Estácio de Lima, médico legista estudioso do cangaço e das raízes negras do Brasil
O médico e professor Estácio Luiz Valente de Lima nasceu em Marechal Deodoro no dia 11 de junho de 1897 e faleceu em Salvador no dia 29 de maio de 1984, quando tinha 86 anos de idade. Era filho do desembargador Luiz Monteiro de Amorim Lima e Maria de Jesus Valente Lima.
A sua primeira graduação foi pela Faculdade de Direito do Recife em 1915. Em seguida iniciou no curso de Medicina e 1921 defendeu a tese de doutoramento Introdução ao Estudo da Agonia na Faculdade de Medicina da Bahia.
Já morando em Salvador, em 1926, foi aprovado em concurso para a cátedra de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Bahia, defendendo as teses Capacidade Civil e Seus Problemas Médicos Legais e Indagação Sanguínea da Ascendência. Na prova oral, discorreu sobre Lesões Corporais Atípicas.
Em maio de 1935, durante a Constituinte Estadual, foi acusado de ser comunista por um deputado baiano que viu em um dos seus discursos desrespeito à fé católica.
Estácio de Lima havia se posicionado contra o dogma, a crença e a rotina, citando Afrânio Peixoto. Ele dirigiu uma carta aos deputados explicando suas posições sobe o assunto. Foi lida pela deputada Maria Luiza.
Essa discussão voltou aos jornais em dezembro do mesmo ano, logo após a chamada Intentona Comunista. Estácio e Lima recebeu apoio dos seus colegas da Congregação de Medicina, que assinaram uma nota explicando que ele nunca exerceu atividade política em suas aulas. Ainda segundo a nota, o professor teria sido mal interpretado ao fazer ironia com as anunciadas comemorações da Semana da Pátria.
Como médico, tinha um consultório no 7º andar do Edifício Bahia, em Salvador, onde atendia a pacientes para tratar do “Coração e Vasos”, como consta em anúncio no jornal baiano O Momento de 21 de janeiro de 1948.
Dirigiu o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, cargo que ocupou por longo tempo.
Em 1953, por concurso, tornou-se catedrático da Faculdade de Direito da UFBA, com a tese Infanticídio na Legislação Brasileira. Foi, ainda, catedrático da Escola de Medicina e Saúde Pública da Bahia da Universidade Católica de Salvador. Presidiu, durante 40 anos, o Conselho Penitenciário do Estado da Bahia.
Durante a escolha do reitor para a Universidade da Bahia em 1955, quando o presidente Café Filho indicaria um nome a partir de uma lista tríplice, Estácio de Lima enviou carta para Carlos Lacerda — devidamente publicada na Tribuna da Imprensa de 6 de junho de 1955 — solicitando o seu apoio para impedir que o reitor Edgard Santos continuasse no cargo. Ele se referia ao reitor como “um Sócrates às avessas”.
Também médico, Edgard Santos foi o primeiro reitor da Universidade baiana, indicado por Getúlio Vargas em 1946. Ficou à frente da reitoria até 1961.
No final da década de 1950, Estácio de Lima proferiu vária palestras abordando os estudos sobre o cangaço. Estudioso do assunto e considerado o continuador das pesquisas de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, afirmava em 1956 que “o cangaço era e continua a ser consequência, e não causa, do meio”.
Citava como exemplo o cangaceiro Ângelo Roque, o Labareda, lugar tenente de Lampião e famoso por seus requintes de perversidade, mas que tinha se transformado em um servidor do Instituto Nina Rodrigues. “Os atos praticados no passado nada mais foram que consequências do meio, processos utilizados para a sobrevivência do cangaço”, explicava na entrevista concedida ao jornal Tribuna de Imprensa de 22 de junho de 1956, por ocasião de uma palestra em São Paulo.
Em outra entrevista, dias depois, voltou à carga: “O Instituto Nina Rodrigues não se preocupa com a criminalidade extinta dos cangaceiros. Sempre achamos que o cangaço nunca foi um problema de polícia. É um agudo problema social. De assistência. De compreensão. De Justiça. O cangaço não pode ser combatido com fuzis”.
Outro episódio com grande repercussão envolvendo Estácio de Lima ocorreu em 1959, quando, contra sua vontade, o governador da Bahia ordenou o sepultamento das cabeças mumificadas de Lampião e Maria Bonita, que estavam em exposição no Museu Nina Rodrigues.
Os restos mortais dos outros cangaceiros só tiveram o mesmo destino em 1969.
Silvio Hermano de Bulhões, filho de Corisco, fez campanha nacional para enterrar a cabeça do pai. “Sou amigo e respeito muito o professor Estácio de Lima. Sou-lhe grato pelo que fez por minha mãe e por outros cangaceiros, no trabalho da sua recuperação e adaptação à vida civil, logo após a matança e a entrega ocorrida nos idos de 1938 a 1940. Eu só não entendo por que ele continua querendo conservar essas horríveis cabeças no seu museu, pondo mesmo obstáculos ao sepultamento das mesmas”.
Em 1968, Estácio de Lima recebeu o título de professor Emérito da UFBA (das Faculdades de Medicina, Direito e Odontologia) e da Universidade Católica de Salvador.
Foi também presidente da Academia de Letras da Bahia, fundador e presidente da Academia de Medicina da Bahia.
O Instituto Médico Legal de Alagoas leva o seu nome. Foi uma homenagem prestada pelo seu amigo Armando Lages em 1951, quando era diretor de Saúde Pública de Alagoas no governo de Arnon de Mello.
Além da Medicina, Estácio de Lima destacou-se como um estudioso das raízes negras do Brasil e do fenômeno do cangaço.
É autor de obras teóricas e científicas e de ensaios, publicados em revistas especializadas, na área de folclore. Escreveu também O mundo estranho dos cangaceiros (1965) e O mundo místico dos negros (1975).
Como perito legal, em 1977, Estácio de Lima voltou às manchetes dos jornais como profissional contratado para atuar na defesa do suíço Michel Albert Frank, acusado do assassinato de Cláudia Lessin Rodrigues, no Rio de Janeiro.
Obras
Introdução ao Estudo da Agonia, Bahia, Imprensa Oficial, 1921 (tese)
O Mundo Místico dos Negros, Salvador, Empresa Gráfica da Bahia, 1975
Indagações às Ascendências (Possível Diagnóstico da Ilegitimidade dos Filhos), tese de Concurso à cadeira de Medicina Legal na Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador, A Nova Gráfica, 1926
Aspectos Médico-Legal do Infanticídio no Brasil, tese de concurso à cátedra de Medicina Legal da Faculdade de Direito da Universidade da Bahia, Salvador, Tip. Beneditina Ltda, 1953
Capacidade Civil e Seus Problemas Médicos Legais, tese de concurso à cadeira de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Bahia, Oficina Gráfica Universal, 1926
O Mundo Estranho dos Cangaceiros (ensaio biossociológico) Salvador, Ed. Itapoã Ltda, 1965
A Aeromoça e Outras Novelas Regionais. Bahia, Ed. Gonçalo Muniz, 1962, ilustração de Caribé (contos)
O Mundo Místico dos Candomblés, 1971 (ensaio)
Grupos Sanguíneos;
O Problema Social do Aborto;
Delinquência Constitucional;
Prostituição, Defloramento, Homossexualismo Masculino;
Determinação da Idade;
Perícia de Volta Seca;
Perícia da Paternidade;
Deformidade;
Ética Médica.
Europa, Berlim, Outra Criatura na Alemanha Edelweiss.
Parabéns por mais uma excelente aula de história. Trazer a luz a vida e obra de um notável alagoano, você contribuí de forma magistral para o resgate da nossa história muita das vezes esquecida.
Gostei da matéria. Agora, por Alagoas ele não fez quase nada, fez apenas nascer aqui, e se mudar para a Bahia.
Grande professor