Sampaio Dória, um ilustre alagoano de Belo Monte
Etevaldo Amorim
Com a deposição de Getúlio Vargas, na noite de 29 de outubro de 1945, pondo fim ao Estado Novo e a quinze anos de ditadura, assumiu o Governo o Dr. José Linhares, então Presidente do Supremo Tribunal Federal. Ele estava numa festa em família quando foi chamado ao Ministério da Guerra para uma conversa com o Ministro da Guerra, Gal. Pedro Aurélio de Gois Monteiro. Pela madrugada, já no dia 30, ficou sabendo que deveria assumir, interinamente, a Presidência da República, dado que a não havia um Vice-Presidente.
Na montagem do ministério, foi escolhido para a Pasta da Justiça e dos Negócios Interiores o renomado professor da Faculdade de Direito de São Paulo, o Dr. Antônio de Sampaio Dória. Coube-lhe desempenhar a brilhante tarefa de preparar a Nação para o pleito de que resultou a formação da Assembleia Nacional Constituinte e, ao mesmo tempo, a eleição, pelo voto popular, do Presidente da República. Ele foi o primeiro a ser empossado. Em seu discurso, procurando definir a conjuntura política, assim se expressou[i]:
“Mas, em verdade, estou deslumbrado com os sucessos políticos desses últimos dias. Assistimos a um fenômeno singular na história das instituições políticas: deporem as forças armadas a um ditador, e não instituírem, em substituição, outra ditadura. No interregno entre a queda do poder ilegítimo e eleição popular, apelam as forças vitoriosas para a imparcialidade do Poder Judiciário. Não foi a cobiça do poder que as impulsionou; mas o sentimento de suas responsabilidades para com a Nação em cujo seio se formaram. Acima de tudo, colocaram o ideal da Pátria com instituições liberais, justiça efetiva e opinião pública organizada. Nessa atitude que acabam de ter, há um exemplo digno de memória: o desprendimento, a energia e o patriotismo, como nunca houve em revolução nenhuma do mundo, em lugar dos institutos de caudilhismo, que desgraçam os povos sem cultura política. A Nação, que nestes últimos meses as vem acompanhando, vibrante e apreensiva, tem motivos do mais justificado orgulho pela nobreza de que acabam de dar lição. Nelas repousam a segurança da ordem e da justiça, até a volta do país à legítimo”.
Ao final, em declaração aos jornalistas presentes, afirmou que não haveria delito de opinião e que o pensamento e a doutrina eram livres, acrescentando: “Ninguém será preso por ser comunista, ou ateu, ou adotar a corrente política que entender”
Especificamente quanto aos comunistas, fora o próprio Sampaio Dória que, pouco tempo antes, enquanto Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, e em que pese algumas diligências, subscreveu Parecer favorável ao Registro Provisório do Partido Comunista do Brasil – PCB. Assim os comunistas puderam participar das eleições, elegendo um Senador, Luiz Carlos Prestes, e uma aguerrida bancada de Deputados Federais constituintes[ii], até terem seus mandados cassados, em 1948, como consequência da cassação do registro do Partido.
O Ministro da Justiça comandou o processo eleitoral. Em 20 de novembro de 1945, expediu telegrama aos Governadores e Interventores Federais nos Estados instruindo-os para a obediência ao Decreto-Lei nº 8.188, de 20 de novembro de 1945. Segundo ele, os Prefeitos que até o mês anterior tivessem sido membro de diretórios partidários, deveriam ser afastados e, assumindo o expediente das Prefeituras o Juiz de Direito da Comarca. Foi assim que, em Pão de Açúcar, por exemplo, foi afastado o Prefeito Augusto Machado, em 22 de novembro de 1945, assumindo o comando do município o Dr. Olavo Acioli de Moraes Cahet Filho, Juiz de Direito da Comarca, até o dia 4 de dezembro do mesmo ano, quando retornou o titular.
Por problemas de saúde, deixou o cargo a 8 de janeiro de 1946, antes mesmo de chegar ao fim o governo interino do Presidente José Linhares. Ficou respondendo pelo expediente o Dr. Teodoro Camargo, titular da Agricultura.
Vale a pena conhecer um pouco da história desse ilustre alagoano.
ANTÔNIO DE SAMPAIO DÓRIA[iii] nasceu a 25 de março de 1883, em Belo Monte, Estado de Alagoas. Filho de Cândido Soares de Mello Dória, de origem sergipana, e de Cristina Leite Sampaio. No livro nº 1 de Batizados dessa Paróquia, a fls. 39-verso, consta o assento de seu batismo, feito pelo padre Antônio Soares de Mello, a 5 de agosto de 1888, sendo seus padrinhos Fortunato Francisco de Oliveira e d. Josefina Leite Sampaio. Em sua terra iniciou apenas os estudos, tendo como professor seu irmão mais velho, Pedro Soares de Sampaio Dória.
Em 1877, seu pai transferiu a residência de Lagoa Funda (atual Belo Monte) para Pão de Açúcar[iv], e em 1889, decidiu transferir-se com a família (mulher e onze filhos) para São Paulo. Lá continuou como vendedor ambulante, vendendo móveis e utensílios para casa, de cidade em cidade, até estabelecer-se em Santa Cruz do Rio Pardo, no Oeste do Estado. Dalí atingiu Jacarezinho, no Norte do Paraná, onde adquiriu fazenda de café.[v] Ainda em Alagoas, e por volta de 1875, atuava como Caixeiro Despachante, representando a empresa do italiano José Jacome Tasso.[vi] Aliás, a origem dos Dória é italiana, tendo constituído no Brasil ramos em São Vicente e na Bahia (que abrangia o território de Sergipe), mais precisamente na região de Propriá (daí os Costa Dória, Rodrigues Dória, Seixas Dória).
O jovem Antônio pode, então, completar o curso primário e prosseguir nos estudos secundários no Colégio Silvio de Almeida, prestando exames de preparatórios.
Em 1904, matriculou-se na Faculdade de Direito, diplomando-se Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, colando Grau em 10 de dezembro de 1908. Aliás, seu irmão Pedro, que fora seu primeiro professor, o precedera no curso de Direito, tendo sido fundador e primeiro Presidente do famoso Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade do Largo de São Francisco.
Foi professor, durante alguns anos, do Ginásio Macedo Soares, exercendo ainda o cargo de vice-diretor do Externato. Em 1914, após brilhante concurso, em que se classificou em 1° lugar, foi nomeado professor catedrático de Psicologia, Pedagogia e Educação Cívica, da Escola Normal Secundária da Capital.
Inscreveu-se, em 1919, no concurso para professor substituto da 2ª Secção, (Direito Público e Constitucional, Direito Internacional Público e Privado), desta Faculdade. Reuniu suas dissertações de concurso no volume Problemas de Direito Público. Aberto concurso para provimento do cargo de professor substituto da 5ª Secção.
Durante o curso jurídico, dedicou-se ao ensino no antigo Ginásio Macedo Soares, onde regeu a cadeira de Psicologia e Lógica e, na Escola de Comércio Álvares Penteado. Uma vez diplomado, por pouco tempo exerceu a advocacia, para dedicar-se ao jornalismo, ocupando o lugar de Redator-chefe de O Imparcial, do Rio de Janeiro. Voltando a São Paulo, concorre, em 1914, à cadeira de pedagogia da Escola Normal da Praça da República, que obteve após brilhantes provas.
Em 1920, sendo ainda professor da Escola Normal, por convite do Presidente do Estado de São Paulo, Washington Luiz, foi chamado à direção geral da Instrução Pública do Estado, tendo tido a oportunidade de realizar uma profunda reforma no aparelhamento escolar paulista. Sua administração foi assinalada com medidas de grande alcance prático, como o recenseamento escolar, pela primeira vez realizado no Brasil, a criação das delegacias regionais de ensino, a escola alfabetizante, a unificação das escolas normais, a sistematização da prática pedagógica, a organização da assistência escolar, além de outras.
Deixando o cargo na Instrução Pública, a 2 de maio de 1921, foi algum tempo depois convidado para superintender o Banco de São Paulo. Vagando-se, em 1925, a cadeira de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de São Paulo, o Dr. Sampaio Dória a ela concorre, obtendo o primeiro lugar e sendo nomeado catedrático.
Sempre ligado aos ideais de ensino e à sua propagação, fez parte do primeiro Conselho Diretor do Liceu Franco-Brasileiro e presidiu o Liceu Nacional Rio Branco, de que é um dos fundadores. Dentre suas obras, vale destacar: Princípios da Pedagogia (1914); Ensaios (1915); O que o Cidadão deve Saber (1917); Problemas de Direito Público (1919); A Questão Social (1920); Questões do Ensino (1923); Como se Aprende a Língua (1922); Como se Ensina (1922); Psicologia – 2ª edição (1928, 1930); Princípios constitucionais (1926); O espírito das democracias (1925); e Sobre a formação da linguagem.
Aos 81 anos de idade, vítima de infarto, faleceu em São Paulo, a 26 de dezembro de 1964, sendo sepultado no mesmo dia, às 16;30 h, no cemitério de São Paulo. Compareceram diversas personalidades, entre elas o reitor da USP, Prof. Luiz Antônio da Gama e Silva e o advogado João de Oliveira Filho.[vii]
Era casado com Estefan Carvalho de Sampaio Dória (conhecida por Fanny), com que teve os filhos Luiz Antônio de Sampaio Dória (casado com Jandira de Sampaio Dória), Maria Helena Dória Leme da Fonseca, casada com Antônio Leme da Fonseca; Maria Regina Dória Ribeiro, casada com Pedro Surreaux Ribeiro; e Omar de Sampaio Dória, casado com Lúcia Goulart.
Em 1968, atendendo o seu desejo, a família doou o acervo de sua biblioteca particular à Faculdade de Direito de Alagoas. Em sua terra natal, e em São Paulo, há escolas com o seu nome e, em Maceió, uma rua em Ponta Grossa.
[i] Diário Carioca, 1º de novembro de 1945.
[ii] Carlos Marighela, Gregório Bezerra, Jorge Amado, João Amazonas, José Maria Crispim, Maurício Grabois, Joaquim Batista Neto, Milton Cayres de Brito, Agostinho Dias de Oliveira, Alcedo Coutinho, Claudino José da Silva, Alcides Sabença, Osvaldo Pacheco e Abílio Fernandes.
[iii] Antônio de Sampaio Dória, por Ernesto Leme.
[iv] Jornal do Penedo, 22 de junho de 1877.
[v] Museu da Pessoa, relato de Fábio Dória do Amaral, disponível em http://www.museudapessoa.net/pt/conteudo/historia/historia-de-vida-45489.
[vi] Jornal do Recife, 12 de maio de 1875.
[vii] Correio da Manhã, RJ, 29 de dezembro de 1964, p. 3.
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