Linda Mascarenhas, a eterna primeira dama do teatro alagoano

Guiomar Alcides de Castro, Rosinha Coelho Pereira do Carmo e Berta Maria Júlia Lutz, no centro da foto, sendo recebida em Maceió por Linda Mascarenhas e dom Adelmo Cavalcante Machado, em maio de 1962

A professora e atriz Laurinda Vieira Mascarenhas nasceu no dia 14 de maio de 1895 em Maceió, na Rua 16 de Setembro, ainda uma via empoeirada do bairro da Levada. Era filha de Manoel Cesário Mascarenhas e Lourença Vieira Mascarenhas.

Seu pai casou ainda muito jovem, em 1885. Havia terminado os estudos preparatórios no ano anterior e já trabalhava como telegrafista, encarregado da estação de telégrafo do Pontal da Barra.

A jovem Linda Mascarenhas

Manoel Cesário Mascarenhas teve origem familiar no município do Pilar e sabendo que seus pais não teriam condições de sustentá-lo em uma Faculdade, optou inicialmente pela carreira militar, como registrou o Orbe de fevereiro de 1890 ao publicar a seguinte nota: “REQUISIÇÃO – Pela repartição competente foi requisitado para a escola militar da Capital Federal, para onde teve licença de ir matricular-se, o cadete do batalhão n. 26º deste Estado Manoel Cezario Mascarenhas, a quem felicitamos”.

Não se tem informações sobre essa sua passagem pelo Rio de Janeiro, entretanto há vários registros posteriores sobre o seu trabalho como telegrafista federal em Alagoas, principalmente em Maceió. A escritora Enaura Quixabeira Rosa e Silva registra ainda a sua passagem por São Miguel dos Campos, Anadia, Pilar, Passo de Camaragibe e até em Minas Gerais.

Manoel Cesário não seguiu a carreira militar, mas um dos seus dois irmãos chegou a almirante. Aristides Viera Mascarenhas teve militância abolicionista e republicana em Maceió e foi um dos fundadores do Centro Republicano Federal no ano de 1885. Sua mãe desejava que fosse padre, mas preferiu ir para o Rio de Janeiro onde foi aprovado para a Escola Naval.

O outro irmão, Horácio Vieira Mascarenhas, trabalhou como guarda livros no Rio de Janeiro e depois foi morar no Acre, onde morreu no Alto Juruá em junho de 1909.

A carreira militar de Aristides Mascarenhas influenciou dois dos irmãos de Linda: Ajalmar Mascarenhas, que alcançou o posto de marechal do ar, e Osman Mascarenhas, que chegou a general de Exército.

Outros três irmãos seguiram carreiras civis: Noêmia Mascarenhas foi professora de Desenho da Escola de Aprendizes Artificies; Agenor Mascarenhas trabalhou na Alfândega e Edgar Mascarenhas, que se tornou um conceituado médico obstetra em Goiânia, no estado de Goiás.

Linda

Linda Mascarenhas foi presidente da Federação Alagoana para o Progresso Feminino

Era considerada uma criança inteligente, irrequieta e muito ativa. Aos cinco anos de idade já conseguia ler e escrever, e aos 18 anos, em 1913, iniciou seus estudos na Escola Normal de Maceió após passar pelas bancas do Colégio Imaculada Conceição.

Opta, no magistério, por ensinar línguas, principalmente a portuguesa. Na década de 20 aprimora os seus conhecimentos em francês e inglês. Tem aulas particulares de latim com o cônego Teófanes de Barros. O grego aprende com d. Adelmo Machado e o alemão com Ludwig Duchen.

Nesse mesmo período, envereda pela pintura com a ajuda do artista Carlos Leão. Toma também aulas de piano e canto.

Essa boa formação lhe deu condições, posteriormente, de lecionar francês, inglês e português. Foi professora catedrática da cadeira de inglês na Escola Normal de Maceió até a sua aposentadoria.

Seu único amor

O grande romance de sua vida se deu com seu primo, Marceu Mascarenhas, filho do almirante Aristides Mascarenhas. Ele era militar em Natal e a relação teve início durante um período de férias.

Após a volta ao Rio Grande do Norte do namorado, Linda soube que ele estava se encontrando com outra moça. Rompeu o compromisso e não quis mais conversar com o primo.

Em uma das suas passagens por Maceió, embarcado em um navio da Marinha de Guerra, Marceu tentou conversar com Linda e pediu para ela ir a bordo. Mesmo recebendo recados com juras de amor, a namorada traída resolveu não mais ver o seu amado.

Não casou, mas exerceu seus sentimentos maternais adotando Sônia Maria Melo de Carvalho, uma contraparente que também trilhou os caminhos do teatro.

Líder

Linda Mascarenhas também teve militância política

Mesmo aparentando timidez, Linda apresentava características que a tornaram liderança nas diversas áreas por onde transitou.

O registro mais antigo de sua participação em uma atividade social está no jornal O Semeador de 17 de julho de 1916, que divulga a lista dos juízes e juízas da Festividade de Nossa Senhora das Graças, na Levada, realizadas entre 1º e 10 de setembro daquele ano. Na relação está o nome de Laurinda Mascarenhas.

No dia 31 de dezembro de 1919, o Clube Carnavalesco F. dos Aliados, com sede na Rua Sá e Albuquerque em Jaraguá, associação fundada em dezembro de 1916, empossou suas diretorias. Na feminina, presidida por Cecília Rego, Linda Mascarenhas é a vice oradora. Em 1925 continuava no mesmo cargo.

Feminista

No início da década de 30, cresceu a mobilização das mulheres em luta por seus direitos, principalmente o de votar e ser votada. Em Alagoas, as poucas mulheres que apoiavam esta luta se manifestavam de forma isolada.

Enquanto era realizado o II Congresso Internacional Feminista no Rio de Janeiro, a partir de 20 de junho de 1931, com a participação de várias delegações estaduais, Em Alagoas, nesse mesmo período, era fundada a primeira organização feminista em Alagoas, mas com objetivos assistencialistas.

O Centro Social Feminino foi fundado em 1931 para atender “o interesse cultural de um grupo de moças da nossa ‘haute gomme’ [sociedade elegante]”, como noticiou a revista Novidade nº 12, de 27 de junho daquele ano.

São citadas como fundadoras: Lili Lages, Dolores Broad, Maria e Yayásinha Calmon, Linda Mascarenhas, Hylda Calheiros, Maria Alice Neto, Lourdes Caldas, Flora e Elsa Ferraz. A primeira presidente foi Lili Lages, recém-formada em Medicina na Bahia, e Hylda Calheiros era a vice.

O Diário de Pernambuco de 26 de abril de 1932 informa na coluna Alagoas, em nota intitulada Centro Social Feminino, que a presidência desta instituição solicitava a presença das sócias na “sede do mesmo, sábado, às 16 horas, para tratar de assuntos relativos ao chá que será oferecido a cantora pernambucana Celina Nigro”.

Dois meses antes, o voto feminino no Brasil foi assegurado, em 24 de fevereiro de 1932, pelo Código Eleitoral Provisório (Decreto nº 21.076). Foi um dos atos históricos do governo de Getúlio Vargas.

Ainda em 1932, há o registro da realização por iniciativa do Centro Social Feminino, de “chá dançante” nos salões do Clube Fênix e no Jaraguá Lawn Tênis Clube. Em 1933 também ocorreram atividades para arrecadar recursos em benefício dos menos assistidos.

Progresso Feminino

Homenagem da Federação Alagoana para o Progresso Feminino a Jorge de Lima em 21 de dezembro de 1934

Duas das principais lideranças do Centro Social Feminino mantinham relações com o mundo da política alagoana. A médica Lili Lages, filha do empresário José Lages e irmã de Afrânio Lages, e Linda Mascarenhas, do grupo político getulista, como ficou evidenciado em janeiro de 1933 ao participar do Conselho Geral do Partido Nacional de Alagoas, organizado pelo interventor Affonso de Carvalho.

Acompanhando a liderança nacional exercida por Bertha Maria Júlia Lutz, Lili Lages e Linda Mascarenhas se afastaram do Centro Social Feminino e lideram a criação da Federação Alagoana pelo Progresso Feminino.

Fundada em 13 de maio de 1932, a Federação Alagoana realizou suas primeiras reuniões no salão do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Foi lá que a primeira diretoria tomou posse, com Lili Lages como presidente e Linda Mascarenhas como secretária.

Várias atividades foram desenvolvidas com a participação das duas. Em setembro de 1935, por exemplo, foi instalada a filial da Federação em São Miguel dos Campos. Esse núcleo era presidido por Maria Julia Rocha. Na solenidade, houve apresentações culturais, entre elas declamações de poesias por Linda Mascarenhas.

No dia 1º de outubro de 1936, Linda participou como representante alagoana, nos salões do Automóvel Club do Brasil no Rio de Janeiro, do 3º Congresso Nacional Feminino organizado pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.

Os primeiros frutos políticos da luta feminista foram colhidos nas eleições de 1934. Várias mulheres foram eleitas. Em Alagoas, Lili Lages conquistou o mandato de deputada estadual constituinte pelo Partido Republicano. Ainda em 1934, outra alagoana, Almerinda Farias Gama, residente no Rio de Janeiro, assumiu o mandato de deputada Constituinte pelo Distrito Federal.

Com o afastamento gradativo de Lili Lages de Alagoas a partir de 1936 — em 1938 transferiu seu consultório para o Rio de Janeiro —, Linda Mascarenhas assumiu a direção da Federação Alagoana pelo Progresso Feminino definitivamente em 1938, permanecendo neste cargo até 1990.

A própria Linda Mascarenhas também tentou participar da política apresentando seu nome para concorrer a um mandato de vereadora da capital. Não obteve sucesso.

Ação Católica

Linda Mascarenhas e o secretário Murilo Mendes durante a inauguração do Teatro de Arena Linda Mascarenhas do Colégio Marista.

Quando jovem, era católica praticante, mas ia a “missa dominical como quem vai a mais uma reunião social”, como revelou Enaura Quixabeira.

Suas primeiras aproximações com a igreja católica se deram graças a amizade com o padre Teófanes, seu professor de Latim. Mas foi somente em 1936, durante a sua participação no Congresso Eucarístico Internacional, em Buenos Aires, que despertou para a militância cristã.

No início dos anos 40, o arcebispo Dom Ranulpho Farias, dá os primeiros passos para criar a em Alagoas a Ação Católica, que viria a ser instalada no dia 27 de outubro daquele ano.

Nomeou, no dia 7 de fevereiro de 1940, o então padre Adelmo Machado como assessor eclesiástico da Ação Católica e responsável pela sua organização.

Uma das suas tarefas era escolher e mobilizar mulheres para fundar a Juventude Feminina. Para tanto, realizou várias reuniões preparatórias com 22 moças no Colégio de São José, administrado pelas Irmãs de Santa Catarina de Sena.

Formado o primeiro núcleo, a Juventude Feminina Católica foi declarada oficialmente organizada durante a instalação da Ação Católica no dia 27 de outubro de 1940. Após a missa na Catedral Metropolitana, Linda Mascarenhas foi escolhida como sua presidente em Alagoas.

Durante o seu mandato, de cinco anos, percorreu vários municípios e colégios da capital criando os núcleos da Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Estudantil Católica (JEC), além de organizar vários grupos de estudos da bíblia.

No Teatro

Atores alagoanos no Teatro Deodoro no dia 13 de maio de 1983. Foto do acervo de Maria Lídia Torres Bernardes

Linda Mascarenhas chegou ao teatro pela pedagogia. Desde meados da década de 40 que desenvolvia atividades cênicas com os seus alunos, incentivando-os a conhecerem o mundo das artes.

Foi graças ao seu empenho que surgiu o Teatro de Amadores, Teatro Amador de Maceió e a Associação Teatral de Alagoas (ATA).

O Teatro Amador foi fundado em 23 de outubro de 1944. A iniciativa contou com a ajuda da Federação Alagoana para o Progresso Feminino, de Aldemar de Paiva e de Nelson Porto. Estreou com o texto A Cigana me Enganou, de Paulo Magalhães.

Com o fim do Teatro Amador, Linda participou da criação, em 1954, do Teatro Amador de Maceió (TAM) e lá permaneceu até quando assumiu a ATA.

O embrião da ATA foi o Departamento Cultural do Clube de Regatas Brasil, para onde Linda foi levada pelo professor Luiz Lavenère. A Associação Teatral de Alagoas surgiu como resultado do amadurecimento deste grupo. Foi fundada no dia 12 de outubro de 1955.

Em meados de 1944, Linda foi a responsável pela produção do espetáculo teatral Hotel Manguaba, uma comédia de Aldemar de Paiva e Nelson Porto, então estudantes do Colégio Diocesano.

Em setembro foi a vez de Miragem, de Isabel Marsiglia e Linda Mascarenhas, com cenários de Lourenço Peixoto e música de Linda Mascarenhas e Luiz Lavenère. O canto soprano ficou ao encargo de Maria Oiticica. O dinheiro arrecadado era para construir a sede da Federação Alagoana pelo Progresso Feminino.

Depois, também realizou O Mistério do Príncipe (1946) e O Herdeiro de Naban (1950), operetas infantis de sua autoria com música e regência do prof. Luiz Lavenère.

Sua primeira participação em uma encenação da ATA se dá como teatróloga da peça Conflito Íntimo, em 1956. Assinava como Olga Luciani. Neste mesmo ano, promoveu pela também pela ATA o Primeiro Concurso de Peças Teatrais realizado em Alagoas.

Linda Mascarenhas com familiares

Como atriz, pisou o palco pela primeira vez no dia 12 de outubro de 1956, numa apresentação comemorativa do aniversário de um ano da ATA. Interpretou o personagem Lizaveta da peça O Idiota, de Dostoievsky, em uma adaptação de Léo Vitor e com a direção de Heldon Barroso. Tinha 61 anos de idade.

Sua segunda atuação ocorreu no dia 1º de fevereiro de 1957, no Rio de Janeiro, durante o I Festival de Amadores Nacionais. A ATA apresentou a peça Noé, de André Obey, em tradução de Adacto Filho. A direção de Linda Mascarenhas, que também atuou no elenco, no papel de Mamãe, ao lado de Pedro Onofre, Werther Wanderley, Cibele Barbosa, Francisco Nemésio, Teresa Mendonça, Pedro Teixeira Duarte, Mariza Maia Gomes e José Isídio.

Também foi de sua iniciativa a criação da Associação dos Cronistas Teatrais de Alagoas (ACTA), em 1958.

Três anos depois, em 1961, realizou em Maceió pela primeira vez a apresentação teatral em “arena“, com a peça Eles Não Usam Black Tie, de Guarniere.

Nos anos 70 participou ativamente do movimento que resultou na fundação da Federação Alagoana de Teatro Amador (FATA) e do Grupo Literário de Alagoas (GLA).

Seu trabalho com o teatro amador teve repercussão em vários festivais realizados no Nordeste, Rio de Janeiro e Paraná.

Em 1983, subiu ao palco pela última vez para interpretar Zulina, uma personagem da comédia Fazendo Chuva, de Homero Calvalcante. A direção foi de Lauro Gomes.

Linda Mascarenhas morou, no início dos anos 30, na Rua José Bonifácio, ao lado Palácio dos Martírios. A casa era antiga, segundo depoimento de Carlos Moliterno, e tinha alpendre dos dois lados.

Ainda nos anos 30, foi morar na casa que construiu na Ladeira Clodoaldo da Fonseca, nº 108, a famosa Ladeira do Brito, onde permaneceu até a sua morte em 9 de junho de 1991.

Sua dedicação ao teatro, sempre buscando e promovendo novos talentos, elevaram Linda Mascarenhas a ser reconhecida com a principal personagem da história das artes cênicas em Alagoas.

Após sua morte, em 9 de junho de 1991, várias homenagens lhes foram prestadas.

Em 2003, foi instituído o dia 14 de maio como o Dia Alagoano do Teatro. É a data de aniversário de Linda Mascarenhas.

A criação do Espaço Cultural Linda Mascarenhas, em 2001, foi outra homenagem importante à sua memória.

Perpetuando a sua lembrança, a Câmara Municipal de Maceió instituiu a Comenda Linda Mascarenhas.

Mausoléo da Linda Mascarenhas, um projeto do arquiteto Mário Aloísio

Em 2013, no Dia Alagoano do Teatro, 14 de maio, artistas e amigos homenagearam Linda Mascarenhas inaugurando o mausoléu que guarda seus restos mortais no cemitério Nossa Senhora da Piedade, no Prado. O monumento tem a assinatura do arquiteto Mário Aloízio Melo.

Sobre sua trajetória no teatro alagoano, foram lançados três livros: Certas Paixões: Linda – 50 anos de refletores, Sergasa, 1985; Linda Mascarenhas – Vida e Desempenho, de Helionia Ceres, Edufal, 1997; e O Teatro e Linda Mascarenhas, de Ronaldo de Andrade e Izabel Brandão. Edufal, 2006.

Há ainda o documentário Linda Mascarenhas, de José Márcio Passos.

*Fonte principal: Fascículo Linda Mascarenhas da Gazeta de Alagoas de 17 de agosto de 2001. Pesquisa de Enaura Quixabeira Rosa e Silva.

2 Comments on Linda Mascarenhas, a eterna primeira dama do teatro alagoano

  1. Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros // 24 de maio de 2018 em 21:53 //

    Excelente matéria sobre dona Linda Mascarenhas! Assisti muitas apresentações da ATA, nos idos de 50.
    Na turma que se formou no Curso Científico do Colégio Estadual Moreira e Silva em 1960, corria uma história segundo a qual dona Linda tinha sido namorada do professor de Ciências – Professor Odorico Maciel, até quando este embarcara para a Revolução de 32, onde foi baleado, tendo voltado sem mais interesse em casamento. No dia do Impeachement de Muniz Falcão, na sexta feira 13 de setembro de 1957, ele embarcou como nosso responsável no ônibus guardado por soldados do exército, que conduziu a moçada do Farol até à Praça dos Martírios. Quando nossa professora de inglês no Ginasial, comentava que seu irmão militar era amigo de Lopes Trovão.

  2. Essa matéria me fez lembrar do pessoal do teatro e das artes de Maceió: Homero Cavalcante, José Maria da Graça, Ricardo Mendonça, Eduardo Xavier, Ronaldo de Andrade, Mary Help, Toinho e outros mais.

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