! Estou feliz por ter participado com o amigo e colega Ticianeli pela transcrição da carta e comentários a ela referentes ! Mais um parabéns pelo acréscimo que o Portal dá á nossa história!
Se Lúcio Costa desembarcasse hoje na praia da Avenida e chegasse ao centro de Maceió veria que pouca coisa mudou em se tratado de beleza naquelas cercanias. A orla da praia da avenida lá pelas bandas do Sobral está terrivelmente feia, destruída, terrenos abandonados. Necessita-se urgentemente revitalizar aquela área. Como a forte maresia compromete à construção de condomínios residenciais e comerciais, poderia-se pensar em criar áreas públicas que favorecessem à população local e turistas.
Gilberto concordo com vc sobre o abandono da Região do Sobral e do Trapiche. Mas quem vai investir junto à uma fábrica de produtos químicos como a BRASKEM. A BRASKEM acabou aquela região
Que carta! Que explicação maravilhosa. Que riqueza de detalhes. Parece que vivemos o momento. Sentimos as sensações!