Zefa, do Buraco, em 1988
Formada na vida e na cozinha, ela é a mais famosa das bodegueiras
* Publicado originalmente na revista Última Palavra de 8 de abril de 1988.
Quem ainda não conheceu o “Buraco da Zefa“? Pois é, ficava na Rua da Soledade, no bairro da Ponta Grossa e constava até no Guia Quatro Rodas da Abril. Mas o “Buraco da Zefa” agora é mais em baixo, não é mais da Zefa, uma história complicada, mesmo assim continua sendo uma atração à parte para políticos intelectuais, jornalistas, radialistas e os frequentadores da casa.
A especialidade do hoje chamado “Cantinho da Zefa“, também na Ponta Grossa, a poucos metros do antigo “Buraco”, é a macarronada e a especialíssima galinha à cabidela no molho pardo. Mas, a principal atração mesmo fica por conta de Dona Josefa Mota da Silva, 68 anos, 40 administrando botequins e até hoje na linha de frente do forno de sua cozinha.
Dona Zefa, uma sorridente, despudorada e espontânea pessoa, não faz a mínima ressalva em contar sua história e seu complicado caso de amor com o Edson, ex-sócio, ex-marido e hoje dono do bar onde funcionava o original “Buraco da Zefa”.
Raiz de pau
Até ser frequentado por gente conhecida nos meios mais influentes, como ex-governadores e políticos em geral, o “Buraco da Zefa” foi descoberto pelo time do rádio alagoano, nos anos 50. Dona Zefa revela que o autor do nome do bar foi o radialista Haroldo Miranda, freguês número um do “Buraco da Zefa”, que era assíduo no local juntamente com Floraci Cavalcanti, Chico Magalhães, Reinaldo Costa, Sabino Romariz, entre outros.
Mas, Dona Zefa começou mesmo foi vendendo cachaça com raízes de plantas e árvores, a famosa “raiz de pau“. O ambiente era lusco-fusco, só com lamparinas iluminando as poucas mesas, onde solitários trabalhadores e pescadores marcavam encontro com as damas da noite que frequentavam a casa: “Naquele tempo podia de tudo até uma casa de dança suspeita, minha casa é familiar e de respeito”, adverte Dona Zefa.
Da casa de palha, do chão batido no barro, da cerveja gelada no isonor, “de ter que passar abaixado pela porta” nada mais disso existe. Hoje os congeladores deixam a cerveja da Dona Zefa no ponto certo. E algumas celebridades já tomaram umas e outras no “Buraco da Zefa”. O cantor Jamelão foi um deles, que inclusive chegou a cantar para Dona Zefa, como também o Waldick Soriano. Já Cartola e Dona Zica saíram deliciados com o siri despenicado ao coco de Dona Zefa, e outros astros como Cauby Peixoto, Adeildes Fonseca, Joanna, o malandro Macalé e Alceu Valença marcaram presença no “Buraco da Zefa”.
Personagens
É no “Buraco da Zefa”, por exemplo, onde se encontram a qualquer hora, cruzando os narizes, em atmosfera leve ou pesada, dependendo do clima, frequentadores como o deputado José Costa e Guilherme Palmeira (“ele gosta de uma pituzinha com carne da feijoada”); Divaldo Suruagy e Fernando Collor (“que depois de eleito não veio mais”). O senador Teotônio Vilela também era presença constante (“Gostava de uma boemia e uma boa prosa”). Dona Zefa não esquece porém seu “braço direito”, a “prata da casa”: o radialista Haroldo Miranda.
Mesmo com esses inesperados encontros de todos os tipos de amigos e inimigos, toda fauna e flora da fina flor política das Alagoas, até hoje nunca houve mortes nem, tiroteios em seu bar: “O que houve foram pequenas confusões. Pois sempre apareciam soldados de armas de fora e deputados armados com seus capangas. Mas nunca houve tiros”, sentencia Zefa.
O ápice de sua carreira de empresária de bar foi a tentativa de ser sócia da Adega do Trapiche, que na época era chamado de “Cabidela da Zefa”, mas não deu certo a empreitada, conta Dona Zefa: “O negócio era muito chique. Dez garçons bem vestidos serviam às mesas, com copo de cristal e coisa e tal. Levei prejuízo, pois meu sócio deu o pinote e não me pagou”. Então assumiu definitivamente o “Buraco da Zefa” até a briga com o Edson, quando trocou o nome originalíssimo de “Buraco” para “Cantinho da Zefa”: “Quem mandou eu trocar foi um delegado de polícia, para não complicar as coisas com o Edson”, explica Zefa.
Vida dura
Mas da casa de dança suspeita até o “Cantinho da Zefa”, muitas águas rolaram na vida de Dona Josefa, uma história longa e penosa. Logo mocinha, com 15 anos, Zefa se juntou com um empregado de uma fazenda onde trabalhava, em Viçosa e fugiu com ele para Maceió.
Mas aí nem ficou com o amor, que fugiu, nem com o filho, que morreu prematuro: “Naquele tempo o respeito era que valia, minha honra tinha acabado, não tinha volta para casa. Fiquei sozinha, com vergonha e medo. Mas tomei vergonha na venta e meti a cara no mundo. Fui trabalhar de doméstica em casa de grã-fino”, relembra Dona Zefa.
Mas logo logo Dona Zefa foi reconhecida pelo seu talento nas artes culinárias, da casa dos burgueses ela agora era disputada em “leilão”, como diz, entre propostas mais altas de donos dos bares daquele tempo. Entre o Monte Castelo e o Bar Vitória, Dona Zefa terminou indo para o segundo, cujo proprietário era um ex-oficial pracinha da FAB. Mas ela não passou muito tempo no Bar Vitória.
E vendendo munguzá e sarapatel num pequeno barraco de palha, Dona Zefa viu chegar os tempos áureos do “Buraco da Zefa”. Era “casa cheia” e “dinheiro saindo de rodo“. Dona Zefa chegou a ter casas de aluguel no Jacintinho. Mas aí veio o pior: o “Buraco da Zefa” sofreu uma irreparável ruptura, Zefa briga com o Edson, que parte para fazer seu próprio bar, levando com ele a cozinheira Dolores, reconhecidamente “da melhor qualidade”, diz Zefa.
Dona Zefa não poupa críticas ao seu ex-marido Edson. Ela fica possuída por uma forte inquietação quando fala no ex-marido e diz ser ele o culpado de tudo: “Ele foi vendo eu envelhecer, ficando feia, enchendo o bolso de dinheiro e raparigando no Mossoró. Não queria sequer que eu pegasse no dinheiro. Mas continuei sozinha, com gosto de gás”, afirma.
Folia
Mas Dona Zefa deu a volta por cima. Hoje, para se ter uma ideia do vigor da velha bodegueira, mãe de santo, com Xangô de santo forte, ela acaba de chegar do Carnaval de Olinda, de onde só voltou depois que saiu no bloco do seu amigo Batata, conhecido carnavalesco pernambucano:
— “Mas como não? Gosto demais de carnaval. Só voltei de Olinda depois que desfilei no bloco do Bacalhau do Batata. Teve até turista americano tirando fotografia minha”, diz Dona Zefa, não ligando à mínima para sua avançada idade.
Mas Dona Zefa não quis revelar o segredo do tempero de suas receitas: “Esse não dou de forma alguma, o segredo de minha comida vai morrer comigo. Quem gosta sempre volta”. Mas ela deixa escapar uma pista do segredo: “A galinha cabidela é feita num fogão de lenha, na brasa. Esse pode até ser o segredo revelado, pois a carne sempre fica molinha e gostosa”.
Sempre que pode não dispensa uma cervejinha gelada, e Dona Zefa saúda aos repórteres com um alegre brinde no final: “Saúde para vocês, dos fios dos cabelos aos dedos dos pés. Minha cara é feia, mas o coração é bonito“.
* Publicado originalmente na revista Última Palavra de 8 de abril de 1988.
Muito bom, adorei Edberto
Frequentei o “Buraco da Zefa”, nas décadas de 50/60, na alegre companhia dos meus amigos Gonzaguinha (in memoriam) e Pedro Spoleta, ainda na ativa, se bem que, hoje, domesticado, haja vista sua idade provecta (que nem a minha!).
Frequentei o BURACO DA ZEFA em 1968 , quando estudava no cursinho de medicina, da praça nossa senhora das graças, juntamente com meus saudosos amigos , e colegas médicos , Alberto Lopes Sales e Ailton Rosalvo , todas as sextas feiras, após as aulas , íamos comer o famoso SARAPATEL DO BURACO DA ZEFA acompanhado de uma Brahma gelada. Para entrar , no boteco coberto de palha, tínhamos que se curvar ao passar pela porta.