O dia em que Tarzan invadiu “Dio come ti amo”
Edberto Ticianeli
Zé Chaves convive com minha família desde os anos 60, quando ainda morávamos no Beco São José, no Centro de Maceió. Nos conhecemos no Grupo Escolar Fernandes Lima, ainda no velho prédio da Rua do Sol.
Desistiu muito cedo dos estudos, mas como sua mãe era proprietária de uma pensão na Rua do Sol, mantivemos a amizade, principalmente por sermos companheiros de jogos de futebol nas partidas realizadas no duro calçamento do Beco.
Mudamos para o bairro da Ponta Grossa em 1966. Coincidentemente, alguns meses depois a família dele também se transferiu para o mesmo bairro e foi morar numa casa em frente à nossa, na Rua Santo Antônio.
Zé foi ficando lá por casa, ajudando em alguns dos vários empreendimentos que meu pai inventava. Os trocados que ganhava eram gastos, invariavelmente, no cinema do bairro, o Lux.
Foi assim que aprendeu o ofício de mecânico de fogão, profissão que exerceu até conseguir a sua aposentadoria. Mesmo quando já morava no Conjunto Benedito Bentes, mantinha como “escritório” a casa da minha mãe, na Ponta Grossa.
Moacyr Miranda
No final dos anos 60, o negócio explorado por meu pai era uma lanchonete especializada em lanches populares, principalmente pastéis com refresco de envelope, o conhecido Q-suco.
Sabendo que por lá não faltava dinheiro miúdo, Moacyr Miranda, proprietário do Lux, nos procurava duas ou três vezes por semana em busca desses trocados para facilitar as vendas de ingressos em sua bilheteria.
Como retribuição, sempre deixava duas ou três cortesias para entrar no cinema. As velhas “senhas”, ensebadas pelo manuseio de meses ou anos, nos permitiam assistir aos filmes exibidos no Lux sem pagar.
Certo dia, o Zé Chaves vendo o momento da entrega dos pequenos cartões, não se conteve e pediu a Moacyr uma das senhas para ele. Aproveitou e disse que estava disposto a trabalhar na então maior sala de exibição da cidade. Conseguiu o emprego na hora e entrou para o cinema contratado como responsável pela limpeza do prédio no final da noite e abridor das cortinas na última sessão noturna.
Personagem importante da história do cinema alagoano, Moacyr Miranda viveu os seus últimos anos entre a administração do Lux, o carteado e a boemia. Foi o galã do primeiro filme alagoano, “Casamento é negócio?”, de Guilherme Rogato, produzido em 1933. Moacyr foi também proprietário, nos anos 30, do Cineteatro Delícia, na Rua do Sol.
Após sobreviver a dois acidentes com automóveis, faleceu em 1970, vítima de mais um desses desastres. Numa madrugada, em Riacho Doce, perdeu o controle do seu Aero Willys, que se chocou com uma árvore.
Tarzan
Prejudicado pela crise que atingia todos os cinemas, em 1969 o público do Lux começou a minguar. Além da diminuição dos espectadores, a velha casa de espetáculo do bairro também sofria pela falta de senso administrativo do seu proprietário.
Na relação dos poucos filmes que ainda lotavam o imenso salão do cinema da Ponta Grossa destacava-se “Dio Come ti Amo”. Sabendo que dramalhão italiano era garantia de boa bilheteria, Moacyr adquiriu uma cópia do filme.
Quando o jogo de baralho maltratava o veterano ator, nós sabíamos imediatamente pela presença do carro de som do Jorge da Hi-Fi, que passava a percorrer o bairro tocando a música tema na voz de Gigliola Cinquetti e anunciando a exibição do clássico italiano no Cine Lux.
Numa dessas noites de muito romantismo no salão, com o cinema lotado por casais apaixonados e também por solteiros à procura de uma alma gêmea, Zé Chaves, como de costume, ocupava o seu posto esperando que às 19 horas os sons em escala e o apagar gradual das luzes anunciassem que iria ter início a exibição para então abrir a cortina.
Repetindo a rotina de inúmeras noites, começou a puxar os cordéis quando já se viam as primeiras imagens da Atlântida sobre a imensa peça de tecido cor de vinho.
Para seu desespero, nada se moveu. As carretilhas estavam presas. O jornal do cinema já informava sobre um desfile de miss no Rio de Janeiro e a cortina continuava à frente da tela.
Vieram os primeiros assovios e vaias. O pânico tomou conta do afobado Zé Chaves.
Foi quando percebeu que a solução estava ali, ao seu lado: uma enorme escada utilizada para a manutenção do cinema. Subiu rapidamente uns seis metros, enrolou os cordéis nas mãos e pulou para o seu momento de glória.
O som das carretilhas quebrando em sequência foi acompanhado por um voo triunfal, que levou o Zé Chaves a atravessar o palco e se esborrachar no chão do outro lado, onde foi sepultado por uma montanha de tecidos.
O público ficou em silêncio tentando entender o que tinha acontecido. Em seguida ocorreu uma verdadeira explosão de assovios e aplausos. Em histeria, vibravam com a atuação do imprevisto Tarzan, que só conseguiu sair do emaranhado de cordéis e cortina com a ajuda dos outros funcionários.
O bairro inteiro soube do ocorrido e da imediata demissão do funcionário. Todos lamentaram o encerramento precoce da promissora carreira no cinema do Zé Chaves. Em compensação a Ponta Grossa não perdeu seu excelente técnico em conserto de fogão.
COINCIDÊNCIA OU NÃO MOACYR MIRANDA, IA JOGAR BARALHO NA CASA DE SANDOVAL CAJÚ E PELA TERCEIRA VEZ, NA MESMA PONTE TEVE O TERCEIRO ACIDENTE E MORREU.
Fui frequentador assíduo do Cine Lux. E conheci Zé Chaves. Parabéns pela narrativa.
Faltou você relatar que o seu apelido no Bairro era Q-suco (pronunciado como Ki-suck)
Onde era essa ponte em que aconteceu o acidente do Moacyr Miranda?
Maravilha de recordação de tempos de cinema amor e alegrias. Assisti DIO COME TI AMO NO LUX. Chorei ainda menino.