O revisor de Guedes de Miranda
Jorge Vilar
(Extraído do livro Vi, Vivi, e Estou Contando, Gráfica Lar São Domingos, 2004)
Criado no velho Bebedouro, tive a oportunidade de fazer boas amizades. Hoje alguns já se foram e outros continuam fazendo sucesso por aí afora. Dentre os amigos do velho bairro do Major Bonifácio, lembro do José Alves de Oliveira, que chegou a ser secretário da Administração e deputado federal, Ari Alves seu irmão, que foi médico e que morreu há pouco tempo, Pedro Ferrari, Juiz de Direito, Ari Barreiros, comerciante, George Alemão, comerciante de peças automotivas, Humberto Lins, pintor e funcionário público e tantos outros nomes que me deixam lembranças das festas e bailes no 29 de junho, clube criado pelos jovens do bairro.
É bom lembrar um nome que, sendo mais velho do que a turma, sempre dava apoio e às vezes participava dos encontros festivos. Trata-se de Jorge Assunção, que foi deputado estadual, Secretário de Educação, Presidente do Tribunal de Contas do Estado e muito mais, principalmente no governo Muniz Falcão.
Quando Jorge começou a aparecer nos meios políticos nós o acompanhamos na sua caminhada. Ele adquiriu o jornal A NOTÍCIA, que pertencia à família do José Moraes, que morava no bairro da Cambona. Era um jornal velho na base do chumbo derretido, quando a impressão precisava de linotipo e dava um trabalho muito grande.
O Jorge nos confidenciara que comprara o jornal para ajudar na campanha de um grande amigo, que seria candidato a prefeito da capital.
Depois de muito pesquisar descobrimos que o homem escolhido para o posto principal, quer dizer, de prefeito, era o Coronel Lucena Maranhão, líder político no sertão e que combatera Lampião e seus cangaceiros.
O jornal “A NOTÍCIA” serviria de trincheira dos amigos do Jorge e seu candidato. Era uma grande aquisição para quem pensava em ganhar a eleição.
Estávamos no grupo do amigo Jorge Assunção e precisávamos de um lugar para fazer alguma coisa para ajudar também.
Em conversa que tivemos com o dono do jornal, fizemos ver a ele que tínhamos interesse em colaborar. E aí, nos veio a ideia de pertencer ao quadro de colaboradores da NOTICIA.
Como eu estudava durante o dia no Liceu Alagoano, fui escalado para ficar a noite no jornal, como revisor.
Como seria o meu trabalho? Revisor? O que seria ser revisor num jornal?… Depois de perguntar a turma na redação, fui informado que o trabalho seria corrigir os textos que fossem publicados, quando era tirada uma prova e que deveria ser igual ao original encaminhado pelos colaboradores e jornalistas contratados pela nova empresa.
Naquela nova missão em minha vida, tive no primeiro dia uma grande surpresa. Dentre os colaboradores estava lá uma fera: Professor Guedes de Miranda. Famoso tribuno e orador que empolgava nos comícios e nas solenidades quando discursava com os cabelos desalinhados e com tiradas lembrando os grandes oradores da história da Grécia antiga.
O que faria eu, com tamanha incumbência? Revisar textos do professor Guedes de Miranda? Logo cedo recebi o texto do mestre para fazer a revisão quando fosse publicado o jornal. Ao passar a vista notei que o texto era uma página escrita à mão cuja letra era quase um hieróglifo, mais parecendo letra de muitos médicos que ninguém sabe decifrar.
Tomei a liberdade e telefonei para o professor Guedes de Miranda. Muito bem recebido e com muita paciência ele tirou as minhas dúvidas e se colocando a minha disposição autorizou que eu poderia telefonar sempre que quisesse para revisar o que eu não entendesse.
Fiquei feliz em manter aquele contato diário com o intelectual de renome no Estado de Alagoas e que eu tomava a liberdade de consultá-lo quando desejasse, com a sua autorização dada pelo telefone.
O jornal A NOTÍCIA era um ferro-velho, que já havia passada de mão em mão e que quebrava inúmeras vezes durante os trabalhos de impressão. Várias noites eu tive que dormir na redação com a cabeça num velho dicionário como travesseiro e por cima de jornais usados como cobertor e lençol.
Lembro-me de um fato que marcou a passagem daquele matutino. Foi quando, numa madrugada de sábado para domingo, houve um desastre na estrada Rio/São Paulo, vitimando Francisco Alves, o Rei da Voz. Aquele acontecimento trágico foi manchete no jornal.
A NOTÍCIA, que terminara a impressão às dez horas daquele domingo, talvez tenha sido o único jornal do Brasil a dar um furo sensacional!
Em 1964 os homens que fizeram a revolução, invadiram a redação do jornal, em plena luz do dia e quebraram tudo. Eu, e amigos, que trabalhávamos na Rádio Gazeta, na Rua do Comércio, a 50 metros do A NOTÍCIA, assistimos tudo da janela da emissora.
Foi sepultada ali mais uma trincheira de lutas formada pelo idealista Jorge Assunção e contando naquela época, entre outros, com a colaboração do grande intelectual e orador, professor Guedes de Miranda…
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