Maceió antigo e em 1988
A arquiteta dra. Zélia Maia Nobre avalia que o crescimento desordenado e rápido piorou a vida em Maceió
*Entrevista com a dra. Zélia Maia Nobre publicada na revista Última Palavra de 6 de maio de 1988.
Maceió já teve a agradável denominação de “Cidade Sorriso“, “Terra dos Marechais”, mais antigamente. Hoje, caso se fosse procurar um título adequado para nossa capital, talvez o nome da peça teatral do Nelson Rodrigues — “Bonitinha, mas Ordinária” — fosse a definição exata para nossa sofrida cidade.
Não se fala de outra coisa nas ruas, na opinião dos que vivem nessa “província babel“, do que “a cidade está andando para trás, como caranguejo”. E não precisa ir muito longe para saber porquê. E só dar uma volta no quarteirão para se notar a sujeira, escuridão, o descaso, a violência e a depredação da memória arquitetônica e geográfica, entre outras coisas.
Mas, se o cidadão comum vê e lamenta estes aspectos negativos, o que dizem os arquitetos, engenheiros e as pessoas ligadas mais diretamente com a imagem da cidade? Reclamam. denunciam, lamentam… mas, de quase nada serve. Infelizmente, para todos nós.
Uma das figuras que pensam na preservação da memória de nossa cidade e todo o processo por que ela passa num momento de evolução e transformação urbanística e paisagística, é a arquiteta Zélia Maia Nobre, uma das pioneiras no trabalho de preservar os bens culturais, participando ativamente nos primeiros tombamentos estaduais como membro do Conselho de Cultura e do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, além de elaborar projetos arquitetônicos, entre eles, do Manicômio Judiciário, edifício do Ipaseal e Restaurante Universitário.
Mas, infelizmente, nem todo mundo se acha responsável ou mobilizado para agir em defesa de nossa memória e patrimônio. Enquanto isso, Maceió continua um processo crônico de inchação, com grande volume de trabalhadores rurais desempregados do corte sazonal da cana e fugindo da inclemência da seca.
Eles chegam em levas e ocupam o primeiro espaço vago que encontram em pontas de rua, terrenos entre prédios residenciais, criam novas favelas e começam a proliferar na sujeira dos mangues, dos diques e das encostas. E para agravar a situação, não existe nenhuma política de assentamento urbano, e quando tem é para construir conjuntos habitacionais que deixam sua população em completo isolamento social.
Se antes existia uma onírica visão de barcos coloridos nas águas despoluídas da orla marítima da Pajuçara, hoje o que temos? Praia suja, coliformes fecais. Se antes existiam os banhos naturais, como o Catolé ou Bica da Pedra, hoje tudo isso acabou ou virou privilégio de poucos. Se antes eram áreas verdes e ruas arborizadas, hoje é desolação só, destruição, depredação generalizada de tudo: desde o barro arrancado das barreiras do Jacintinho até a penhora de todos os bens do Teatro Deodoro.
“Surgindo Maceió no século XVII, permanece até a primeira década do século XIX como povoado (200 anos). Até o seu processo de formação foi muito lento. Fatos novos, como a criação do Porto de Jaraguá, da Alfândega, abertura do canal da Levada, propiciando aumento da navegação lacustre, com importação e exportação para a zona rural, o processo de evolução se efetivou com mais rapidez. Nesta fase, a população cresceu 200%” — afirma a arquiteta Zélia Mala Nobre, que em seu currículo tem a fundação do curso de Arquitetura da UFAL.
Segundo a arquiteta, só em 1851 criou-se a primeira via para o planalto, a qual ainda existe hoje, que é a Ladeira da Catedral. “Na segunda metade do século XIX, outras ligações se processaram, entre o Centro e Jaraguá, entre o Centro e o Trapiche da Barra. Os impactos de novas vias foram expressivos, tornando-se consolidados os bairros Centro, Jaraguá, Bebedouro, Pajuçara, Levada, Poço, Mutange e o Farol. E após 20 anos, surgiram outros bairros, como Mangabeiras, Ponta da Terra, Pontal da Barra.”
Para a dra. Zélia Maia Nobre, a estrutura urbana formada pelo Centro e outros bairros tornou-se radiocêntrica com seus condicionantes políticos, administrativos e socioeconômicos. De 1890 a 1940, a população aumenta 154%, permanecendo a mesma base econômica. Entre as décadas de 1940-1960 surge um fato novo no processo natural de crescimento: uma via nacional dando continuação à avenida Fernandes Lima, que foi a BR-104, na época da guerra, construída por americanos. “Atualmente” — diz ela — “quase lodos os bairros se encontram interligados. E de 1960 a 1980, o crescimento foi de cerca de 500% em sua população. Com este fato, projetam-se quadros de carências, sem infraestrutura adequada e suficiente”.
— “É nesta fase que é implantada a Salgema, se dá início ao Polo Cloroquímico, que juntamente com o êxodo rural e o turismo, agrava a crise, tanto de habitação, de alimentação, de saneamento, enfim uma infraestrutura deficitária. Maceió não estava preparada para isto. A crise-alimentação, habitação, etc se torna acentuada e hoje o custo de vida é um dos mais altos do país. A administração pública não acompanha o ritmo desse crescimento. E em breve, um problema que de certo surgirá com a conclusão bem próxima do Shopping Center Iguatemi, que a meu ver, só com a criação de um anel viário interligado ao sistema básico Maceió, será a solução. E isto demanda recursos e tempo“, defende a dra. Zélia Maia Nobre.
“Acredito na falência da cidade”
U.P. – O turismo forçou a barra, nesta má transformação que vivemos hoje em dia?
Zélia – No meio de uma crise, os turistas descobrem Maceió, por ela possuir uma vocação forte para isto, pelas praias selvagens e outros itens, embora já desfiguradas e junto a casarios sem saneamento. O êxodo rural, o turismo, o Polo Cloroquímico e as aberturas das vias federais, estaduais e municipais, tudo isso causou uma superpopulação em pouco tempo-espaço, com índice muito acima do normal.
U.P. – E a falta deste planejamento urbano ou de uma política conjuntural contribuíram, numa cidade de quase 600 mil habitantes, sem um plano piloto…?
Zélia – A falta de um planejamento urbano e de uma política conjuntural contribuíram muito para os efeitos desordenados e desumanos que se notam em Maceió atualmente. A ideia de planejamento entendo como um processo voltado para uma conscientização da preservação de nosso Patrimônio Cultural (de nossa história e do meio ambiente). Aqui a ideia de conhecimento está desvinculada do passado associada a imagens, símbolos, influências estrangeiras. Assim, estamos contribuindo também para a desintegração física, econômica e social. Tudo isto se agrava pela falta de aprovação de um plano diretor que desse o diagnóstico e tendências naturais quanto às zonas para lazer, saúde, educação, comércio, indústria e as vias de circulação. A falta de um plano diretor considero um verdadeiro desastre capaz de acelerar o que se vê de pior entre nós: todos os valores sociais e físicos são mutilados. E pior que um plano diretor ruim é não ter nenhum plano diretor.
U.P. – E o projeto da reforma da orla marítima? Deveria ter sido assim?
Zélia – A meu ver foi uma maneira imposta, o projeto de reforma da orla marítima. Foi um investimento supérfluo. Parte da riqueza que existia era a própria paisagem natural, sem precisar sua provocação para criar espaços. Dessa forma, motivou um adensamento mais acelerado sem infraestrutura, com saneamento iniciado e não concluído… e outros problemas.
U.P. – O que deveria ser preservado e não foi? O que deveria ser mudado, mas de forma diferente? Qual a qualidade de vida do povo da capital?
Zélia – Falar sobre o que deveria ser preservado é por demais vasto porque não só o próprio sítio e seus casarios, suas praças, foram, por interferência de imigrantes e ações externas, grande parte destruídas em desrespeito ao patrimônio cultural e meio ambiente. Exemplo? O conjunto de Jaraguá, (parte) Bebedouro, Trapiche da Barra, o Centro (primeiro núcleo), nossas praças, falta de preservação de nossas barreiras. A vegetação dos sítios de Bebedouro, Tabuleiro, etc.
Quanto à qualidade de vida, existe para mim um verdadeiro contraste. Poucos são aqueles que têm o poder econômico e condições necessárias de saúde, lazer, educação, transporte, etc. Os conjuntos da periferia estão isolados, longe do conforto, lazer, praias com dificuldades de transporte, educação, como também a própria convivência com seus antigos vizinhos, quer sejam da cidade ou da zona rural de onde se originaram.
Não tocaria nos elementos que constituíram a formação dos primitivos núcleos: Jaraguá, edifícios das antigas ruas do centro, praças, áreas como praça D. Pedro II, Martírios, Deodoro, como também a preservação da natureza, a lagoa, as barreiras, os coqueirais da orla marítima, enfim preservaria tudo aquilo que para todo alagoano constitui seu patrimônio histórico e ambiental. Não esquecendo os costumes, as danças populares, que são umas danças riquíssimas, em relação ao que conheço no Brasil e fora dele.
U.P. – As áreas verdes? Áreas de lazer?
Zélia – As áreas verde e lazer que deviam constituir espaços abertos para o uso público com condições de insolação, ventilação, sombreamento, etc, para qualquer habitante, infelizmente quase não existem, excluindo a faixa litorânea (praia) onde muitos não têm acesso. Deveria com urgência se pensar num parque público que oferecesse cenários bem humanos. O aproveitamento do Horto Florestal, por exemplo, inclusive porque o índice de áreas verdes é bem insuficiente, no momento atual.
U.P. – Como analisa o futuro próximo, a virada do século para Maceió? Sombrias?
Zélia – A meu ver se não houver uma interferência política para o desenvolvimento de Maceió, obedecendo a normas estabelecidas pelo Plano Diretor, acredito na falência da cidade, na desintegração econômico-social. Remediar os erros cometidos e acumulados na urbe é possível, através de um esforço conjunto participativo de todos os segmentos da sociedade.
U.P. – E o crescimento horizontal e vertical?
Zélia – Isto depende do estudo das diversas zonas que devam estar contidas no Plano Diretor. Por exemplo, numa zona que possua edifícios com valores culturais, as novas construções jamais deveriam ultrapassar o gabarito das antigas, para que não apaguem a Memória ainda existente. Caso da construção do prédio da Secretaria da Fazenda, que foi implantado destruindo a volumetria do sítio histórico da Praça Marechal Floriano Peixoto (Martírios).
A saída vai depender de uma melhor distribuição urbana, das tendências naturais que devem estar diagnosticadas no Plano Diretor, com infraestrutura adequada. A escolha da implantação do local da Salgema e início do Polo Cloroquímico de Alagoas, não foi a melhor e a mais feliz, por ser uma restinga. Espaço por demais pródigo em belezas naturais, serviria para o desenvolvimento do próprio turismo, e ainda para lazer dos alagoanos. Além de ser uma indústria em que poderá ocorrer riscos de vida para a população de um dos bairros mais antigos e com muito valor cultural, o Pontal. A solução deve ser o Salgema ser transferido para a mesma área do Polo onde já existem outras indústrias.
U.P. – E o lado nostálgico? O Hotel Bela Vista? O Gogó da Ema?
Zélia – Faltou uma política para o devido esclarecimento àqueles que governam e aos próprios maceioenses. Eles não percebem que essas destruições (nossas raízes, história, cultura, passado) tornam o povo alagoano alienado de suas origens. É preciso pensar na preservação. Urgentemente.
Coisa mais linda, tô bestificado. Adorei !
Lindo trabalho, será que vcs teriam alguma foto do antigo supermercado Capibaribe, na levada, muito obrigada.