Sadi Cabral, o ator alagoano que criou a radionovela seriada
Registrado como Sadi Sousa Leite Cabral, este alagoano de Maceió nasceu em 10 de setembro de 1906 na antiga Rua do alecrim, atual Rua Barão de Alagoas.. Era filho do alagoano Manuel Torquato Cabral e da paraibana Élia Gutierrez de Souza Leite Cabral, então moradora do Rio de Janeiro.
Sua mãe também era conhecida como Elita, para diferenciar de sua avó, pois as duas se chamavam Élia. Seus avós paternos eram Avelino de Araújo Cabral e Luiza de Godoy Cabral. Os maternos foram Élia Gutierrez de Souza Leite e José Teixeira de Souza Leite.
Foi morar no Rio de Janeiro ainda criança. Na capital federal estudou no Colégio Pedro II. Não há registros de que tenha concluído algum curso superior.
Teve uma vida toda dedicada as artes em geral, trabalhando no rádio, no teatro, na televisão, no cinema, exercitando ainda suas habilidades como bailarino, compositor e professor.
Suas primeiras experiências como ator aconteceram quando tinha 17 anos, atuando nas companhias de Lucília Pérez e de Leopoldo Fróis. Concluiu o curso de arte dramática na Escola Dramática Municipal do Rio de Janeiro em 1923.
Como artista profissional iniciou na Companhia de Abigail Maia, em agosto de 1924, na peça Secretário de Sua Excelência, que estreou no velho Teatro Trianon, em Campos, Rio de Janeiro. Em dezembro de 1926, atuou na peça O Marchante, no Teatro Lírico no Rio, e em abril do ano seguinte na revista Teia de Aranha, da Companhia Tangará.
Ampliou seus estudos cursando ainda dança e coreografia com Maria Ollenewa e Richard Nemanoff. Em 1927, chegou a atuar como bailarino em alguns espetáculos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e, em 1929, fez várias apresentações com a Companhia Nouvelles Folies.
No início dos anos 30, sem abandonar o teatro, aproximou-se do Rádio onde começou a trabalhar com o pernambucano Ademar Casé, criador na Rádio Philips do Brasil do Programa do Casé, que foi ao ar pela primeira vez no domingo, dia 14 de fevereiro de 1932.
Foi neste programa que, como ator, teve contato com as primeiras novelas radiofônicas e conviveu com os grandes cantores da época, como Braguinha, Dorival Caymmi, Orlando Silva, Carmen Miranda, Almirante, Sílvio Caldas, Noel Rosa, Nássara, Ciro Monteiro e Roquette Pinto.
Em 1935, monta o grupo Os Independentes em parceria com Sílvio Mafra. Foi pioneiro entre os atores brasileiros na utilização do método do teatrólogo russo Constantin Stanislavski, com o seu realismo psicológico. Seus conhecimentos deste sistema o levaram, mais tarde, à docência desta disciplina nos cursos de interpretação.
Foi através de um concurso de teatro amador para peças em um ato, promovido pela Associação dos Artistas Brasileiros, que Sadi Cabral, Mafra Filho e Luiza Barreto Leite, integrando o grupo Os Independentes, ganharam destaque na imprensa. Eles venceram o concurso com a peça A verdade de cada um, de Pirandello.
Ainda em 1935 participou do filme Noites Cariocas, de G. Gianetti, dirigido por Enrique Cadícano. Entre os atores estavam Grande Otelo, Oscarito, Walter D’Ávila e Lourdinha Bittencourt. O filme foi lançado setembro de 1935 no Rio de Janeiro
No ano seguinte estava no elenco do filme Bonequinha de Seda, de Oduvaldo Vianna, que tinha como atriz principal Gilda de Abreu, que substituiu Carmen Miranda. A estreia foi no Cine Palácio, Rio de Janeiro, em 26 de outubro de 1936.
Ainda atuou, nos palcos, na peça Iaiá Boneca, de Ernani Fornari. Apresentada em outubro de 1938, era a primeira peça da Companhia de Comédias, que também inaugurou naquele mês seu Teatro Ginástico. Tinha o apoio do Serviço Nacional do Teatro e o sucesso foi tão grande que a temporada se estendeu até janeiro do ano seguinte.
Poucos dias após o encerramento de Iaiá Boneca, o Teatro Ginástico recebeu Sadi Cabral novamente, desta feita com Os Direitos são Iguais, uma comédia em três atos de A. J. Gomes. Com ele atuavam Augusto Aníbal e Armando Braga.
Ainda em 1938, compôs em parceria com Custódio Mesquita a opereta Bandeirante, que foi apresentada no Teatro São Pedro na capital gaúcha, em outubro.
Esta primeira parceria com Custódio Mesquita rendeu uma grande amizade entre os dois e permitiu que compusessem nos anos seguintes várias canções, algumas delas, como Velho Realejo, O Pião, Bonequinha e Mulher, que frequentaram as paradas de sucesso nas vozes de Sílvio Caldas, Carmen Costa, Carlos Galhardo e do grupo Anjos do Inferno.
Em outra parceria, com Davi Raw, fez nascer os choros Sapoti e Cachorro Vagabundo, e o samba Ciúmes, gravado por Rubens Peniche.
No dia 26 de maio de 1939 estreou no Rio de Janeiro Carlota Joaquina com direção de R. Magalhães Júnior. A produção era da Companhia Jaime Costa e entre os atores estavam Sadi Cabral, Jaime Costa. Ítala Ferreira e Cazarré. Sadi fazia o papel de cabeleireiro da corte de D. João VI.
O Pássaro Branco foi apresentada ao público no dia 22 de junho. Esta opereta foi escrita por ele e por Bandeira Duarte, com Gilda Abreu e Vicente Celestino nos principais papéis. A música era de Custódio Mesquita e o espetáculo aconteceu no palco do Teatro Carlos Gomes em curta temporada.
Em novembro de 1939, pela mesma Companhia Brasileira de Comédias, dirigiu a montagem de Guerras de Alecrim e da Manjerona, clássico de Antônio José da Silva.
Sob a direção de Abadie Faria Rosa, este espetáculo foi o primeiro do Serviço Nacional de Teatro (SNT), instituição criada por Getúlio Vargas por sugestão de Gustavo Capanema. Era uma homenagem ao autor morto na inquisição 200 anos antes em Portugal.
Radionovela seriada
No artigo “O Rádio-Teatro e sua gente”, publicado na Revista Fon-Fon de 18 de setembro de 1943, o crítico e também ator Sérgio Peixoto revela uma informação que mostra a importância de Sadi Cabral para a dramaturgia brasileira.
Ao expor a tese que o rádio teatro seriado surgiu primeiro no Brasil, apresenta Sadi Cabral como o “realizador dessa iniciativa”. Aponta o ano de 1939 como referência do surgimento deste gênero e diz que eram apresentados no Programa do Casé, já na Rádio Mayrink, “nos tempos de Zarur, ‘speaker’ do programa”.
Sobre Sadi Cabral, dá o seguinte testemunho: “Ele chegou, depois de uma agitada carreira na ribalta, disposto a renovar os velhos processos de fazer Rádio Teatro até então. Nada de peças teatrais adaptadas sabe Deus como… Dito e feito, Sadi Cabral chegou e foi-nos dando, logo de entrada, uma excelente adaptação do romance de Victor Hugo — ‘Os Miseráveis’. Como seria praticamente impossível fazer uma rádio-peça para 40 minutos do grande romance francês, Sadi deliberou lançá-lo em 4 capítulos. O público acolheu bem a iniciativa. Bateu palmas e o veterano Ademar Casé pediu outra peça”.
Ouça aqui a música Mulher, de Custódio Mesquita e Sadi Cabral na voz de Cauby Peixoto. Ficou famosa como tema de abertura da novela Mulher, em 1997.
Fernando Peixoto revelou então que vieram O Conde de Monte Cristo, em oito episódios, As Pupilas do Sr. Reitor, com quatro episódios, e aquele que foi avaliado como o trabalho de maior folego de Sadi Cabral, a adaptação da biografia de Henrique VIII, extraída do livro de Francis Hackett, e ganhou o título, para o rádio, de As Seis Esposas de Henrique VIII, em seis episódios.
Outras peças radiofônicas seriadas por Sadi Cabral foram: Bem Hur, Maria Stuart, O Morro dos Ventos Uivantes, O Corcunda de Notre Dame, Os Fidalgos da Casa Mourisca, Miguel Strogoff e O Guarani. Estas novelas tinham no máximo seis episódios.
No início dos anos 40, Sadi Cabral ainda escreveu para o rádio as séries As Quatro Penas Brancas, Inocência, Os Filhos do Capitão Grant e Perversidade.
Artista de muitas artes
Na virada dos anos 30 para os 40, Sadi Cabral atuou em César e Cleópatra e Santa Joana, duas peças de Bernard Shaw. Esteve ainda em A Ré Misteriosa, de Bisson, da Companhia de Itália Fausta.
Em 1941, quando estava na Companhia de Comédias Íntimas, de Raul Roulien, teve tempo também para dirigir a peça Como Quiseres, de Shakespeare, para o Teatro do Estudante do Brasil, e Prometo ser Infiel, de Dario Nicodemi.
Outros trabalhos que tiveram a sua participação na direção de cena foram: Trio em Lá Menor, de Raimundo Magalhães Junior, trabalho este dividido com Cacilda Becker, e A Grã-duquesa e o Garçom, de Savoir.
Em meados da década de 1940 participou do Teatro Experimental Negro como ator da peça O Imperador Jones, de Eugene O’Neill, expondo a situação dos negros após a abolição em pleno Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Quando o Serviço Nacional do Teatro resolveu instalar o Curso Prático de Teatro, em junho de 1949, Sadi Cabral foi convidado para ser um dos seus professores.
Por sua atuação em Eurydice, de Jean Anouilh, recebeu em 1956 o Prêmio Saci oferecido pelo jornal O Estado de S. Paulo. Ainda em 1956, lançou o LP Sadi Cabral interpreta poemas de Luiz Peixoto, produzido na gravadora Sinter.
Incorporado ao Teatro de Arena, participou dos espetáculos Juno e Pavão, de Sean O’Casey; A Mulher do Outro, de Sidney Howard e Só o Faraó tem Alma, de Silveira Sampaio, com direção de Augusto Boal.
Em 1958, pelo desempenho em A Alma Boa de Set-Suan, de Bertolt Brecht, e por A Cantora Careca, de Eugène Ionesco, recebeu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo e a medalha de ouro da Associação Paulista de Críticos Teatrais.
Seu primeiro grande sucesso internacional se deu em 1959, quando o espetáculo Gimba – O Presidente dos Valentes, de Gianfrancesco Guarnieri, foi encenado no Festival Théâtre des Nations, na França. Teve apresentações também em Lisboa e em Roma, no Teatro Quirino. O diretor foi Flávio Rangel.
Nos anos 60, atuou em Lisbela e o Prisoneiro, de Osman Lins, com direção de Adolfo Celi e Carlos Kroeber. Depois, no Teatro Oficina, faz Todo Anjo é Terrível, de Ketti Frings, com direção de José Celso Martinez Corrêa.
Trabalhou ainda na montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, com direção de Sergio Cardoso, e em Júlio César, de William Shakespeare, com direção de Antunes Filho.
Nos novos tempos do teatro brasileiro, a partir de 1970, trabalhou em Oh! Que belos dias, de Samuel Beckett, com direção de Ivan de Albuquerque; Tango, de Slawomir Mrozek, com direção de Amir Haddad e Lulu, de Frank Wedekind, com direção de Ademar Guerra. Entre outras atuações destacamos sua última peça, O homem do princípio ao fim, em 1981, de Millôr Fernandes.
Ouça aqui a música O Pião de Custódio Mesquita e Sadi Cabral na voz de Orlando Silva.
No cinema, participou em mais de 40 filmes, a exemplo de Pureza; Vinte e quatro horas de sono; O dia é nosso; Terra violenta; Inconfidência Mineira e Escrava Isaura.
Na televisão, começou na TV Rio em 1965, na novela Comédia Carioca de Carlos Heitor Cony. Foi tirada do ar pela ditadura militar. Trabalhou ainda, nas décadas de 1970 e 1980, no elenco de vários folhetins de televisão. Atuou nas TVs Bandeirantes, Excelsior, Tupi, Cultura e Globo.
Ouça aqui a música A dança do pagode, de Mané Baião e Sadi Cabral na voz de Mané Baião.
Foi na Globo, com o personagem Seu Pepê, que conquistou fama e popularidade nacional. Seu Pepê, da novela Minha Doce Namorada, foi tema de marchinha de carnaval em 1972. Seu último trabalho na televisão foi em Maçã do Amor, novela da TV Bandeirantes.
Faleceu, vítima de uma parada cardíaca, em 23 de novembro de 1986, quando tinha 80 anos de idade. Morava no Retiro dos Artistas. No ano em que faleceu recebeu sua última homenagem: um troféu oferecido por João Flávio Lemos de Moraes no Programa Flávio Cavalcante.
Em sua homenagem, uma rua no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, recebeu o seu nome. Em São Paulo, uma praça, no Alto da Lapa, e um teatro também prestam tributo ao artista alagoano.
Carreira
No cinema
O Menino Arco-Íris (1983)
Gaijin – Os Caminhos da Liberdade (1980)
Os Sete Gatinhos (1980)
Perdoa-me por Me Traíres (1980)
Chuvas de Verão (1978)
Que Estranha Forma de Amar (1977)
Senhora (1976)
O Quarto da Viúva (1976)
O Leito da Mulher Amada (1975)
As Secretárias… Que Fazem de Tudo (1975)
O Dia em que o Santo Pecou (1975)
As Mulheres Sempre Querem Mais (1974)
Tercer Mundo (1973)
Sagarana, o Duelo (1973)
A Marcha (1972)
Um Pistoleiro Chamado Caviúna (1971)
Se Meu Dólar Falasse (1970)
Balada dos Infiéis (1970)
Cléo e Daniel (1970)
A um Pulo da Morte (1969)
Sentinelas do Espaço (1969)
Enquanto Houver uma Esperança (1968)
O Matador (1968)
Cangaceiros de Lampião (1967)
Paraíba, Vida e Morte de um Bandido (1966)
22-2000 Cidade Aberta (1965)
Seara Vermelha (1964)
Un sueño y nada más (1964)
Lampião, O Rei do Cangaço (1964)
Le tout pour le tout, Le (1963)
Socia de alcoba (1962)
Cinco Vezes Favela (1962)
Bahia de Todos os Santos (1960)
O Diamante (1956)
Leonora dos Sete Mares (1955)
Mãos Sangrentas (1955)
Rio 40 Graus (1955)
A Outra Face do Homem (1954)
A Carne (1952)
Sinfonia Amazônica (1951) (voz)
Cascalho (1950)
O Pecado de Nina (1950)
A Escrava Isaura (1949)
Inocência (1949)
Caminhos do Sul (1949)
Terra Violenta (1948)
Inconfidência Mineira (1948)
O Dia é Nosso (1941)
24 Horas de Sonho (1941)
Pureza (1940)
Bonequinha de Seda (1936)
Noites Cariocas (1936)
Na televisão
Maçã do Amor (1983)
O Resto É Silêncio (1981)
Partidas Dobradas (1981)
O Fiel e a Pedra (1981)
Um Homem Muito Especial (1980)
Roda de Fogo (1978)
Duas Vidas…. Menelau Pallas (1976)
Os Apóstolos de Judas (1976)
O Velho, o Menino e o Burro (1975)
As Divinas… e Maravilhosas (1973)
Jerônimo, o Herói do Sertão (1972)
O Primeiro Amor (1972)
Minha Doce Namorada (1971)
Mais Forte que o Ódio (1970)
Sangue do Meu Sangue (1969)
Legião dos Esquecidos (1968)
Águias de Fogo (1967)
Os Miseráveis (1967)
Paixão Proibida (1967)
Comédia Carioca (1965)
Fontes: Vários jornais e revistas da época, ABC das Alagoas e o texto Sadi Cabral: dançarino, compositor, ator e diretor, publicado em http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-brasil/sadi-cabral-dancarino-compositor-ator-e-diretor/
Pena que um autor e ator tão brilhante e criativo seja tão vilmente varrido da memória dos compositores alagoanos, sobretudo dos letristas, que parecem ignorar tudo que existiu antes deles.
Boa tarde.
Gostaria de fazer uma pequena correção quanto aos nomes dos avós maternos de Sadi Cabral: Elia Gutierrez de Souza Leite e José Teixeira de Souza Leite.
Sua mãe era conhecida como Elita para diferenciar de sua avó, pois as duas se chamavam Elia.
Os senhores escreveram:
Sua mãe também era conhecida como Elita, talvez para diferenciar da sua avó de mesmo nome ou por funcionar como diminuitivo de Élia. Seus avós paternos eram Avelino de Araújo Cabral e Luiza de Godoy Cabral. Os maternos eram José Trigueiros de Souza Pinto e Élia Gutierrez de Souza Pinto.
Atenciosamente, Helena Reis.
Helena, muito obrigado pelas correções. Já alteramos o texto.
Olhando a foto da Lídia Brondi e Sadi Cabral no filme Perdoa-me por me traíres, acho que dá pra entender um dos motivos dela abandonar a carreira de atriz.