Cyridião Durval, advogado, professor e poeta abolicionista

Casarão antigo em Tatuamunha, terra natal de Cyridião Durval

Nasceu no dia 3 de março de 1860 em Tatuamanha, então distrito de Porto de Pedras, Alagoas. Filho de Rogério José de Santana e Teotônia Durval de Santana, teve os seguintes irmãos: Hermillo Durval, Manoel Durval, Fernandina Durval e Maria Durval Moreira, esposa de Manoel Moreira e Silva. Sua avó materna era Maria do Carmo Durval.

Foi na bela e aprazível Tatuamunha que aprendeu as primeiras letras com a ajuda de um professor público. Percebendo que o filho tinha gosto pelo estudo, seus pais o internaram em Recife, no Colégio Santo Amaro.

Cyridião Durval muito cedo foi estudar em Recife, onde também concluiu o curso de Direito

Depois foi transferido para o Ginásio Provincial, onde terminou o curso de humanidades em 1881 e diplomou-se em Direito pela Faculdade de Recife em 1885. Teve como colegas Martins Júnior, Clóvis Bevilacqua, Arthur Orlando, Porto Carneiro, Phaelante da Camara e outros.

De pensamento vivaz, com 18 anos e ainda estudando direito, viu seu nome ser citado como o possível autor de um soneto publicado no Jornal do Recife. Assim reagiu em nota publicada no mesmo jornal:

Protesto!!…
Venho defender meus direitos.
Constando-me que inculcaram-me autor de soneto publicado anteontem nesse mesmo jornal, com a assinatura — O Católico, — e como não seja eu merecedor de tão temerários juízos, venho declarar a quem quer que julgue ser o tal Católico, que desimagine-se completamente disso, pois sempre fui, sou e serei protestante, e principalmente d’aquilo que não proporciona-se ao meu caráter.
Como não tenho o mau costume de dar pseudônimos às minhas publicações, assino-me com toda a franqueza:
Cyridião Durval
Recife, 23 de Outubro de 1878.

Nesse período foi redator da Revista de Pernambuco e da A República, órgão do Clube Republicano Acadêmico, além de desenvolver ativa militância abolicionista. Colaborou ainda no Jornal do Recife, na Província, no Diário de Pernambuco e no Repórter.

Frequentador dos círculos literários de Recife, logo passou a ser conhecido entre os poetas da cidade e a ter seus sonetos publicados nos jornais.

Participando da luta abolicionista de forma destacada, sempre era escolhido como orador nos atos públicos, e invariavelmente apresentava uma poesia para enriquecer sua oratória.

Foi assim que, em junho de 1882, durante uma apresentação de Carlos Gomes no teatro Santa Isabel em Recife, falou em homenagem ao maestro utilizando a “torrinha”. Emocionado com a bela homenagem, o autor de O Guarani deixou o púlpito e foi até onde se encontrava o poeta alagoano, ergueu-o com um abraço e o beijou na testa.

Orgulhoso de sua terra natal, em setembro de 1882 participou da fundação e foi eleito vice-presidente da Sociedade 16 de Setembro, formada por estudantes alagoanos em Recife com o objetivo de “solenizar em todos os anos esta data gloriosa que relembra a emancipação política daquela província”, como registrou O Orbe de 13 de setembro de 1882.

Sua extremada dedicação à causa abolicionista o levou a liderar uma reunião, realizada no dia 10 de julho de 1884, que deliberou pela fundação do Club Abolicionista Tavares Bastos. O registro foi feito pelo jornal O Orbe de 16 de julho de 1884.

Faculdade de Direito de Recife, onde Cyridião Durval concluiu o curso de Direito em 1885

A diretoria ficou assim formada: Cyridião Durval, presidente; Vieira Malta, 1º vice-presidente; Esperidião Lins, 2º vice-presidente; Antonio Omena, 1º secretário; Antonio B. de Lima, 2º secretário; Ferrão Lima, 1º orador; Alfredo de Carvalho, 2º orador; e Costa Rego, tesoureiro.

Logo após a sua formatura foi nomeado Promotor Público da comarca de Ilhéus, na Bahia, por ato imperial de 25 de janeiro de 1886. Estreou no célebre júri do tenente-coronel Gentil José de Castro e seus irmãos, defendidos pelos notáveis advogados, Carneiro da Rocha, Affonso Celso Júnior e Izaias Guedes de Mello.

Na Bahia, casou-se com Isabel Seabra, irmã do baiano dr. José Joaquim Seabra, professor de Direito da Faculdade de Recife e seu amigo. Tiveram uma única filha, Maria Luiza, que após a sua morte foi objeto de uma campanha de arrecadação de fundos para ajudá-la.

J.J. Seabra, que depois foi eleito deputado federal e governador da Bahia, tinha duas irmãs: Isabel (Bela ou Belinha), Maria (Maroquinhas) e Leopoldina.

Segundo pesquisa de Helio Lopes da Costa Jr, que foi quem identificou o casamento de Cyridião com Isabel, Leopoldina casou-se com Luis Meirelles Vianna e desta união nasceu Laurindo Seabra Vianna.

Quando da morte de Cyridião, a pobreza da família era tanta que Assembleia Legislativa da Bahia aprovou, em 11 de julho de 1896, que a viúva fosse beneficiada com uma pensão pelo Montepio dos Funcionários Públicos da Bahia, cuja fundação somente foi aprovada após a morte do poeta alagoano.

Em 1887, já apresentando os sinais da doença que o levaria à morte, pede remoção para Vila Nova da Rainha, no sertão da Bahia. Ainda foi promotor da comarca de Senhor do Bomfim.

Transferindo-se para a capital, Salvador, foi nomeado 4º Juiz Substituto daquela Comarca por decreto de 9 de fevereiro de 1889. Nesse período colaborou no Jornal de Notícias.

Foi, também, auditor de guerra, delegado do Poder Legislativo do Tribunal de Conflitos e professor da Faculdade de Direito da Bahia, nas cadeiras de Direito Criminal e Direito Administrativo. Era sócio do Instituto Histórico baiano.

Cyridião Durval faleceu no dia 17 de agosto de 1895, com apenas 35 anos de idade

Tuberculoso, recolheu-se para tratamento no cidade de Serrinha, na Bahia, onde faleceu no dia 17 de agosto de 1895, com apenas 35 anos de idade.

Seu sepultamento, em Salvador, foi acompanhado por muitos estudantes e professores. Muitos deles fizeram o uso da palavra, elogiando o professor e amigo. Na Faculdade de Direito da Bahia, a sala onde lecionava recebeu o seu nome.

Em 1919, quando foi fundada a Academia Alagoana de Letras, o seu nome foi escolhido como patrono da cadeira de nº 6.

Maceió também o homenageou dando o seu nome à pequena via do bairro do Farol que interliga a Rua Dr. Ambrósio Lyra à Rua dos Bandeirantes.

O nome Ciridião Durval também aparece em outras homenagens, mas dirigida ao seu sobrinho, também advogado, que recebeu o mesmo nome do poeta.

Obras

Alagoas, Recife 1881 (poesia);
Ruínas, Recife,1884 (poesia);
Versos, 1885 (poesia, com Francisco Peixoto de Lacerda Werneck);
Acordes. Versos, Bahia: Imprensa Popular, 1890 (poesia);
Amor Materno, Revista da AAL, n. 12, p. 127 (Antologia do Soneto Alagoano).

Teria deixado inéditos: Currente Calamo e Poesias. Romeu de Avelar informa que ele teria deixado, também, editada em Recife, uma Coleção de Sonetos.

Uma das últimas composições de Cyridião Durval foi o soneto Virtus.

Quando da laranjeira a nívea palma
E a grinalda gentil, cheia de olores,
Colheres p’ra sagrar os teus amores,
— Deus te conserve essa existência calma…

Quem sente concluir-lhe dentro d’alma
A luz do bem vivificando a flores,
Quem haure d’ela os cérulos fulgores,
Néctar que os sofrimentos nos acalma.

Por mais cruel q’venha a mão da sorte
No coração cavar essa ferida
Por onde esvai-se o último transporte.

Soluça o adeus supremo da partida,
Legando ao descansar no chão da morte
Um tesouro maior que a própria vida.

Entretanto, sua poesia mais famosa é Amor materno:

Isaura, a mais cruel de todas as perdidas,
Entre os braços de Fausto, o mísero rapaz,
Disse um dia a sorrir: — “quem ama tudo faz,
Exijo deste amor as provas decididas.”

“Pede tudo, mulher, se queres destruídas
As dúvidas que tens: ordena e então verás
Se tenho amor ou não; de tudo sou capaz,
Por ti arrancarei milhões, milhões de vidas!…

E a Dalila soltando estridula risada
Disse a Fausto: — “pois bem, se tu não temes nada
Quero de tua mãe tragar o coração.

E o louco o foi buscar… De volta, no caminho
Tropeçou e caiu… disseram-lhe baixinho:
“Magoaste-te, meu filho?… Aceita o perdão.”

À Música, outro soneto, foi publicado na edição de 30 de abril de 1880 do Jornal de Recife.

AO CLUB COMERCIAL— EUTERPE —
Em honra a partida do dia 24 do corrente

La musique est comme une language universelle qui raconte harmonieusement toutes les sensations de la vie.
(Mm. Cottin.)
La musique endort le chagrin dans les coeurs agités.
(Chateaubriand.)

Eu vejo fulgurar!… Que deusa sublimada!…
Que porte encantador!… Que rosa a sua tez!…
Sim, eu vejo-a trajar qual alvo e lindo cisne
A veste que traduz somente candidez;
Sorrindo… mas que riso!.. Encanta, oh! Extasia!..
O seu loiro cabelo e a brisa que cicia.
Brincando qual crianças mostram graças tais;
Que flores invejosas sentem mil anelos
De como eles assim gozar instantes belos,
Instantes de ventura, instantes divinais.

Seu trono é majestoso!… a humanidade estática
Adora a deusa ingente sobre o Helicon,
A que arranca do peito vozes argentinas,
Vibrando em sua lira harmonioso som;
De flores uma c’roa a fronte lhe cingindo
Suaviza o ambiente olores difundindo,
Que vem nos remessar em doce embriaguez;
Jehovah dos céus comtempla aquele imenso vulto,
A quem gênios sublimes rendem grande culto,
Atentos escutando as suas sábias leis.

Ali Gounod medita e escreve o lindo Fausto,
David disfere um canto cheio de primor,
Mayerbeer transportado canta os Huguenots,
E o inspirado Verdi compõe o Trovador;
De um lado, junto ao trono vê-se outra figura
Risonha folheando bela partitura,
A que a deusa beijando ergueu-se e disse assim:
“Maestros decantados, entre vossos nomes
“Seja mais um escrito — o grande Carlos Gomes,
“O gênio preexcelso, autor do Guarany. —”

Que chuvas de harmonia!… Weber se levanta…
Mozart afina a lira e mostra o Don Juan;
De instante eis Donezetti, traz a sua Lucia
E em terna melodia a canta com afã;
A Norma, os Puritanos, glorias de Bellini,
E Otello, sim, Otello, o enlevo de Rossini,
Em canoros concertos tudo fez-se ouvir;
A própria natureza escuta arrebatada,
Da bravos estridentes, gosta de aplaudir.

Os anjos com ardor festivos hinos cantam,
E grita o firmamento: Bravos!! Muito bem!!..
De espanto apoderada toda a imensidade
Não pode se conter e logo aplaudir vem;
A deusa embevecida aos céus os olhos lança,
E alegre, entre meiguices, ela não se cansa
De dar a seus amantes mil inspirações;
Nas quais a dor cruenta busca um lenitivo,
Onde encontra consolo o mísero cativo
E enfim onde se alegram tristes corações.

Eu vejo-a fulgurar!… Que deusa sublimada!…
Que porte encantador!… Que rosa a sua tez!…
Sim, eu vejo-a trajar qual alvo e lindo cisne
A veste que traduz somente candidez;
Sorrindo… mas que riso!… Encanta, oh! extasia!…
O seu loiro cabelo e a brisa que cicia
Brincando qual crianças mostram graças tais;
Que as flores invejosas sentem mil anelos
De com eles assim gozar instantes belos,
Instantes de ventura, instantes divinais.

Recife, 27 de abril de 1880.
Cyridião Durval

O TEU RISO

Expira a madrugada: o céu micante
Desata um sorriso extenso de alegria…
A natureza acorda e principia
Um concerto de amor, febricitante.

A luz — de suas asas espaneja
O pó doirado, quente e penetrante,
E nos gratos eflúvios desse instante,
Tudo sente calor, tudo viceja…

A rosa entorna o cálix perfumoso…
A planta cresce… o pássaro mimoso
Destila o doce mel dos cantos seus…

Mas, dentro da minh’alma enternecida,
Só há prazer e só palpita a vida
Ao se entreabrir a flor dos lábios teus.

6 Comments on Cyridião Durval, advogado, professor e poeta abolicionista

  1. Majú Lima // 3 de abril de 2018 em 10:51 //

    Nossa, estou encantada!
    Muito feliz em saber da belíssima história de meu conterrâneo, Ciridião Durval. Vou fazer uma homenagem ao grande Mestre e Poeta, na minha pequena e charmosa Tatuamunha, nem que seja, uma placa de madeira e um papel colado, contando a sua verdadeira história. Lógico! Bem sabemos, que ele merece uma estátua de bronze, na Praça Central de Tatuamunha em Porto de Pedras. Quero agradecer ao Blog História de Alagoas, na pessoa de Ticianeli e toda equipe. Meu muito obrigada por ter atendido a minha sugestão e por fim agradecer à Deus por mais esta oportunidade. Cada vez mais fã de vocês!

  2. (Off, comentando para receber novas publicações por e-mail).

  3. Sou muito fã do Blog!
    As vezes a gente fica lendo os textos publicados e, por algum momento nos reportamos ao passado de uma forma tão apaixonante, que nem vejo o tempo passar, quando me dou conta já terminou o dia. Neste momento, fico a pensar com um sentimento de ternura, ao mesmo tempo vejo esta foto da Praça de Tatuamunha, que pouca coisa mudou na minha linda e apaixonada cidade de Porto de Pedras nos seus 96 anos de existência.

  4. Helio Lopes da Costa Jr. // 27 de março de 2020 em 01:14 //

    Para esclarecer, descobri recentemente ao continuar a fazer minha genealogia, que o Cyridião Durval era casado com a Isabel Seabra e que na familia, além da Maria, havia uma outra irmã chamada Leopoldina que casou-se com Luis Meirelles Vianna, os quais tiveram um filho, Laurindo Seabra Vianna o qual casou-se com Maria Theodora Alves Carneiro, que era prima de minha avó, Maria Francisca Lopes.

  5. Hélio Lopes, agradecemos pela contribuição. Incorporamos ao texto, citando-o como fonte da informação.

  6. Maria Isabela Lourenço de Souza // 19 de abril de 2021 em 10:05 //

    Senhor Hélio Lopes, sou estudante da Faculdade de Direito de Alagoas e gostaria de falar com o senhor sobre sua família para um projeto? Eu posso entrar em contato com o senhor de alguma forma? Desde já agradeço!

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