O corajoso médico e deputado Lourival de Mello Motta
Nascido em uma família que criou 16 filhos, Lourival de Mello Motta chegou ao mundo em 9 de dezembro de 1906, em Palmeira dos Índios. Era filho de Leobino Soares da Motta e Adelaide de Mello Motta.
Seu pai, que nasceu em Santana do Ipanema, foi empregado de balcão em Palmeira dos Índios, onde casou-se aos 22 anos de idade. Foi despedido por isso.
Com a ajuda do sogro, comerciante em Maceió, abriu em Palmeira dos Índios, em 1902, a Loja Esperança, de fazendas e miudezas, onde sua mulher ajudava nas vendas e ainda costurava as roupas que seriam comercializadas. A loja fechou em março de 1938.
Morando nos fundos da loja, Leobino e Adelaide tiveram 16 filhos. Quatro deles faleceram ainda crianças. Sobraram seis homens e seis mulheres.
Ainda na terra dos Xucurus, concluiu o curso primário e depois transferiu-se para Maceió onde estudou nos colégios São João e 11 de Janeiro, finalizando o curso secundário no Liceu Alagoano em dezembro de 1923.
No ano seguinte foi para o Rio de Janeiro tentar a carreira militar na Escola de Realengo, mas foi desligado em dezembro de 1924 por motivo de saúde. Permaneceu na capital federal e prestou exame vestibular para a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1925.
Enfrentando muitas dificuldades, já que tinha que trabalhar para sustentar os estudos, conseguiu se formar em 20 de dezembro de 1930. Como médico, voltou a Palmeira dos Índios onde permanece trabalhando até que, em 1934, foi eleito para a Assembleia Legislativa, o que forçou sua transferência para a capital.
Era reconhecido como um médico competente, sendo pioneiro em Alagoas na área da radiologia. Por sua especialidade, aproximou-se do tratamento da tuberculose, na época em que esta doença que tirava muitas vidas. Tornou-se uma referência no combate a este mal.
Entre 1936 e 1937, fez um curso no Rio de Janeiro sobre tuberculose e radiologia, atualizando seus conhecimentos e trazendo para Maceió o que havia de mais avançado em equipamentos para a radiologia.
Seu consultório, em sede própria, ficava na Rua do Comércio, 495, onde funcionou de 13 de agosto de 1937 a dezembro de 1976, quando se aposentou como médico do Departamento de Saúde do Estado.
Presidiu o Conselho Regional do Serviço Social Rural de Alagoas, foi sócio fundador do Aeroclube de Maceió e piloto civil. Sócio fundador da Associação de Cultura Franco Brasileira e, durante a II Guerra, foi o diretor-regional do Serviço de Defesa Civil Antiaérea.
Mello Motta foi eleito deputado em três eleições: em 1934, 1947 e 1950. Durante a interventoria de Ismar de Góis Monteiro (1941/45), ocupou a secretaria do Interior, Educação e Saúde por sete meses em 1941.
Sua trajetória política foi marcada pela contundência com que denunciava a violência, a injustiça e os privilégios. Essa postura lhe trouxe ameaças de morte, perseguições e até tentativa de assassinato.
O seu jornal, o Diário do Povo, fez história em Alagoas ao denunciar diariamente as violências dos Góis Monteiro. Mello Motta fazia a defesa da UDN e enfrentava a ditadura de Getúlio Vargas.
Os Góis Monteiro responderam ao seu modo e no dia 22 de dezembro de 1949 o jornal foi empastelado, suas instalações foram destruídas e os funcionários foram presos.
Mesmo sendo um anticomunista convicto, Mello Mota não titubeava quando tinha que defender os direitos democráticos. Assim fez em 1947, quando a polícia, a mando de Silvestre Péricles, prendeu os três deputados do PCB em São Luiz do Quitunde. Mello Motta denunciou as prisões e a covardia dos demais deputados.
“Desgraçadamente o sentimento que nos invade é o de nojo e desprezo pela falta de autoridade e coragem com os que compõem o Poder Legislativo, que deveriam impedir a consumação de mais um ato que nos envergonha e nos aniquila como Poder do Estado”.
Da mesma forma Mello Motta agiu em 1964, quando já era professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas e a polícia invadiu a instituição para prender estudantes. Ele novamente não teve dúvidas e impediu a ação da polícia e protegeu os perseguidos.
No magistério, Mello Motta também teve uma carreira destacada. Sempre elogiado pelos seus alunos, foi agraciado como professor emérito da UFAL. Participou ainda da fundação da Escola de Serviço Social Padre Anchieta e cedeu um prédio de sua propriedade para que a Escola começasse a funcionar.
Desistência da política
Recém-eleito deputado em 1950, Mello Motta surpreendeu a todos ao apresentar sua renúncia ao mandato na sessão de 21 de dezembro de 1950, 41 dias antes da posse de Arnon de Mello no governo. O que levou o deputado vitorioso a desistir do mandato nunca foi completamente esclarecido.
No pronunciamento realizado no plenário da Assembleia Legislativa em 21 de dezembro de 1950, historiou sobre sua luta contra os desmandos de Silvestre Péricles e comemorou a vitória da oposição liderada por Arnon de Melo, para em seguida afirmar que assim podia “ensarilhar as armas e dedicar-me aos deveres de minha profissão”.
Repetiu para os colegas deputados o conteúdo de uma carta de 9 de novembro entregue ao secretário geral da UDN em envelope fechado, com a orientação de somente abri-la quando autorizasse.
“Restituído o Estado à sua normalidade jurídico-politica, com a queda da tirania reinante que tudo desrespeitou e subverteu, sinto-me compensado das angústias sofridas e das feridas suportadas, para voltar satisfeito à modéstia da minha vida profissional, certo de que tudo fizemos e tudo sacrificamos para conduzir o povo alagoano à impressionante e decisiva prova que possibilitou a sua libertação, em forma legal, com as eleições de 3 de outubro próximo passado”.
“Não desejo outra coisa que uma vida de paz, respeito e prosperidade para os alagoanos e que os vitoriosos de hoje não esqueçam os compromissos de bem servir a terra, criando-lhe condições de trabalho, em regime de justiça e de respeito as garantias constitucionais, não permitindo, além disto, que volte a suportar os horrores de um domínio político que tanto a infelicitou”.
“Que não tornem os alagoanos a sofrer mutilações de ordem moral ou política na sua vida de povo livre, ou pelos que acabam de ser varridos do poder pelo voto popular, ou por outro qualquer grupo dominante que pretenda seguir-lhes o desgraçado exemplo”. (Retratos de uma Época, de Lourival Motta).
Após ler parte do conteúdo da carta, Lourival declarou: “É sob esta inspiração e convencido de ter consagrado o melhor das minhas energias cívicas e morais para cumprir o meu dever de cidadão, que me retiro da vida político-partidária, fortalecido pela esperança de que, restituído que há de ser o Estado à normalidade jurídico-política, jamais hei de sentir-me envolvido por acontecimentos que a ela me forcem retornar”.
Confirmou que permaneceria somente por mais alguns dias na Assembleia, aguardando o fim daquela legislatura. Entretanto, como havia sido reeleito, não renunciou ao mandato, mas se afastou da Assembleia até o dia 14 de dezembro de 1953, quando reassumiu.
Explicou que tinha mantido “o mandato de deputado, como medida de segurança contra as incertezas que a instabilidade das instituições brasileiras faz suspeitar”.
Reassumiu, como expôs em seu pronunciamento no dia 14 de dezembro, para se defender “de imputações desabonadoras, porém injustas, daqui mesmo veiculadas por alguns dos senhores deputados, com propósitos que desconheço”.
Ele e seu irmão, o engenheiro Lisanel de Mello Motta, haviam sido acusados de tentativa de enriquecimento ilícito por receberem indenizações pelos danos sofridos pelo jornal Diário do Povo em 23 de dezembro de 1949 e a um caminhão da SCOP, empresa de engenharia, queimado por agentes da Inspetoria do Trânsito em 18 de setembro de 1950, por transportar estudantes para uma manifestação em favor do brigadeiro Eduardo Gomes.
Defendeu-se dizendo que nunca exerceu função pública ou política executiva pela qual recebesse dinheiro ou valores, “nem jamais empreguei meios para obtê-los à custa do poder ou à força de favores”, e que a reivindicação que apresentada à Justiça em 1945 foi “dentro das normas legais e mediante processo judiciário em que esteve presente o representante do Estado”.
Explicou que investiu Cr$ 600.000,00 na compra das máquinas para o jornal. Dividiria esses recursos com um industrial, que desistiu da empreitada quando tudo já tinha sido adquirido. No total, foram investidos Cr$ 800.000,00.
Esta foi sua última participação em um espaço político em Alagoas.
Segundo depoimento de Ednor Bittencourt, Mello Motta “não tinha nenhum apego material. Vivia com simplicidade. Morreu no ostracismo. Já tinha fechado o consultório médico e vivia dos seus rendimentos como aposentado. Católico praticante, doou seus bens à Arquidiocese”.
Mello Mota morreu solteiro aos 84 anos, sem deixar família, no dia 17 de julho de 1989.
Obras:
– Retrato de uma Época: Fonte de Estudos para a Interpretação de um Agitado Período Político em Alagoas, (Discursos Pronunciados na Assembleia Legislativa Estadual pelo Deputado Lourival de Melo Motta em 1947, 48, 49, 50, 51 e 53). Maceió, Editora da UFAL, 1984.
– Missão Social do Sacerdote. Conferência por ocasião do Jubileu de Ouro Sacerdotal de Monsenhor Luiz Barbosa, Maceió, [ s. ed.] 1962.
– Função Social da CHESF (Companhia Hidro-Elétrica do S. Francisco), Maceió, Imprensa Oficial, 1961.
Fonte:
– Memória Legislativa, nº 15, pesquisa de Douglas Apratto Tenório.
– A Solidão dos Espaços Políticos, de Luiz Nogueira Barros.
Um ser humano consciente de que a vida tem valor e que ele sabia que tinha este valor. Personalidade alagoana de primeira grandeza. PAZ e BEM.
Ticianeli, muito boa sua matéria.
Você teria mais informações sobre essa família Mello Motta?
Milena, não tenho informações, mas não será difícil encontrar seus descendentes em Maceió.
Eu e minha família morávamos na Rua do Comércio, 497, ao lado do consultório do Dr. Mello Mota e ele cuidou do meu pai com tuberculose sem cobrar nada. Grande Médico e Ser Humano.