D. Pero Fernandes Sardinha, o polêmico bispo de Salvador
por Consuelo Pondé de Sena*
Figura muito discutida desde os tempos coloniais, o primeiro bispo do Brasil, D. Pero Fernandes Sardinha, passou à história como um religioso beligerante, que se deu mal na missão espiritual que lhe caberia desenvolver na América Portuguesa. Dele têm sido feitas muitas análises rigorosas, especialmente voltadas para as discórdias que o separaram do segundo governador, D. Duarte da Costa, e demais pessoas que viviam na Colônia.
Segundo o notável historiador Capistrano de Abreu, da autoria do religioso existem três cartas, uma escrita de Cabo Verde, datada de 11 de abril de 1551, outra da Bahia, de 11 de junho de 1552, e a terceira, também da Bahia, de 11 de abril de 1554.
A primeira missiva dá conta da saída do bispo, de Lisboa, no dia 24 de março, juntamente com a armada que seguia para a Índia. Carta assinada pelo padre Manoel da Nóbrega atesta que o bispo chegou a Salvador no dia 23 de junho de 1552.
De acordo com Capistrano, a carta de 1554 pertence ao ano 1555, desde quando existia uma diferença entre a cronologia comum e a adotada pelo bispo. Supõe-se que ele não contava o ano civil a partir do dia 1º de janeiro, antes privilegiando o ano da Encarnação, por muito tempo usado pela cristandade.
Tudo indica que o bispo era um homem de temperamento irascível, pouco dado às amizades e vivia em constante discórdia com os religiosos.
O governador Duarte da Costa, por sua vez, não gozava de boa fama e fazia carga contra o bispo. Narrou, por exemplo, que desejando fazer uma visita episcopal a Pernambuco não almejou ser substituído por Gomes Ribeiro, malgrado terem se harmonizado, mais de um ano após a volta deste das capitanias do Sul, em companhia de Tomé de Souza. Viagem breve, pois a 26 de junho de 1554, o bispo já se encontrava em Salvador.
A bula de criação do bispado de São Salvador, denominada Super Militantis Ecclesiæ, expedida aos 25 de janeiro de 1551, levou o bispo a viajar para o Brasil, em fins de setembro, de sorte que antes do final do ano já se encontrava na sua diocese. Em 1552, foi instalado o primeiro bispado em Salvador. De pronto, incompatibilizou-se com os jesuítas, por causa dos indígenas, depois com D. Duarte da Costa, cuja disputa decorreu do mau comportamento de seu filho, D. Álvaro da Costa, considerada inaceitável pelo bispo. Por conta dessa indisposição, foi o bispo chamado a Lisboa, mas o navio em que viajava, em companhia de cerca de 100 pessoas, naufragou no litoral de Alagoas. Triste fim do prelado, devorado pelos índios caetés, sem ter condições de serem avaliados os problemas que lhe causaram e que também provocou nos habitantes da Cidade do Salvador.
Em 1676, a diocese da Bahia passou à dignidade de arquidiocese, com uma área maior que a diocese.
Assim, no final do século XVIII, existia, na colônia portuguesa (Bahia), seis dioceses: Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão, Pará, Mariana e São Paulo e duas prelazias: Goiás e Mato Grosso.
Certo é que o primeiro bispo do Brasil ficou, para todo e sempre, marcado na história como um homem de difícil convivência, intransigente e duro. É sabido que instalado o primeiro bispado em Salvador, D. Pero Fernandes Sardinha inimizou-se com os jesuítas, por serem esses religiosos mais tolerantes em relação aos costumes indígenas. O bispo severo e radical em seus princípios religiosos não sabia o que era “flexibilização”. Considerava que a catequização deveria ser rígida e capaz de atrair os nativos para a cultura europeia. Considerava, por exemplo, que os ameríndios só deveriam ser batizados depois que falassem o português, se vestissem e se comportassem como europeu.
Com o governador o problema se relacionava com a conduta de Álvaro da Costa, filho de Duarte da Costa, considerado imoral pelo bispo. Em razão desse desentendimento, dom Pero F. Sardinha foi chamado de volta a Portugal, tendo o navio em que viajava, em companhia de cerca de cem pessoas, naufragado no litoral de Alagoas. Os sobreviventes que conseguiram alcançar a praia, entre eles o bispo, foram devorados pelos caetés. Em revide, as autoridades portuguesas condenaram toda nação caeté e seus descendentes à escravidão.
Em todas essas informações sobre o bispo cabe uma indagação a respeito das circunstâncias em que vivia. Com quais “atores” o bispo português contracenava nesse imenso e abandonado palco tropical? Será que lhe entendiam a fala enrolada?
Sei que foi infeliz na sua missão. Indispôs-se com muitos, teve atritos com os padres, não era simpatizado pelos “donos da terra”. Enfim, não foi feliz na Bahia. Terminou tristemente transformado em “petisco” para a gente voraz e faminta de “carne branca”.
Material muito valioso.
Texto bem escrito, mas carece de se informar as referências.
Se com “fala enrolada” o autor do artigo quer se referir ao sotaque português, convém lembrar que naquela época portugueses e “mazombos”, os naturais da terra, se expressavam de modo exatamente igual; ainda não se diferenciara o falar de lusitanos e brasileiros, tendo aparecido somente em começos do século XVIII as inovações fonéticas em Portugal. O português do Brasil é, de modo geral, o falado no reino no século XVI, conservado entre nós segundo o princípio de que toda língua transplantada tem cunho arcaizante.
Parabéns pelo artigo.
Indios brasileiros matavam brancos. Hoje, brasileiros matam índios.
Triste história como outras de sacrifícios humanos, entre as quais a do missionário Roque Gonzalez.
Ligaram o nome a pessoa e então foi criado um novo prato indígena, Pirarucuoca ou nosso conhecido Filé de Sardinha