Heckel Tavares, de Satuba para o mundo
Nascido em 16 de setembro de 1896, em Satuba, Alagoas, Leopoldo Heckel Tavares da Costa foi o primeiro filho do casal João Tavares da Costa e Elisa Cardoso Tavares da Costa, uma baiana que aniversariava em 24 de dezembro e era neta do comendador João Soares Chaves.
Haviam se unidos no dia 19 de outubro de 1895. Deste casamento nasceram também Berenice Tavares, que aniversariava no dia 28 de maio, Cordélia Tavares, Elisa Tavares, João Tavares da Costa, Walter Tavares da Costa (nasceu em 12 de novembro de 1913, no Rio), Paulo Tavares da Costa e Roberto Tavares da Costa.
O importador e exportador João Tavares da Costa, em junho de 1899, era tratado pelos jornais como industrial e comerciante em Jaraguá, Maceió, com estabelecimento na Rua Sá e Albuquerque, nº 107.
Proprietário de uma tipografia e comemorando aniversário no dia 28 de junho, João era filho de Francino Tavares da Costa (faleceu em Bebedouro no dia 1º de julho de 1908) e de Candida Cotrim Tavares da Costa, filha de Manoel da Costa Pereira.
João Tavares da Costa, que teve quatro irmãos — Francino Tavares da Costa Filho, José Tavares da Costa. Pedro Tavares da Costa e Maria Tavares —, em 1905 era o representante em Alagoas da Companhia de Seguros Aliança, da Bahia (permaneceu como agente até 30 de novembro de 1909) e do Lloyd Brasileiro.
Neste mesmo ano foi candidato a presidente do Clube Fênix Alagoana. Foi derrotado por Luiz de Vasconcellos.
O Gutenberg de 24 de setembro de 1907, ao informar que o “Coronel João Tavares” tinha embarcado no dia anterior para Salvador, na Bahia, citava-o como “digno negociante desta praça e vice-consul real e imperial da Áustria-Hungria neste estado”.
Em 1º de abril de 1908, João Tavares da Costa publicou um comunicado informando que naquele dia estava de partida para o Rio de Janeiro com sua esposa, onde permaneceria por alguns meses. Seus negócios ficaram sendo administrados por Francino Filho, seu irmão.
Em maio de 1909 foi agraciado pelo governo da Áustria-Hungria com a comenda da Imperial Ordem de S. Majestade Francisco José. Cinco meses depois, o seu vice-consulado passou a também atender a Sergipe.
Era também proprietário do Grupo Escolar Santa Ritta, dirigido pela professora D. Maria Clementina.
Em seu texto O Natal em Bebedouro, Félix Lima Júnior cita-o como alguém que “naquele tempo longínquo, [era] uma espécie de herói de Homero: “rico uma semana e mendigo outra”…
Leopoldo Heckel Tavares da Costa
Sua família morava em Maceió, mas em setembro de 1906 sua mãe estava grávida dele e passava férias em uma casa de amigos, na recém-instalada Destilaria Wanderley, um investimento de José de Barros Wanderley de Mendonça que fracassou naquele mesmo ano. As instalações foram transformadas no Aprendizado Agrícola de Satuba.
“Nasci num lugarejo de meia dúzia de famílias. Mamãe tinha ido passar ali as férias. Papai tinha amigos lá. Minha infância passei toda na capital de Alagoas”, confirmou a Pedro Bloch, da revista Manchete, em entrevista publicada em 2 de janeiro de 1965.
Nessa conversa com Pedro Bloch, Heckel admitiu que nunca deu entrevista a ninguém. “Minha vida não interessa a ninguém. O importante é a obra, compreende?”, explicou ao repórter e amigo.
Começou seus estudos com uma tia-avó e depois com uma professora contratada. Estudou também, ainda em Maceió, no Colégio 16 de Setembro. Foi nessa instituição dirigida pelo prof. Almeida Leite que, aos nove anos de idade, participou de um recital de poesias. Segundo o Gutenberg de 11 de fevereiro de 1906, “Heckel Tavares da Costa” ficou em terceiro lugar. Perdeu para Francisco Cavalcanti Lins e Euclides Vieira Malta Filho.
Heckel lembrou, ainda na entrevista à Manchete, que criou vínculos com a cultura popular graças a seu pai, que contribuía para os autos de Natal: “Minha obra toda nasce daí. Quando eu era pequeno, tomava parte nisso. Fui gajeiro da Nau Catarineta e muita coisa mais. Acho graça quando ouço alguém dizer que vai estudar música brasileira. Isto não se estuda. Ela nasce e cresce com o compositor. Se assim não for poderá fazer música cerebral, mas…”.
Ainda sobre sua infância, Heckel disse que a casa onde morou em Bebedouro era imensa, com 14 quartos e oito banheiros. Depois foi utilizada como hospital. (Félix Lima Júnior, em O Natal de Bebedouro, cita este palacete como depois transformado em casa de saúde. É a atual Casa de Saúde Miguel Couto). “Papai construiu um teatro em casa e todos nós representamos. Havia uma capela da casa em cujo órgão fui tateando as primeiras harmonias. Mamãe tocava piano e papai flauta. Curso primário era feito a domicílio com professora contratada. Música mesmo é que ninguém me ensinou. Também não tem nada demais. É só botar a mão no teclado e a coisa vai. Acabei acompanhando as novenas de maio, quando os portões eram abertos ao povo. Éramos cinco irmãos”.
Depois foi levado pelo pai para cursar o ginásio em Salvador, terra de sua mãe, onde estudou um pouco de violino. Esteve ainda no Colégio dos Irmãos Maristas, em Recife, Pernambuco. Lá, com o apoio dos professores, passou a tocar órgão e a cantar no coral daquela instituição.
Seu pai desejava que ele estudasse contabilidade. Provavelmente pensando em colocá-lo na administração dos seus negócios. Preferiu a música, como mostra a revista carioca O Malho, que publicou em 25 de outubro de 1919 um poema de Heckel de Tavares enviado de Maceió:
AMAR…
Ao dr. Arthur Sampaio
Quem nunca amou, de certo, nunca teve
nunca sentiu prazeres nem torturas;
passou pela existência, assim…, de leve
sem êxtase, sem dores, sem ternuras:
Não logrou ter as sensações mais puras
da vida — instantes que ninguém descreve;
não foi chama queimando nem foi neve;
não morreu nem viveu entre as criaturas;
Feliz não foi nem mal afortunado,
que da vida o prazer do amor se gera,
se esse amor não foi mal nem desgraçado.
Mas quem amou, quem ama… ah! quem amar,
terá na vida eterna primavera
— sonhos, flores em noites de luar.
No Rio de Janeiro
Heckel foi morar no Rio de Janeiro por questões financeiras da família. “Papai perdeu a fortuna e, em 1920, toquei pro Rio. Comecei vendendo máquinas de escrever e calcular Burroughs. Era difícil viver de música naquele tempo. Recomendado por papai conheci Goulart de Andrade, da Academia Brasileira de Letras, que escreveu, então, uma comédia a ser encenada pelo Jardel: Está na Hora. Ao ouvir as coisinhas que compunha quis que eu musicasse a comédia que alcançou o centenário [cem apresentações em seguida] no Teatro da Glória, uma façanha para aquele tempo. Escrevi outras músicas e daí meu gosto cresceu”, explicou.
Começou a escrever música, mas como era autodidata, procurava aprender ouvindo as orquestras do Teatro Lírico. Foi lá que se apaixonou por certas sonoridades, como a do oboé, fagote e corno inglês.
Um dia, sem conhecer o oboé, resolveu inseri-lo em sua orquestra no teatro e escreveu a parte dele:
“O oboísta, na hora, não tocou. Recomecei e, ao chegar àquele trecho, indiquei a entrada ao oboísta e nada! O homem nem bola! No intervalo chamei-o a um canto e indaguei zangado:
— Por que o senhor não toca o que escrevi?
O homenzinho me olhou com pena e explicou:
— Porque o senhor botou notas que meu instrumento não tem.
Eu ia esboçar um protesto quando ele esclareceu:
— Sou Agostinho Gouveia, catedrático da Escola Nacional de Música e formado pelo Conservatório de Paris”.
Resolvido a estudar música contou o ocorrido para algumas pessoas mais próximas e a notícia logo chegou ao seu amigo, o gaúcho João Otaviano Gonçalves, que imediatamente se prontificou a lhe dar aulas sem cobrar nada.
“Ele estava escrevendo uma obra intitulada Análise Harmônica e incluiu um capítulo com ilustrações, indicando as possibilidades de todos os instrumentos. Tudo o que sei de técnica musical aprendi com ele”, revela ainda que até papel e o lápis Otaviano comprava para ele.
“A harmonia estava comigo: não sabia era pôr no papel” avaliou. “Eu fizera muita coisa certa mas cujos comos e porquês só agora começava a compreender. Fizera coisas certas cujo nome ignorava. A crítica da época sentiu que eu queria algo. O Mário Nunes foi dos que me compreenderam, então o compositor nasce. Você pode estudar para ser poeta? Não pode. Mas até o talento nato tem uma técnica de expressão. Foi o que aprendi com o Otaviano”, testemunhou Heckel.
Estudou ainda com o maestro Francisco Braga (compositor da música do Hino à Bandeira) e com Henrique Oswald. Foi Oswald quem o convenceu a aprofundar seus conhecimentos em composição. Heckel queria ser concertista.
Outro que sempre se prestou a orientá-lo foi o pianista e maestro João de Sousa Lima, que tinha cursado o Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris.
Raul Roulien canta Favela de Hekel Tavares e Joracy Camargo. Heckel é o pianista da gravação.
Sucesso rápido
Em 1926, após compor as músicas da peça Stá na hora, de Goulart de Andrade, com letras de Luiz Peixoto, seu nome passou ser citado como algo novo na música do Rio Janeiro e seus serviços eram procurados por vários empresários da música e do teatro da então capital federal.
Segundo a Gazeta de Notícias de 4 de fevereiro de 1926, “Stá na hora” era uma revista carnavalesca dirigida por Zé Expedito e encenada pela companhia Tró-ló-ló no Teatro da Glória. Três meses depois este mesmo grupo, no mesmo teatro, apresentou a revista Plus-Ultra.
Luiz Carlos Peixoto de Castro, parceiro de Heckel em vários sucessos, nasceu em Niterói no dia 2 de fevereiro de 1889 e faleceu no Rio de Janeiro em 14 de novembro de 1973. Foi compositor, caricaturista, pintor, escultor, comediógrafo, teatrólogo, figurinista, cenógrafo e poeta.
Em maio de 1926, Heckel era o diretor musical da revista “É bom que dói“, de Zé Expedito, no Teatro São José.
Ainda naquele ano, em setembro, musicou do Goulart de Andrade e de Max Mix o espetáculo Miragem no Teatro Cassino. Em novembro estreou Missangas, de Max Mix.
Miragem, da Companhia Ra-Ta-Plan, foi a revista de estreia de Heckel no Teatro Cassino. A primeira apresentação foi no dia 17 de setembro de 1926. José Maria Goulart de Andrade e Max Mix foram os autores. A direção de Luiz de Barros.
Em dezembro de 1926, O Malho anunciou a mais nova entidade teatral a se apresentar no Teatro da Glória: “Tangará, troupe internacional de canções e danças brasileiras estilizadas é a última criação dos cérebros enfermos de Luiz Peixoto e Heckel Tavares, e também de Max Mix, de quem não se fala porque fica por trás da cortina”.
A revista apresentada foi a Mexericos. Nela, a triz principal, Alda Garrido, canta “Sussuarana” de Heckel Tavares. (Jornal do Brasil de 19 de dezembro de 1926). Nos últimos dias de dezembro a Tangará ainda apresentou “o interessante passatempo de 35 minutos”, O Passarinho Verde.
Em 1927, musicou e foi o pianista da peça de estreia do Teatro de Brinquedo, no subsolo do Teatro Cassino Beira-Mar. Era o período do teatro ligeiro e elegante, mas sem público, voltado para a alta classe média. Para sobreviver, Heckel também trabalhou com algumas revistas populares da Praça Tiradentes.
Ainda em 1927 foram gravadas pela primeira vez suas composições. E nada mais…, com Adelmar Tavares, e Vê, cada estrela é um passarinho, receberam a interpretação de Roberto Vilmar.
Foi na mesma Odeon que no ano seguinte a marcha Josefina, em parceria com Lamartine Babo, foi gravada por Francisco Alves. O seu foxtrote Moleque Namorador também foi fixado em disco por Francisco Alves e Rosa Negra.
Em abril de 1927, Joracy Camargo, autor da revista Dondoca com Leo Dávila, assim se referiu a Heckel Tavares, que compôs a trilha musical daquele espetáculo: “A música de Heckel é a música de um moço que ainda está no tempo dos sonhos de arte: — linda e original. Os dois principais bailados são duas lindas páginas de música. O final do primeiro ato, à guisa de coros ucranianos é maravilhoso. É um fox-blue a cinco vozes, cantado por cerca de sessenta pessoas”.
Continuou Joracy Camargo: “É digno dos maiores elogios o trabalho insano que acarreta ao Heckel o ensaio final. A orquestra organizada por ele constituirá, por si só, um grande sucesso. Basta dizer que para certos e determinados efeitos, Heckel lançara mão do harmonium, da harpa, do carrilhão, da tuba americana e de vários instrumentos selvagens”.
Guacyra de Heckel Tavares e Joracy Camargo cantada por Emílio Santiago
A toada Sussuarana, seu primeiro sucesso em 1927, foi gravado por Gastão Formenti em 1928. Era uma parceria com Luís Peixoto, com quem compôs também o grande sucesso Casa de Caboclo.
Heckel lembra do dia que nasceu Casa de Caboclo, a canção que correu o mundo: “Naquele tempo não havia direito de autor. Eu e o Luís Peixoto, naquele dia, não tínhamos dinheiro pra almoçar. Os tostões só davam pra comprar papel de música. Entramos numa casa, sentei no piano e, em dez minutos, eu escrevendo a melodia e ele compondo sem emendas os versos, saiu Casa de Caboclo. Cruzamos a rua e vendemos a canção por duzentos mil réis para todo o sempre”.
Foi desse período que surgiu a parceria com Lamartine Babo, com quem compôs o cateretê Cariocadas. Com Joracy Camargo produziu a canção O preto velho cambinda. Ambas gravadas em 1929 por Francisco Alves.
Em março de 1930 assinou contrato de exclusividade com a gravadora Columbia. Pouco tempo após registrar o acordo, Heckel produziu Dança do Caboclo, O Carreiro (gravada por Januário de Oliveira), Lavandeirinha, Os óinhos dela (com letra de Josué Barros). Mamãezinha que está no Céu (versos de Álvaro Moreyra), Na minha terra tem, Engenho Novo, Que será de mim e Olha o pingo. Naquela data a Columbia anunciava para breve o lançamento de vários discos com o Heckel Tavares.
Famosos cantores da época divulgaram suas canções: Jorge Fernandes, Patrício Teixeira, Elsie Houston, Inezita Barroso, Clara Petraglia e, no exterior, Phyllis Curtin e Sarita Gloria.
Na obra vocal do compositor alagoano destaca-se Favela, Bia-tá-tá, Guacira, Chove Chuva, Bahia, Banzo (com Murilo Araújo), Funeral do Rei Nagô e Oração do Guerreiro, já em 1955.
Em fevereiro de 1934 estreou o filme Ganga Bruta, de Ademar Gonzaga. A trilha musical foi composta pelo maestro Radamés e as canções eram de Heckel Tavares com letras de Joracy Camargo. A atriz principal era “a formosa pernambucana” Déa Selva.
Razões do sucesso
O jornal Correio da Manhã de 24 de abril de 1931, diante do sucesso de Heckel Tavares no Rio de Janeiro, publicou uma crítica que pode dar pistas para se entender o seu rápido sucesso. Esse material foi encontrado reproduzido no Jornal do Recife de 25 de abril de 1931.
“Heckel Tavares veio de Alagoas onde nasceu e de família importante e abastada de Maceió. Filho de gente fina, morando em um velho palacete e cercado de criados estrangeiros e carruagens, Heckel fugia de casa como autêntico moleque e imiscuía-se em sambas e emboladas nos arredores da cidade, enfronhando-se, assim, na nossa música selvagem, supersticiosa e macumbeira, onde houvesse coco, matracas, tabaques, ganzás, bumba-meu-boi, cheganças, brinquedos e nau catarineta“.
“Via-se Heckel de cabeleira arrepiada, olhos arregalados e dentes à mostra, tomando parte na fuzarca de hoje. Dizem os seus companheiros da intuição, do entusiasmo e os ritmos de Heckel com os outros que cantavam harmonizando tudo com um cantar dos mais lindos em contraltos, entoando as vozes diferentes nas quais ele próprio se extasiava ao ponto de, chegando ao Rio, entristecer. Não lhe agradavam os ‘fox-trots’ e os tangos argentinos”.
“Teve saudade de sua terra e tornou-se compositor. Para deleitar-se produziu para si próprio encantadoras páginas regionais e harmonizou lindos motivos do nosso folclore e criou a sua escola. Pouca gente tinha o prazer de ouvir as suas músicas, eis quando surgiu o entusiasmo de Goulart de Andrade que o levou ao teatro”.
“Heckel alcançou o triunfo compondo bailados de nossas lendas. O teatro e as casas de música solicitaram a exclusividade de suas produções e assim é que, não obstante serem puramente regionais e como tal exclusivamente brasileiras, as músicas de Heckel apareceram nos salões elegantes, fazendo ainda a delícia dos nossos moços e velhos cantores e cantoras porque evocavam os tempos idos. Para completar a sua obra, Heckel teve a felicidade de reunir os escritores mais brasileiros do nosso meio artístico, entre os quais Luiz Peixoto, Juracy Camargo, Olegário Mariano, Álvaro Moreyra e outros que com ele, Heckel, exploraram com vantagem o nosso folclore”.
Casamento
O dinheiro ganho com os primeiros sucessos musicais permitiu a Heckel Tavares construir no Alto da Gávea, Rio de Janeiro, uma casa simples inspirada nas residências rústicas de sua terra natal. Depois adquiriu também uma fazenda em Ribeirão Preto, São Paulo.
Foi para esta casa que levou Martha Dutra Tavares, após casar com ela em 1934. Tiveram dois filhos: Leopoldo Hekel Tavares e Alberto Hekel Tavares. O primeiro enveredou pela indústria química em São Paulo. Alberto, que trabalhou com o irmão, tocava flauta e em 1965 participava do conjunto de bossa nova Seis em Ponto.
A partir desta união, sua face de compositor erudito aflorou e passou então a se dedicar um pouco mais à música de concerto, retraindo-se e evitando apresentações públicas. Nesta fase compôs o poema sinfônico André de Leão e o Demônio de Cabelo Encarnado – Opus 104 – Nº 1 (1935), baseada no poema homônimo de Cassiano Ricardo.
Essa obra conta a história do bandeirante André e os problemas por ele enfrentados com o Curupira. O folhetim da composição foi ilustrado por Osvaldo Goeldi.
O jornal Correio da Manhã de 18 de agosto de 1937 anunciou que a suíte sinfônica “André de Leão e o Demônio de Cabelo Encarnado” seria apresentada naquela noite na Sociedade Rádio Nacional, às 21 horas. Era um “brinde musical” aos clientes da Camisaria Progresso, que para isso “adquiriu os direitos autorais de um lindíssimo poema musical”, “uma das mais formosas composições que o gênio musical brasileiro já produziu”.
Heckel Tavares já tinha exercitado seus conhecimentos eruditos quando musicou as duas operetas infantis escritas por sua esposa: O Sapo Dourado e O Gaúcho.
Reapareceu nos palcos em novembro de 1939, após um retiro de mais de dois anos em seu sítio de Ribeirão Preto. Em novembro de 1939 regeu seu concerto para piano e orquestra com a Filarmônica de São Paulo. João de Sousa Lima foi o solista.
Primeira gravação de uma orquestra sinfônica no Brasil
Em entrevista à revista Manchete em 1965, Heckel assim descreve o grande passo que deu em direção à música orquestral: “Um dia resolvi escrever música brasileira para orquestra. As gravadoras se apavoraram e, então, decidi vender minha casa (toda minha fortuna) e gravar como eu queria. Comecei com André de Leão e o Demônio de Cabelo Encarnado, do Cassiano Ricardo. Deu certo. Daí pra cá (1965) tenho vivido de minha etiqueta de disco: Anhanguera. Todos os meus trabalhos são financiados, dirigidos e gravados por mim. No começo era até distribuidor“.
André de Leão e o Demônio de Cabelo Encarnado foi apresentada em 1936 e gravada no ano seguinte.
Alberto Heckel Tavares, filho de Heckel Tavares, revelou em entrevista que este trabalho independente do seu pai foi a primeira gravação de uma Orquestra Sinfônica realizada no Brasil.
“Esta Orquestra foi o ‘embrião‘ da Orquestra Sinfônica Brasileira, fundada em 1940. Nesta gravação, faziam parte da Orquestra Eleazar de Carvalho (Tuba) e Claudio Santoro (Violino). Foi lançado um álbum com esta gravação, que trazia um trabalho de seis gravuras de Oswaldo Goeldi. Foi também, o primeiro trabalho comercial de Goeldi”, disse Alberto.
Ele confirmou ainda que todas as gravações de Heckel foram independentes. “Escrevia a música, pagava o copista, alugava o estúdio, pagava a orquestra, mandava confeccionar os discos e pagava a gráfica pelas capas. Depois, ia vender o seu disco nas lojas Breno Rossi em SP, Carlos Wers, Moara e outras. Havia também, um comprador no Sul, que revendia para a Argentina e Chile. Viveu única e exclusivamente da sua obra! Nunca teve nenhum emprego. Sua obra hoje é mais divulgada no exterior do que no Brasil.”
Uma de suas obras mais conhecidas é sem dúvidas o Concerto Para Piano e Orquestra em Formas Brasileiras – Opus 105 – Nº 2. Heckel trabalhou nela por seis meses em sua fazenda em Ribeirão Preto, para onde levou seu piano utilizando um carro de boi.
Esse Concerto em Formas Brasileiras foi concluído em 1938, mas foi somente em 1941 que a consagrada pianista Antonieta Rudge apresentou-o ao público
Com o apoio do Ministério da Educação e Saúde Pública, esteve em várias regiões do país recolhendo material folclórico. Foi essa excursão, entre 1949 e 1953, que forneceu a inspiração para o Funeral d’um rei nagô, gravada em 1951 por Inezita Barroso, e para o poema sinfônico Anhanguera, composto para orquestra, solistas e coro misto e infantil. Teve como fonte temas dos índios do Alto Solimões.
No início dos anos 30 já tinha percorrido quase todo o território brasileiro em busca de inspiração para suas músicas.
Ao falecer no Rio de Janeiro em 8 de agosto de 1969, já tinha anotado parte de uma Rapsódia Nordestina para piano e orquestra.
Heckel Tavares construiu uma obra que tem incursões no erudito e no popular, Mas alcançou sucesso graças as suas canções populares com espírito folclórico.
Foi um dos poucos artistas brasileiros que conseguiu viver da sua arte.
Alguns críticos enxergam falhas em sua extensa obra, algo que ele mesmo reconhecia existir. Mas há unanimidade quanto à necessidade de reservar um lugar de destaque para ele na história da música.
Reconhecimento
Casa de Caboclo de Heckel Tavares e Luiz Peixoto na voz de Gilberto Alves.
O professor Walter Karwatzki relatou em seu perfil do Facebook que teve experiência fantástica com a obra de Heckel Tavares. “Estava em um hotel em Havana e tinha um senhor tocando piano. Fui perto dele e fiquei observando. Ele me perguntou de onde eu era. Respondi que era do Brasil. Que vivia em Porto Alegre, no Sul do Brasil, mas era de Maceió, no Nordeste do Brasil. Então me disse: vou tocar uma música de um alagoano. Pronto, pensei… Djavan“.
Continuou Karwatzki: Ele começou a tocar uma música clássica… Pensei: deve está enganado. Ao final me perguntou se eu sabia quem era o autor daquela música. Eu, todo sem graça, disse que não. Ele respondeu: Heckel Tavares. Com uma pronúncia bem forte: TaBares. Aí, me caiu a ficha. Lembro que tinha escutado sobre ele quando estudei no Marista. Perguntei como conhecia o Heckel Tavares e ele me disse: foi o assunto de minha tese de doutorado na Universidade de Moscou. Fiquei sem saber o que dizer. Então que ele tocou outra música do Heckel. No final ele disse: quer escutar uma do Djavan?”.
No livro História da Música no Brasil, Vasco Mariz se refere a Heckel Tavares como um compositor que “estudou, aperfeiçoou-se, editou sua própria música, gravou-a em discos, distribuiu-a aqui e no estrangeiro, vendeu-a com relativa facilidade e realizou esse ideal extraordinário do artista que é viver exclusivamente do produto de sua arte, sem recorrer a ‘bicos’ ou ao ensino. Sua obra é volumosa e merece apreciação bem mais cuidadosa do que lhe foi concedida.”
Fonte:
– Alagoanos Ilustres: site da SECULT.
– Vasco Mariz – História da Música no Brasil – Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1981.
– Heckel Tavares – Instituto Moreira Sales.
– Vários jornais da época.
– Revista Manchete
Excelente! Maravilhoso!
Mas um belo e justo artigo Ticianeli, lindadamente enriquecido pela fantástica história do Karwatzki, prestando homenagem a esse alagoano talentoso e, que carece de mais reconhecimento de seus atuais conterrâneos.
Maravilhosa recordação da obra e volta ao tempo
Muito rico este artigo sou alagoana satubense e aprendi não só sobre o Heckel Tavares mas também sobre minha terra. Obrigada
Hekel Tavares*
Só ele sabia
que a cantiga do negro
no corte da cana
era o canto funeral
de um rei Nagô.
Só ele sabia,
dedilhando a modinha,
da aflição da menina ingênua
que o Sussuarana enganou.
Nas teclas do piano
só ele sabia do maracatu
– flor da baronesa
que o Mundaú carregou.
*Poema de autoria de Maurício de Macedo.
Edberto, parabéns por seu resgate da História das Alagoas.
Abraço,
Maurício
P.S. Fiz algumas correções no poema”Hekel Tavares”. Segue abaixo.
Hekel Tavares*
Só ele sabia
que a cantiga do negro
no corte da cana
era o canto funeral
de um rei Nagô.
Só ele sabia
que dançava no piano
um maracatu perdido
– flor da baronesa
que o Mundaú carregou.
Só ele sabia
dedilhar a canção
do silêncio da menina
que o Suçuarana enganou.
* Poema de autoria de Maurício de Macedo