O assassinato do Dr. Paulo Netto em 1959
O automóvel estacionou em frente à Casa de Saúde Lessa de Azevedo, na Rua Cincinato Pinto, Centro de Maceió. Sem desligar o motor, um médico desceu apressadamente e entrou na clínica.
Poucos segundos depois voltou carregando uma caixa de sapatos com alguns periquitos australianos. Antes de entrar no carro foi abordado por um senhor idoso que procurava atendimento. Recebeu a orientação para voltar no dia seguinte.
Mal tinha despachado seu paciente, outra pessoa se aproximou do médico, falou algo, sacou um revólver Smith & Wesson calibre 38 e atirou por três vezes à queima roupa, fugindo em seguida utilizando o veículo da vítima.
Era uma segunda-feira, 2 de março de 1959, por volta das 14h30 e o corpo que agonizava no chão era o do Dr. João Paulo de Miranda Netto, um dos proprietários da clínica que viria a receber o seu nome.
Mesmo sendo socorrido imediatamente pela enfermeira Zení Oliveira e depois por treze dos melhores médicos de Maceió, o Dr. Paulo Netto não resistiu e faleceu 50 minutos após ter sido atingido na cabeça e na região renal direita.
O corpo foi velado no Salão Nobre da Faculdade de Medicina e no dia seguinte, às 16h30, foi enterrado no Cemitério de Nossa Senhora da Piedade.
O médico e professor João Paulo Miranda Netto nasceu em Garanhuns, Pernambuco, no dia 3 de junho de 1911. Era filho de Antônio Paulo de Miranda e Quitéria Bezerra Miranda. Casou-se com Yvonne Cabral de Miranda e tiveram quatro filhos: Úlpio, Iêda, Marta e Marcos.
Estudou e concluiu seu curso médico em 1936 na Escola de Medicina Federal Fluminense. Especializou-se em Cirurgia Geral e quando voltou para Alagoas participou da criação da Faculdade de Medicina de Alagoas e da Faculdade de Odontologia de Alagoas.
Também teve intenso envolvimento com os esportes alagoanos, chegando a presidir o Clube de Regatas Brasil (CRB) em 1944 e a Federação Alagoana de Futebol (FAF) em 1948. Foi professor da Faculdade de Odontologia de Alagoas, na cadeira de Anatomia, e patrono da cadeira nº 12 da Academia Alagoana de Medicina.
Quando foi assassinado, já era proprietário da Casa de Saúde Lessa de Azevedo.
A prisão do assassino
Logo após o crime, a polícia agiu rapidamente e passou a fiscalizar todas as saídas de Maceió. Os dados sobre o veículo utilizado na fuga foram amplamente divulgados e em poucas horas foi encontrado em um sítio no povoado Branca de Atalaia.
Com a localização do veículo em Atalaia, as buscas se concentraram naquela área e na madrugada seguinte José Miranda de Oliveira foi preso enquanto dormia em um matagal, tendo ao seu lado a arma utilizada para assassinar o dr. Paulo Neto.
Ele confessou o crime e justificou o seu ato dizendo que sua mãe, Anita Miranda, tinha sido operada seis anos antes em uma intervenção cesariana pelo Dr. Paulo Netto e que este teria deixado, por descuido, gaze cirúrgica no abdômen da paciente. Com o passar do tempo este objeto estranho ao corpo provocou problemas em sua mãe, levando-a a se submeter a nova cirurgia em Recife. O material foi encontrado e retirado, mas ela faleceu.
Segundo reportagem da Gazeta de Alagoas do dia posterior à prisão do assassino, José Miranda era guarda sanitário colocado à disposição do cunhado do governador Muniz Falcão, em Palmeira dos Índios, servindo como motorista. Era casado e pai de três filhos.
José Miranda foi considerado culpado e condenado pelo Tribunal de Júri. Em 1961, voltou a ser notícia ao liderar uma rebelião de presos na Casa de Detenção do Estado de Alagoas. Após cumprir a pena, Miranda foi morar no Sul do país.
Possíveis implicações políticas
Em 1959 o governador de Alagoas era Muniz Falcão, que tinha sobrevivido à batalha do impeachment dois anos antes, quando houve o famoso tiroteio na Assembleia Legislativa que vitimou, entre outros, seu sogro, o deputado Humberto Mendes.
Como existia o envolvimento de José Miranda com a família Mendes, o crime do dr. Paulo Netto logo tornou-se objeto de investigações que tentavam provar uma motivação política no assassinato.
A Gazeta de Alagoas da época informava que José Miranda também estaria envolvido em outros crimes, tendo sido ele quem dirigiu a caminhonete do cunhado de Muniz Falcão de onde partiram os tiros que mataram o subtenente Áureo de Azevedo França. O assassinato do sargento Fernando Costa também foi atribuído ao mesmo grupo político do governador.
Os médicos, liderados pela Sociedade de Medicina de Alagoas, apontavam a motivação política para o crime. O grupo do governador reagiu e o deputado Pedro Timóteo Acioli Filho conseguiu aprovar requerimento com um voto de repúdio aos médicos alagoanos, representados por sua associação de classe.
Nos dias seguintes, houve troca de farpas entre os deputados e a Sociedade de Medicina, que tentava fazer com que a Assembleia voltasse atrás no seu voto de repúdio. Os deputados, por sua vez, exigiam a retratação das entidades médicas pelo conteúdo da nota pública.
Como resposta, os médicos enviaram comunicado ao Presidente da República, aos Ministros da Justiça e da Saúde, à Câmara e ao Senado Federal descrevendo o clima de insegurança existente em Alagoas. Além disso, deliberam que os dois deputados-médicos, Luiz Augusto da Rocha Tenório e José Lobo Ferreira, que aprovaram o voto de repúdio, jamais poderiam associar-se a qualquer instituição médica.
A Sociedade de Medicina de Alagoas e demais entidades médicas e estudantis denunciavam que era a impunidade e a facilidade do porte de armas em Alagoas que instigavam o crime e que teria estimulado “o ânimo do matador de Paulo Netto…”.
O médico e escritor Agatângelo Vasconcelos, em texto publicado na Gazeta de Alagoas sobre o assunto, considerou que “Paulo Netto foi vítima de equivocadas convicções socioculturais deploravelmente prevalentes em Alagoas. Brutalmente afastado da dimensão existencial em que nos encontramos, permanece na memória dos pósteros e empresta o seu nome ao nosocômio frente ao qual tombou, mortalmente ferido, naquele fatídico começo de tarde”.
Fontes:
– Artigo do Caderno Saber de autoria de Agatângelo Vasconcelos publicado na Gazeta de Alagoas de 7 de dezembro de 2013.
– Livro Os crimes que abalaram Alagoas, de José Jurandir, 2ª edição, Maceió, 2013.
Edberto Ticianeli, sou cearense, porém morei em Maceió, de 1980 a 1994, sou casado com uma alagoana, Ana Maria Biana Bezerra, tenho três filhos alagoanos, Luanna/médica formada pela UFAL, hoje oftalmologista, Luiz Fellipe/Eng.Mecânico, e o mais novo Emanuel Rodrigo, fazia Engenharia Elétrica, na Universidade do Estado do Arizona-USA, infelizmente meu amado filho morreu no dia 19.09.2014, quando fazia uma escalada em montanha no deserto do Arizona, causa morte desidratação e hipertermia devido o forte calor do deserto. Emanuel Rodrigo era alagoano, nasceu no antigo Hospital do SESI, no Farol. Lembro Edberto Ticianeli, que você foi vereador nos anos 80, e alguns parentes da minha esposa votaram com você. A morte do meu filho foi bastante noticiada pelos jornais de Alagoas, pois o mesmo era alagoano. Também foi reportagem do Jornal Nacional e do Fantástico. Todos anos vou a Maceió visitar familiares da minha esposa e amigos. Sou formado em Direito pelo CESMAC, e quem foi da minha turma foi o Vereador de Murici-Al, Anízio Amorim, que o amigo deve conhecer. Abraço forte de um cearense que aprendeu amar a terra de Tavares Bastos, Teotônio Vilela, Graciliano Ramos e Pontes de Miranda, dentre os muitos renomados alagoano. Acompanho suas publicações com muito prazer, pois gosto das histórias de Alagoas. Saudações.
Luiz David, sou grato pelas suas palavras. Fico contente em saber que o “História de Alagoas” contribui para que você mantenha vivo os laços que construiu com a nossa terra.
Grande Edberto,
Você revive páginas de vida que já se encontravam empoeiradas pelo tempo. Em setembro passando pela Rua Cincinato Pinto relembrei para ela esse fatídico assassinato. Ainda jovem com 13 anos passava no outro lado da rua, quando ouvi os tiros…lembranças de um tempo que se foi. Forte abraço
O cara não passou nem 10 anos preso. Nos EUA, com certeza era prisão perpétua.
Trabalhei 14 anos na Paulo Netto, não sabia de tanto detalhes… Apesar de sempre ouvir o meu pai contar essa história. Que pena! Morreu tão jovem, imagino a dor da viúva e dos filhos… Lamentável! Gostaria de me aprofundar nessa história e nas demais tão violentas do nosso estado
Caro amigo Edberto, a história de Alagoas é sempre bem contada, quando vem de sua pessoa, parabéns, e continue a trazer histórias de Alagoas. Um forte e fraterno abraço Floriano Alves
Parabenizo Edberto pelo seu espírito historiador e incansável a procura de fatos, que marcaram e outro, que enaltecem a nossa terra
Edberto,
Lembro-me de quando voce foi vereador.
Parece-me que estudante de arquitetura. Correto ?
Gostaria, se possivel, e se dados voce possui sobre meu avo(alemao e que foi o unico que desebarcou awui em maceio; os demsis alemaes seguiram para se estabelecerem no sul do pais.
Foi origem do cinema plaza – hermann athayde voss.
Gostaria de alguns dados, para colaborar com uma prima que deseja ha muito, uma dupla nacionalidade.
Antecipadamente, grato!!!
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Márcio, na época eu estudava Engenharia Civil. Quanto ao seu avô, vou ver o que descubro e repasso para você.
Gostaria de saber onde adquirir o livro OS CRIMES QUE ABALARAM ALAGOAS, pois procurei na internet e não achei. Desde já fico grato
Texto brilhante!
Olá Edberto ! Ja falei no grupo que morei em Maceió vinda de Blumenau, alguns anos de minha infância inicio da adolescência.
Lembro que tinha muitas histórias de familias que viravam em assassinatos.
Era tudo muito violento.
Tento lembrar de lugares onde estive pelas fotos postasdas.
Sou sobrinha do Dr. Meroveu Costa.
Parabéns pelas pesquisas da historia de Alagoas !
Há décadas a política e a impunidade andam de mãos dadas em Alagoas, quando criança lembro meus pais falando das guerras dos Calheiros e omenas. Excelente matéria, parabéns.
Sou neto da Anita Miranda, e ouvi vários relatos na família que minha vó morreu do parto do meu pai. Segundo a história, meu tio ficou revoltado por que o médico não deu valor a queixa de dor da minha vó, e após descobrir que minha vó morreu com uma infecção devido uma gaze esquecida dentro da mesma, meu tio foi fazer “justiça com as próprias mãos”.
Toda história tem 3 versões: “A de um lado, a do outro e a verdadeira.”
Negligência médica, esquecer gazes no abdômen de uma paciente mostra o quão era cuidadoso em suas intervenções. Pagou a irresponsabilidade com à vida.
lamento muito ., fiquei sabendo de toda historia por dro ulpio paulo de miranda neto (FILHO) namorei com ele, por um periodo de 9 anos… saudades., e fiquei sabendo que joao paulo faleceu, filho de ulpio.