As artes plásticas em Alagoas até o ano de 1925

Artista plástico Lourenço Peixoto e parte de suas obras
Pintor Rosalvo Ribeiro

Pintor Rosalvo Ribeiro

Moreno Brandão

(Publicado originalmente no Diário de Pernambuco de 7 de novembro de 1925 com o título As artes plásticas em Alagoas)

A primeira figura de relevo que Alagoas conseguiu introduzir no pantheon das glórias brasileiras, foi d. Clara Camarão, modelo das maiores qualidades belicosas, tipo soberbo e insigne da bravura e do patriotismo.

Do mesmo modo, a primeira figura de relevo que o historiador das artes em nossa Província deverá contemplar, será uma mulher: d. Laureana Adelina Moraes.

A respeito dessa pintora disse, em um dos seus livros, o dr. Mello Moraes (pai): “Esta senhora é de um talento transcendente para a pintura e tão admirável para retratos, que temos ouvido a alguns profissionais tecerem-lhe subidos elogios.”

Tais elogios eram merecidos, porquanto ainda subsiste um retrato, verdadeiramente modelar, feito por d. Laureana, que eternizou com o seu pincel as feições do marido, o coronel Joaquim Thimoteo Romeiro, homem de larga influência em Alagoas.

Depois de d. Laureana Adelina de Moraes, aparece Pedro Fróes, artista que desmente o elevado conceito externado por Theophilo Braga a respeito de pintores.

Embora fosse uma das mais belas vocações aparecidas em Alagoas, Pedro Fróes praticou uma porção de deslizes, indo por um deles — a fabricação de moedas falsas —, se esbarrar em Fernando de Noronha, onde reincidiu na criminosa prática. A falta de cultivo, que se observava na então Província, ao tempo em que nela vivia o artista, fez com que não fossem devidamente zelados os seus lavores.

Mirian Lima

Mirian Lima

Resta, portanto, hoje de Pedro Fróes, além da memória de suas loucuras, um belo retrato de D. Pedro II, existente no Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano, e uns quadrinhos sem valor, em mãos de particulares.

Mais feliz, entretanto, do que ele, foi Francisco Joaquim do Campo, de quem apenas se afirma ter tido grande merecimento no preparo de valiosas telas religiosas, que ninguém sabe quais foram, nem onde se acham.

O mesmo destino tiveram José da Rocha Oliveira e Miguel Mendonça, ambos filhos de Coruripe, que lhes reverencia o nome e acata devidamente a memória, mas não procura o negro José de Numa, autodidamentado em seus méritos com a exibição de suas telas.

Assim, é justo que esses nomes mergulhem definitivamente em olvido irreparável, quaisquer que fossem as credenciais daqueles que os usaram.

Não se subtrai a fatalidade de tão negra sina. José de Numa, autodidata, que tinha verdadeiras centelhas de gênio, e nunca passou de um liberto curioso em assuntos picturais. O mesmo acontece com Vieira Damasceno, que abandonou sua arte.

Em Penedo, mais ou menos no tempo em que florescia na metrópole o desventurado José de Numa, trabalhava arduamente em imagem Deoclecio Elias da Assumpção, que ainda dispunha de tempo para se entregar a pesquisas referentes à cerâmica.

Era artista consciencioso e deixou trabalhos reveladores da perfeição de sua técnica. Na Igreja do Livramento, em Maceió, há uma imagem belíssima ali colocada em 1869 e devida a Deoclecio Assumpção.

Mas até esse artista, as artes plásticas em Alagoas estiveram em sua fase prodrômica, de que deveriam sair com Rosalvo Ribeiro.

A respeito deste, conceituou de seguinte forma quem estas linhas escreve:

“A obra prima de Rosalvo Ribeiro seria talvez, se ele tivesse tido tempo de executá-la, a Crucificação de Cristo, inspirada em um sonho no qual o artista se imaginava um soldado romano perdido nas cercanias de Jerusalém e mirando de uma hospedaria grega, onde comprava objetos de arte oriental, o transito do mártir na direção do Calvário. A contemplação desse espetáculo pungente, visionado na nebulosidade de um sonho, o impressionou tão fortemente que ainda hoje (1918), depois de volvidos dos muitos anos, parece ter diante dos olhos a cena dantesca do martírio inominável do Nazareno, rodeado de uma turba sinistra de legionários a cavalo, com os gládios desembainhados reluzindo ao sol, ou a pé, com lanças ameaçadoramente erguidas, abrindo caminho entre o porciléo dementado. Jesus Cristo pareceu-lhe então um belo tipo judeu, com a barba e o bigode pouco espessos, tendo as madeixas dos longos cabelos banhadas em sangue que escorria das feridas abertas pela coroa de espinhos.

O esmerado cultor da arte de Leonardo da Vinci estremece ainda de horror, relembrando o subitâneo estacar do préstito enfurecido contra o plácido semeador da doutrina da concórdia, e parece vê-lo no meio da multidão ululante, alongando os olhos em procura de refúgio incomparável da dedicação de Maria. Rosalvo Ribeiro, apenas despertado do sonho tão empolgante tratou de realizá-lo numa tela de largas proporções. Infelizmente, por esse tempo (1899), o Congresso de Alagoas lhe retirou o pequeno subsídio com que lhe custeava as despesas na capital da França. Entretanto, a subvenção votada em favor do laureado artista era de uma parcimônia que orçava pela mesquinheza, pois consistiu, a princípio, na verba mensal de 140 francos, elevada sucessivamente a 240 e a 500 francos, com os quais Rosalvo Ribeiro não se poderia manter em Paris, sem apelar para certos trabalhos, que o desviavam tantas vezes do atelier.

Mas, a despeito dessa exiguidade de recursos, o talentoso alagoano que, em 1889, partia na plenitude de seus robustos 21 anos para a Cidade-Luz, depois de ter estudado, durante um triênio, no Rio de Janeiro, cursando a Escola de Belas Artes, trabalhava com afinco e ainda tinha tempo de frequentar as aulas do Lyceu Carlos Magno, onde estudava preparatórios, mediante os quais visava matricular-se numa escola superior.

A sua entrada no Lyceu Carlos Magno foi consequência do fato de não querer nosso ministro em Paris fornecer atestado de haver ele feito o curso de humanidades no Brasil, favor que a outros sempre barateou. Sem cumprir totalmente seus gloriosos desígnios, Rosalvo Ribeiro teve de ceder a contingência em que o colocara o Congresso de sua terra, trasladando-se de um centro eminentente culto para o meio burguês de Maceió.

Daqui partira ele sem ter o menor conhecimento de arte, pois da aula de desenho do colégio onde estudou, fora banido por causa de uma travessura infantil. Não obstante a falta de quem o guiasse em sua estreia não o inibiu de se entregar cordialmente à sua vocação. Por esse motivo, antes de tomar rumo ao Rio de Janeiro, deixou, entre outros documentos de sua inteligente aplicação, um belo retrato do dr. Henrique Magalhães Salles, então presidente da Província. Frequentando, na metrópole brasileira, a Escola de Belas Artes, Rosalvo Ribeiro expos uma tela representando Arquimedes, tela que lhe valeu uma medalha de ouro.

Ao chegar em Paris, matriculou-se na Academia Julien, seguindo as lições de J. Lefébreve, e,  posteriormente, as do mestre Boulanger. Quando, a custo de um trabalho consciencioso, honesto e constante, o moço alagoano tinha colhido admiráveis e máximos proveitos dos ensinamentos até então recebidos, entrou, mediante concurso, na Academia de Belas Artes. Consistiu a prova pública por ele dada, em semelhante emergência, na cópia, d’aprés nature, de uma estátua grega. Em 1806 Rosalvo Ribeiro levou a cabo o ansioso intento, que domina o coração de todos os pintores noveis: expos no Salon um quadro a que Ducasble deu o nome de L’innocence.

A vitória obtida consagrava-o definitivamente, mas, não querendo ele adormecer à sombra dos louros conquistados, entrou novamente (1897) no Salon, com uma tela de assunto militar (que é o de sua predileção), La Soumission.

1898 lhe aguardava ainda o prazer de exibir na grande exposição anual de arte a formosa tela denominada La Charge, quadro movimentado e cheio de vida em que se percebem todos os lances formidáveis de uma luta empolgante, formando vigoroso contraste com La Soumission, sobre o qual se estende o sombrio crepúsculo da derrota.

La Charge está hoje adornando as paredes do palácio do governo em Alagoas. Aí também existe, o meio de outras telas com que Rosalvo Ribeiro pensou remunerar o Estado das despesas feitas com ele, o suntuoso painel denominado Le Factionaire.

Do ilustre mestre alagoano, que ocupa a posição de lente de desenho na Escola Normal, deve existir em São Francisco da Califórnia o quadro que tem o nome de Le Regiment, tendo ficado mesmo no Brasil outro, que tem por assunto uma velha da Bretanha, numa cena do interior.

O nosso pintor, nascido na lendária ex-metropole de Alagoas (26 de novembro de 1867), tem em mente preparar uma tela histórica sobre o incêndio ateado na mesma cidade pelos holandeses. Enquanto não desempenha essa grandiosa recepção, dedica-se, desde de sua volta da Europa, à feitura de retratos e pochades, sem se animar a concluir sua tela sobre a paixão do Redentor, cujo croquis já preparou, vendendo-o a um amador de Filadélfia.

Contudo, Rosalvo Ribeiro não é passível de censuras, por haver continuado na faina de produzir, outrora tão caraterística de sua personalidade. Aqui ele é mais ou menos a imagem viva do pobre Nicolau Poussin tão cumulado de complexos encargos, quando era pintor de um rei de França, que não pode deixar de se queixar amargamente das exigências esmagadoras que o assediavam. Também de Rosalvo Ribeiro muito se tem exigido, sendo o complacente artista forçado a malbaratar muito talento em obras subalternas e em trabalhos como as praças Deodoro e Tavares Bastos, tão severamente criticadas por estetas e críticos de fancaria.

Nos quadros por ele plasmados verificam-se, entretanto, as qualidade primaciais de um verdadeiro artista, que detesta as cores vivazes, sabendo, porém, imprimir a seus painéis os traços inconfundíveis peculiares aos mestres.”

Ao que aí fica apenas nos cumpre acrescentar que o nosso grande pintor era filho do major Felippe Angelo Ribeiro, conhecido pela força assombrosa e proverbial de que era dotado, e da exma. sra. d. Josefina de Caldas Ribeiro.

A morte de Rosalvo ocorreu a 20 de abril de 1915, sendo o seu cortejo constituído por vinte e cinco pessoas!…

As suas telas são, além das que já foram citadas (L’ Innocence, La Sommission, La Charge, Le Factionaire, Le Régiment, Vielle Bretonne), Vieux Baron, Pequeno Tambor, Garotos de Paris, No Atelier, Oficina de Ferreiro, Cabeças de Expressão, O Dragão, Pequeno Mendigo, A leitura, Mulher Russa (estudo do nu), A Índia, etc.

Também foi pintor de real merecimento, embora nunca tivesse passado de um autodidata, Carlos Leão Xavier (8-6-1881/11-11-1918). Deixou os seguintes trabalhos, alguns dignos de apreciação: Perdonate, domine; Visão do Dante; Velho Marinheiro; Camponesa; Banhista; À tona d’água; Pharol de Maceió; Cemitério; O Vigia de Alagoas Railway; Passagem de Cocorobó; Para o exílio; Entrada da barra; Trecho do rio Mundaú; Retrato de criança e muitos retratos.

Virgílio Maurício

Virgílio Maurício

Depois de Carlos Leão Xavier é justo falar em João Moreira e Silva, maceioense, cujo nascimento ocorreu a 26 de julho de 1877. São seus mais valiosos trabalhos, todos esmeradamente feitos e cheios de lampejos coruscantes de talento, os seguintes: Vencido (propriedade do Estado), Rendeira; Rústico; Primavera; Paisagem da Lagoa do Norte; antiga Metropole.

O poder de expressão em Moreira e Silva, também autodidata, é formidável.

Outro pintor autodidata foi o desditoso Joaquim Brígido de Sá Brasil (outubro de 1867-1917). Rosalvo Ribeiro o tinha em grande estima, e os seus quadros — As três graças; Depois do banho; Ponta Verde; Trecho do Poço; Caminho do Trapiche; bem como os retratos de Torquato Cabral, Rosalvo Ribeiro (inacabado), pintor Bérard, dão a melhor cópia de excelente artista, que era também dotado de belíssimo caráter.

Anda agora no galarim da fama José Paulino de Albuquerque Lins (São Luiz do Quitunde, 20 de outubro de 1893). Tem produzido muito. Também não seguiu um curso regular de estudos. Eis aqui a nomenclatura de seus apreciados e primorosos quadros, onde a natureza alagoana palpita sugestiva e encantadora: Coração da Mata; Morros de Camaragibe; Boca da Caixa; Ponta Verde; Capoeirão; Acendedor de lampiões; Margens do Manguaba; Lagoa das Antas; Margens do Camaragibe; Lesirias do Camaragibe; Paisagem do Paraíba; Ruínas em Bebedouro; Aterro de Jaraguá, Ponta do Sobral; Poente; Trecho de Caminho.

Dotadas de grande vocação artística, documentada várias vezes em primorosos trabalhos, — d. Noemia Duarte, e as senhoritas Anna Duarte e Mirian Lima, as duas últimas alunas distintas da Escola Nacional de Belas Artes.

É justo depositar nelas as mais legítimas esperanças, visto como já ligaram seus nomes a telas de valor.

Caricaturista Maria Aline Sarmento

Caricaturista Maria Aline Sarmento

Na caricatura até hoje se salientaram em Alagoas João Azevedo e a senhorita Maria Aline Sarmento, cujo talento maravilhoso proclamaram os mestres no Rio de Janeiro, onde Raul Pedreiras disse que nada mais lhe tinha a ensinar, quando ela o procurou para receber lições.

Há um pintor alagoano, cujos méritos têm sido discutidos, arreminando-se contra ele os críticos de arte e os jornalistas, que severamente o atacam.

É Virgílio Maurício, de cujo talento há provas robustas e demonstrações inconcussas. Muitos de seus quadros são destituídos de valia. Outros, porém, como L’heure du gouter; Aprés le rêve; Cabeça de velho; Amolando a foice; Fortaleza do Buraco mostram que o seu talento pictural, reconhecido com a sua admissão no Salon, de Paris, é dos mais notáveis aqui aparecido.

É crível que os seus atrozes acusadores tenham razão em algumas das arguições que lhe atiram à face. Em todas, não. Virgílio Maurício é pintor e crítico de arte, tendo sido discípulo aproveitado de Rosalvo Ribeiro.

A escultura tem dois primorosos representantes neste Estado: Lourenço Peixoto e Calheiros Gomes.

O primeiro nascido em Maceió, a 3 de julho de 1897, dedicou-se à pintura em que não se elevou muito, e à arte modelar.

Como pintor, produziu, entre outros, os seguintes trabalhos de relativo merecimento: São Pedro; No rio das caças (trecho do Mundaú); Mestiça; Sumaúma; Bom Conselho, Rua Nova, e alguns retratos.

Escultor, Lourenço Peixoto, sem a lição dos mestres, tem criações magnificas e excelsas, que estadeiam, de modo bizarro, faculdades raras. Estas podem ser admiradas os seguintes lavores: Firmeza; A carta de alforria; Meditação; Justiça; Petulância; Mendiga Pery; Cecy; bustos de D. Anna Peixoto, Casimiro de Abreu, dr. Camilo Soares, Castro Alves, Eça de Queiroz, medalhões de Beethoven, Rodin, Emilio Bourdelle, etc.

Artista na infância e D. Pedro II falarão sempre de Calheiros Gomes, cuja probidade artística só é comparável ao seu talento excepcional e raro, que, apesar da falta de um curso sistemático de estudos, se exibe, a cada passo, em demonstrações maravilhosas.

Calheiros Gomes é funcionário do fisco federal.

Mais feliz, Lourenço Peixoto, seu emulo, é professor de desenho e pintura no Grupo Escolar Modelo Thomaz Espíndola.

A arquitetura entre nós sé teve um representante: José Diniz da Silva, natural de Murici e falecido precocemente. Para lhe atestar, de modo exuberante, a capacidade, basta apontar o prédio da Sociedade Perseverança e Auxílio dos Empregados no Comércio de Maceió, de que elaborou a planta.

Não quer isso significar que não tenha plasmado outras plantas merecedora de aplausos.

Em Penedo se apresentam, na qualidade de pintores, escultores e arquitetos, Julio Phydias e Aurelio Phydias, atrofiados pelo meio, que os prejudica até os aplausos por eles recebidos e dos quais redunda a gloríola, e não a gloria verdadeira, a que em Alagoas poucos, bem poucos, podem aspirar, visto como a ambiência os esmaga.

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