Perdi o meu latim
Theobaldo Barbosa
Meu vestibular para ingressar na Faculdade de Direito de Alagoas foi precedido de grande esforço. Dizia-se, na época, que só passava nas provas quem tivesse um pistolão. Como eu não dispunha desse “fantástico” instrumento da vida pública brasileira, o jeito foi debruçar-me sobre os livros. Aprender português, latim, francês e outras matérias, já que o aprendizado escolar não era suficiente para ingresso em curso superior.
Dediquei-me ao estudo, principalmente latim, cujo curso realizado no colégio era deficiente. Aliás, sempre achei a chamada língua morta suprimível do currículo escolar e por isso já deveria ter sido sepultada há muito tempo. Por esta razão não me dedicava ao seu estudo, limitando-me a conhecer as declinações, alguns verbos e o resto, por ocasião das provas, apelava para a sorte, ou para uma ajudinha discreta do colega vizinho.
Mas no vestibular era diferente. O número de vagas limitado. Grande era a procura dos jovens de outros estados, como Paraíba, Rio Grande do Norte, onde não havia Faculdade de Direito, aumentando assim a dificuldade face à concorrência.
Para piorar a situação, as mulheres que concorriam em número quase igual ao dos homens, não eram reprovadas, pois tinham, a seu favor, eminentes defensores como o professor Guedes de Miranda, de saudosa memória, que costumava tecer loas às belas jovens que aportavam no sodalício da Praça Bráulio Cavalcante.
Para superar tantos obstáculos, muito tive de estudar. Adquiri a gramática de latim de João Ravizza que era utilizada no seminário para os que escolhiam a carreira sacerdotal. Ainda não satisfeito com o material didático excelente de que dispunha, procurei receber, por alguns meses, aulas do professor Maciel que morava na Ladeira do Brito, em uma casa estreita de janela grande, cuja iluminação precária era suprida por uma lâmpada potente que mais aumentava o calor.
Ao cabo desse aprendizado, estava, sem falsa modéstia, quase um “latinista”. Sabia a gramática, dispunha de bom vocabulário e até me atrevia a traduzir alguns trechos de Cícero e Virgílio. A coisa que aborrecia no tempo de aluno ginasiano passou a ser agradável e até me orgulhava de ser entre os jovens de minha geração o que não faria feio se fosse exigido demonstrar conhecimento da língua.
Para minha decepção, porém, quando da prova oral, a que todos se submeteriam após as provas escritas, o professor Togo Falcão, que fazia parte da banca examinadora, mandou que eu declinasse rosa-rosæ, que é, em latim, o que de mais elementar existe. Pensei em pedir ao examinador que puxasse por mim, pois havia estudado não para responder aquela bobagem, mas para render muito mais, face à minha dedicação, ao meu esforço.
Com a simples resposta à sua simples pergunta, o professor se satisfez. Deu-me uma nota cinco, que garantiu meu ingresso na faculdade. A isso é que se poderia dizer com grande propriedade: perdi o meu latim…
*Publicado originalmente no livro “Além do Sério: Memórias de um Político alagoano”, HD Livros, Maceió, 1998.
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