O revolucionário Manoel Lisboa de Moura

Ficha de Manoel Lisboa no DOPS alagoano

Manoel Lisboa de Moura nasceu na Rua Pará, Farol, em Maceió, Alagoas, no dia 21 de fevereiro de 1944, às 21h30, uma segunda-feira de carnaval. Era filho de Augusto de Moura Castro, oficial da Marinha, e de Iracilda Lisboa de Moura.

Estudou as primeiras letras no Grupo Escolar Experimental em Maceió. Gostava muito de futebol ao ponto de seus pais improvisarem um campinho no quintal da casa.

Ainda adolescente participou do Conselho Estudantil do antigo Liceu Alagoano, depois Colégio Estadual. Foi diretor da União dos Estudantes Secundaristas de Alagoas (Uesa) e, aos 16 anos, ingressou na Juventude Comunista do PCB.

Manoel Lisboa foi um dos fundadores do PCR

Manoel Lisboa foi um dos fundadores do PCR

Como universitário, organizou o Centro Popular de Cultura da UNE (CPC) em Maceió, apresentou e dirigiu peças de teatro envolvendo, inclusive, operários da estiva.

Em 1962, rompeu com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e se filiou ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que apresentava então um programa revolucionário.

Neste período, como lembrou Valmir Costa, conviviam com Selma Bandeira, Rui Sales e Fernando Araújo.

O grupo se mobilizava a partir de “uma mistura de pura revolta pessoal, anarquismo, existencialismo e marxismo, que destilávamos em farras homéricas”, recorda Valmir.

E continua: “Rui Sales era o ‘intelectual’ do grupo, orgulhava-se de ler O Capital, de Marx; Fernando era o mais ‘anarco-existencialista‘; e eu e Selma, mais ingênuos, acompanhávamos o grupo”.

“Manoel, o mais sério, o mais equilibrado, dotado de profundo senso de justiça, detectava sempre, com incrível sensibilidade, o oportunismo pessoal e político, posicionando-se sempre um passo à frente do grupo”, avaliou Valmir Costa, que também foi preso e torturado.

Um dia, após uma reunião com discussões acaloradas em que Lisboa defendeu, citando Marx, a necessidade de criticar tudo, principalmente às verdades consagradas e os mitos, disse a Valmir Costa: “Companheiro, se eu morrer antes de você, não deixem me caluniarem mas, por favor, não me endeusem“.

Lauro Mendes, irmão de Selma Bandeira, cita que o ponto de encontro dos jovens de esquerda em Maceió era o Parque Gonçalves Ledo, e que por lá apareciam, além de Manoel Lisboa, Selma Bandeira, Fernando Araújo, Vólia Miranda, Anivaldo Miranda, Kilada Miranda, Elzinha Soares, Maria Luíza, Luiz Walter, Rholine Sound e Valmir Costa.

Golpe Militar

Em Janeiro de 1964, Manoel Lisboa, então com 20 anos de idade, foi indiciado por vender livros e revistas marxistas  em uma pequena livraria. Quando se apresentou ao delegado, foi preso e ficou detido por 15 dias

O Golpe Militar de 1964 o encontrou cursando o segundo ano de Medicina na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), de onde foi expulso e teve os direitos políticos cassados.

Lisboa transferiu-se para o Recife, onde continuou na luta revolucionária e trabalhando na Companhia de Eletrificação Rural do Nordeste (Cerne).

Por sua atuação política em Pernambuco, foi preso no dia 12 de agosto de 1965. Permaneceu detido e submetido a torturas físicas e psicológicas, como a ameaça de morte, até 25 de setembro, quando foi posto em liberdade.

Foi durante esta prisão que “deu sua camisa a um prisoneiro que tremia de frio“. Valmir Costa, também detido na mesma cela, afirmou que ele “fazia essas coisas naturalmente, sem alarde, era de sua índole“.

Em julho de 1966 foi novamente preso, logo após o atentado contra o marechal Artur da Costa e Silva, ocorrido no Aeroporto dos Guararapes.

A polícia não conseguiu incriminá-lo. O inquérito comprovou que ele, no momento do ocorrido, estava trabalhando na Cerne com seu irmão Carlos, engenheiro e capitão do Exército.

Posto em liberdade quatro dias depois, concluiu que não era possível continuar levando uma vida legal e ao mesmo tempo dedicar-se à causa revolucionária, optando então pela vida clandestina.

Em meados de 1966, Manoel Lisboa resolveu romper com o PCdoB.

No final do mesmo ano, em dezembro, ele, Amaro Luiz de Carvalho (Capivara), Ricardo Zarattini Filho, Valmir Costa e Selma Bandeira fundaram o Partido Comunista Revolucionário (PCR).

Ricardo Zarattini recorda que a primeira reunião entre ele, Manoel Lisboa e Amaro Luiz de Carvalho foi num aparelho em Bebedouro, Maceió. Foi nesse encontro que foi “batizado” como “Miguel“.

Manoel Lisboa de Moura era conhecido por seus companheiros como Galego, Celso, Miguel, Zé, Mário e outros nomes.

Esta organização propunha a utilização de todas as formas de luta, legais e ilegais, abertas ou clandestinas, destacando a luta armada como a única capaz de destruir realmente a Ditadura, desde que contasse com o apoio, a compreensão e a simpatia do povo.

No início dos anos 70, a repressão se voltou para o Nordeste com a clara intensão de atingir o PCBR e o PCR, prendendo e eliminando seus dirigentes. Manoel Lisboa era um dos mais procurados pelo grupo do delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury, que foi deslocado para o Recife.

No anoitecer de 16 de agosto de 1973 a repressão conseguiu prender o principal dirigente do PCR.

Na Praça Ian Flemming, no bairro de Rosarinho em Recife, Lisboa conversava com uma operária, a quem dava assistência política, quando foi agarrado por agentes comandados por Luís Miranda e pelo próprio delegado Fleury.

Antes da clandestinidade, Manoel Lisboa estudou Medicina na Ufal

Antes da clandestinidade, Manoel Lisboa estudou Medicina na Ufal

Algemado, foi arrastado para um veículo e conduzido para o DOI-Codi do 4º Exército, então situado no Parque 13 de Maio.

Fortunata, a operária, presenciou a cena. “Foi uma verdadeira operação de guerra. Quando um homem se aproximou, ele fez menção de pegar a arma, mas foi inútil. De todos os lados da praça surgiam homens. Carros e carros surgiram”.

Manoel Lisboa foi submetido a todo tipo de tortura. Despido, pendurado no pau-de-arara, espancado por todo o corpo, choques elétricos no pênis, nas mãos, nos pés, nas orelhas, queimado com vela, logo nos primeiros dias perdeu a sensibilidade dos membros inferiores. Não podia se locomover nem se alimentar.

Ele sabia tudo da organização. Era seu dirigente máximo e conhecia todos os segredos. Um segundo de vacilação e o PCR estaria completamente aniquilado.

Mas ele foi coerente com o que sempre pregara: “Delação é traição e a traição é pior do que a morte. O revolucionário é como um prisioneiro de guerra; só declina o próprio nome. A causa revolucionária, a democracia, a libertação nacional, o socialismo estão acima da própria vida”.

Maria do Carmo Tomáz e Juarez José Gomes, também presos, viram-no cheio de hematomas e ouviram seus gritos. Outros prisioneiros chegaram a falar com ele, que disse: “Sei que minha hora chegou; fiz o que pude; a vocês, peço apenas que continuem o trabalho do Partido”.

Num certo dia do mês de setembro, ela não recorda a data, Maria do Carmo Tomáz foi levada a uma câmara de tortura, onde lhe deram a notícia da morte de Manoel Lisboa e afirmaram: “Um igual àquele vocês não vão encontrar nunca mais”.

Ela lembra de Manoel Lisboa como “um exemplo de homem sério, responsável, de um revolucionário de fibra, de coragem, de um amigo das horas difíceis e de todas as horas, de um revolucionário íntegro, respeitado, de um filho carinhoso, isto se explica pela mecha do cabelo de sua mãe que carregava de lembrança em sua carteira, já que a vida clandestina não o deixava viver ao lado dela”.

No dia 5 de setembro, os jornais do Recife e os principais jornais do país publicaram nota que dizia: “Durante tiroteio com os órgãos de segurança interna, morreram na manhã de ontem em Moema, São Paulo, os terroristas Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos, que fizeram parte do atentado ao marechal Costa e Silva, então presidente da República, em visita ao Recife, em 1966″.

A farsa foi facilmente desmontada. Emmanuel Bezerra estava em missão do Partido no exterior e encontrar-se-ia com Lisboa no Recife, no dia 15 de setembro. Preso pela Operação Condor, provavelmente na fronteira entre Argentina e Chile, Bezerra foi conduzido ao DOI-Codi de São Paulo, torturado e morto por não revelar as informações que a repressão precisava para destruir o Partido.

Fleury levou Manoel Lisboa para São Paulo apenas para montar a farsa.

O alagoano Manoel Lisboa tinha uma companheira, a também alagoana Selma Bandeira, que foi presa e torturada tempos depois.

1 Comentário on O revolucionário Manoel Lisboa de Moura

  1. Claudio de Mendonça Ribeiro // 20 de abril de 2018 em 18:30 //

    Muito triste o relato.
    Que nosso irmão esteja acolhido em instituição mais adequada às suas necessidades evolutivas no Mundo Espiritual.
    Muita paz a seu espírito.

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