Olho d’Água das Flores e do Padre Antônio Duarte

Igreja de Santo Antônio e a Praça da Independência, em Olho d'Água das Flores

Alguns estudos históricos localizam o início da ocupação do atual município alagoano de Olho d’Água das Flores a partir de 20 de novembro de 1800, quando o Padre Antônio Duarte e alguns seguidores, provavelmente escravos, de passagem para Pão de Açúcar, se arrancharam à sombra de um juazeiro para usufruir das águas de uma fonte próxima. Segundo pesquisa do jornalista e historiador Antônio Machado, o padre Antonio Duarte estava doente e viajava em busca de tratamento.

Gostaram do lugar e ali se estabeleceram, construindo uma rústica casa de pedra. Como sobre a água acumulada numa cacimba caíam as flores de um paus-d’arco, o lugar passou a ser denominado Olho d’Água das Flores. Em tupi, os índios se referiam a olhos d’água com flores como botir-ybú.

A presença do Padre Antônio Duarte em Alagoas é atribuída, em alguns estudos, a sua fuga de um conflito em Minas Gerais.

Ivete Medeiros de Farias, no perfil do Facebook ALAGOAS E SUA EXUBERÂNCIA (https://www.facebook.com/groups/341136852713310/?locale=fr_CA), afirma que “em 1800, o Padre Antônio Duarte, que viera para esta região, proveniente de uma revolta no Estado de Minas Gerais, encontrou um olho d’água próximo a serra do Riacho d`Água”.

Essa possibilidade cresce ao se identificar a existência em Minas Gerais, nesse mesmo período, de um Padre Antônio Nogueira Duarte, que nasceu em Portugal em 1763, mas foi batizado em Betim, Minas, em 15 de agosto de 1766, e faleceu em 1846 em Brasília de Minas, antigo Arraial de Contendas, na margem do Rio São Francisco.

Formado em Coimbra, era o capelão da bandeira chefiada pelo capitão-mor das Ordenanças da Vila Nova da Rainha de Caeté, Felício Moniz Pinto Coelho da Cunha, que esteve nos sertões do Rio Doce, em Minas Gerais, a pretexto de afugentar “os bárbaros botocudos”, como eram denominados os índios locais. Há registros dessa sua atuação no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal.

Avenida Dois de Dezembro em Olho d’Água das Flores

Na dissertação de mestrado (O mandonismo mágico do sertão corpo fechado e violência política nos sertões da Bahia e de Minas Gerais – 1856-1931) de Luís Carlos Mendes Santiago, apresentada à Universidade Estadual de Montes Claros em maio de 2013, é citado no livro Viagem pelo Brasil (1817-1820), de Spix e Martius, reeditado pelo Senado Federal, que os seus autores chegaram ao Arraial de Contendas, Minas Gerais, em julho de 1817, pretendendo se fixarem ali por algum tempo:

“O padre Antônio Nogueira Duarte era-nos tão próximo com o seu entusiasmo vivo pela História Natural, que não precisávamos levar-lhe as muitas recomendações, para que ele tomasse parte ativa em tudo a favor da nossa empresa. Vastos conhecimentos, um espírito esclarecido e amadurecido por estada de vários anos na Europa, e grande experiência da vida, tornaram o convívio com esse distinto sacerdote para nós tão instrutivo, quanto agradável pelo gênio alegre e pela vivacidade do seu humor”.

Outra coincidência é que o padre Antônio Nogueira Duarte teve um sério conflito com Joaquim José Azevedo, que era natural do arraial de Contendas, atual Brasília de Minas, mas teve de se mudar para São Romão, em 1812.

Joaquim José Azevedo era ligado ao grupo que deu origem ao Partido Liberal em Minas e como pretendia estabelecer sua liderança política também no arraial de Contendas, em 1832, ou 1833, acusou o padre Duarte de ser um defensor da restauração de Pedro I.

Conseguiu o seu afastamento e o substituiu pelo padre Francisco José, seu filho, passando a controlar politicamente o lugar. Esse fato foi comemorado com seus seguidores atirando para cima e gritando “Morte aos que não pertencem ao nosso partido”.

Antigo carnaval em Olho d’Água das Flores

O padre Antônio Nogueira Duarte sofreu severa perseguição, tendo sua casa invadida e saqueada. Anos depois, por este crime, o padre Francisco José pagou com a sua prisão na cadeia de Montes Claros, mas sem perder a paróquia de Contendas, atual São João da Ponte. Foi assassinado em 1843.

Como se percebe, não há registro de que foi esse padre Antônio Nogueira Duarte que passou por Alagoas em 1800. Entretanto, nos anos seguintes esteve envolvido em conflitos políticos em Minas Gerais, o que o habilita a ser mais pesquisado.

Também não há muitas informações sobre o desenvolvimento do lugar escolhido pelo Padre e quando passou a ter características de povoado. É certo que nos primeiros anos após a chegada por lá dos irmãos Abreus, provavelmente em 1864, o crescimento foi muito pequeno. Por exemplo, em 1871, no livro Geografia Alagoana, em que Thomaz do Bomfim Espíndola apresenta a Divisão Administrativa de Alagoas e seus municípios, não é mencionado o povoado Olho d’Água das Flores, que então pertencia à Vila de Traipu, mas cita as povoações da Lagoa Funda, Santana da Ribeira do Ipanema, Riacho do Sertão, Sertãozinho, Santo Antônio Rabelo, Aricory e Munguengue.

Para se ter uma correta avaliação do desenvolvimento da região sertaneja de Alagoas, Santa do Ipanema foi elevada a Distrito de Traipu em 1836, pela Lei Provincial nº 9, de 24 de fevereiro. Somente em 1875 Santana do Ipanema foi elevada à categoria de vila com a denominação de “Sant’Ana do Ypanema“, por determinação do artigo 6º da Resolução Provincial nº 681, de 24 de abril daquele ano.

Rua do Comércio em Olho d’Água das Flores

Os Abreus

Também é atribuída ao Padre Antônio Duarte e a seus escravos a construção da primeira casa de Olho d’Água das Flores. Era de pedra e coberta com telhas. Um casebre também foi erguido para acomodar os escravos.

A fonte d’água passou a ser ponto de referência dos que transitavam pelo local, sendo também utilizada a casa do padre como apoio. E assim o Olho d’Água das Flores foi ficando cada vez mais conhecido e logo se transformou num ponto de parada obrigatório para os viajantes.

Quem também se estabeleceu por lá, provavelmente em 1864, foram os irmãos Ângelo e Hermenegildo (Gil) de Abreu, que ali se fixaram para explorar a agricultura e a pecuária. Foi Ângelo de Abreu quem abriu as primeiras estradas e também quem construiu a capela de Santo Antônio de Pádua, que passou a ser o padroeiro do povoado.

Pesquisas indicam que os irmãos Abreus chegaram à região, da mesma forma que o Padre Antônio Duarte, fugindo de um conflito político em Bom Conselho, Pernambuco. Eram casados com irmãos gêmeas. A primeira criança a nascer no local teria sido uma menina, que adulta e casada passou a ser conhecida como Sinhazinha de Abreu. Foi mãe de 19 filhos, entre eles o monsenhor Antônio de Abreu.

Sobre a origem da família Abreu em Pernambuco, essa pesquisa localizou um conflito em Águas Belas em 31 de dezembro de 1860. Provocado por desentendimentos políticos, houve tiroteio cerrado entre dois grupos e várias mortes. Um deles contou com a participação de Manoel de Abreu Pereira. Teria sido esse o conflito que provocou a transferência para Alagoas dos irmãos Abreu?

Desfile escolar em Olho d’Água das Flores

Em 1881, a presença dos Abreus e a existência de Olho d’Água das Flores, povoado de Santana do Ipanema, foram registradas nos anais da Câmara dos Deputados quando o deputado geral, dr. Theophilo Fernandes dos Santos, residente em Santana do Ipanema, apresentou documentação ao parlamento nacional em defesa do seu mandato, contrariando as pretensões do dr. Bernardo Antonio de Mendonça Sobrinho, que dizia ter sido ele o eleito pelo 5º distrito em Alagoas, nas eleições realizadas em 31 de outubro de 1880. A paróquia de Santana do Ipanema pertencia a este 5º distrito eleitoral.

Houve inquérito e um dos depoentes, João de Abreu Pereira e Silva, disse “que estando em casa de José Pinto Teixeira, morador no Olho d’Água, cinco léguas desta villa {Santana do Ipanema], ali chegou um seu sobrinho (Antonio Pinto Teixeira) e que é eleitor do partido conservador…”. Nesse mesmo inquérito há depoimentos de José Gil de Abreu Pereira, Gil de Abreu Pereira da Silva (era subdelegado de Santana em 1881), Francisco de Abreu Pereira da Silva e Deodato de Abreu Pereira da Silva. Também são citados Manoel de Abreu Pereira e Silva, Angelo de Abreu Pereira e Silva e Pedro de Abreu Pereira e Silva.

O inquérito, ao identificar as testemunhas, detalha: “José Gil de Abreu Pereira, e não José de Abreu Pereira e Silva, como consta no mandado a fls, de 27 anos de idade, criador, casado, morador do lugar de nome Olho d’Água das Flores e natural da província de Pernambuco […] disse que era sobrinho do mesário Francisco Barboza da Silva Mello…”. O mesário era também o 3º Juiz de Paz.

Do mesmo modo foram qualificados Pedro de Abreu Pereira e Silva, com 26 anos de idade, agricultor, casado, morador de Olho d’Água das Flores; Francisco de Abreu Pereira e Silva, 57 anos de idade, viúvo, morador de Olho d’Água das Flores; Deodato de Abreu Pereira e Silva, 38 anos de idade, natural de Alagoas, agricultor, casado e morador na Lagoa Queimada.

No depoimento do professor Manoel Antônio Soares de Mello, 41 anos de idade e morador de Pão de Açúcar, consta que na madrugada de 3 de novembro de 1880 recebera em sua casa “o alferes Firmino Gonzagga de Mello e Hermenegildo de Abreu Pereira e Silva”, que confessaram saber que as atas tinham sido falsificadas.

Praça da Independência em Olho d’Água das Flores

Em depoimento de 8 de março de 1882, Joaquim Rodrigues Gaia revela que em um momento do processo eleitoral conferenciou com os seus “correligionários tenente-coronel José Francisco Netto Brandão e capitão Angelo de Abreu Pereira e Silva”. Este era o 3º suplente de juiz municipal de Santana do Ipanema em 1883.

Quando o primeiro governador republicano de Alagoas, Pedro Paulino da Fonseca, baixou o Decreto nº 1, de 21 de janeiro de 1890, extinguindo as Câmaras Municipais, também criou para substituí-las os Conselhos de Intendência, com o respectivo intendente, o prefeito de então. Em Santana do Ipanema, foi nomeado intendente Antonio Baldoino Paes de Souza. Entre os conselheiros (vereadores) estava Ângelo de Abreu Pereira, revelando a sua expressiva liderança política. Os outros conselheiros eram: Pedro Alexandrino Alves Porto, Júlio Cesar Paes de Souza e Manoel Soares Mendes.

O capitão Hermenegildo de Abreu Pereira, filho de Ângelo de Abreu, manteve essa liderança por muitos anos.

Em 1905 foram citados, num processo sobre posse de terras publicado no Diário de Pernambuco de 14 de janeiro, como herdeiros de Ângelo de Abreu Pereira e Silva os seguintes residentes na Vila de Sant’Anna: tenente coronel Pedro Pereira de Abreu e Silva, Manoel de Abreu Pereira e Silva, Francisco de Abreu Pereira e Silva, Salustiano de Abreu Pereira e Silva, Sérgio de Abreu Pereira e Silva, d. Guilhermina de Abreu Pereira e Silva, José de Abreu Pereira e Silva, Manoel Barbosa de Abreu e Alexandre Machado da Silva Vilar.

Os herdeiros de Gil de Abreu Pereira e Silva foram representados por Gil de Abreu Pereira e Silva Filho. “Todos residentes no lugar Olho d’Água das Flores”.

Agência do Banco do Estado de Alagoas em Olho d’Água das Flores

Século XX

Com a chegada dos automóveis em Alagoas nos primeiros anos do século XX, começaram a surgir as estradas de rodagem para facilitar a comunicação entre os municípios e entre estes e a capital. A primeira delas, entre Pão de Açúcar e Olho d’Água das Flores, foi aberta em 1925. Naquela época, as estradas sertanejas confluíam para Santana do Ipanema, rumo a Palmeira dos Índios e daí para Maceió ou para Arapiraca e Penedo. Enfraquecia-se a rota pluvial que levava os sertanejos pelo São Francisco até Penedo, e dali até Maceió, também por embarcação.

Por sua localização, Olho d’Água das Flores manteve-se como lugar de passagem obrigatória dos ônibus que iam ou vinham de Santana do Ipanema para vários municípios do sertão.

São raras, nos jornais desse período, as informações sobre o que acontecia em Olho d’Água das Flores, mas em 15 de janeiro de 1929 foi ali inaugurada a sua agência dos Correios.

Vista parcial de Olho d’Água das Flores. Imagem de Ícaro Drasan

Em 1940, quem quisesse se deslocar de Santana do Ipanema até Olho d’Água das Flores contrataria um automóvel, pagaria 40$000 reis e faria o trajeto em 40 minutos. Se não tivesse maiores recursos, alugaria um animal com arreios e pagaria somente 5$000. Por este mesmo valor se subiria na carroceria de um caminhão até Pão de Açúcar, via São Bartolomeu (7 minutos), Capim (17 minutos), Olho d’Água das Flores (26) e Meirus (55 minutos).

Mesmo sem muitos registros, pode-se afirmar que o povoado prosperava. Resultado desse progresso foi a criação do seu Distrito Judiciário pela Lei nº 108, de 24 de agosto de 1948. Um ano depois, confirmando que as transformações estavam acontecendo, foi elevado à categoria de Distrito Administrativo, por força da Lei nº 1473, de 17 de setembro de 1949. Criavam-se as condições para sua emancipação política.

Essa reivindicação já era discutida há algum tempo, mas ganhou força com a posse de Arnon de Melo no governo do Estado em 31 de janeiro de 1951. Contando com o apoio do deputado estadual Adalberon Cavalcante Lins e com a mobilização de Domício Silva, Arnóbio Silva, Olímpio Sales de Barros, Alfredo de Abreu Pereira, Orlando Augusto Melo, Edson Matias, Clodomiro Félix da Silva e Manoel Floriano (Maneca), entre outros, o pleito foi levado ao governador e à Assembleia Legislativa.

Após muitas idas e vindas, a Lei n° 1748 foi sancionada em 2 de dezembro de 1953. Olho d’Água das Flores passava a ser mais um município de Alagoas. Orlando Augusto Melo foi nomeado prefeito e, nas eleições 3 de outubro de 1954, foi reconduzido ao cargo com o apoio de Arnon de Melo. Permaneceu prefeito até 1955.

Como resultado da emancipação, foi criada em 25 de janeiro de 1955 a Paróquia de Santo Antônio de Pádua. Seu primeiro pároco foi o Padre José de Souza Leite, também fundador do Educandário Santo Antônio de Pádua, atual Colégio Cenecista Santo Antônio de Pádua.

A comarca demorou um pouco a ser criada. Somente passou a existir em 15 de janeiro de 1961. Seu primeiro juiz foi Dumouriez Monteiro do Amaral; José Martins Filho foi o seu primeiro promotor, acompanhado pelo primeiro tabelião e escrivão, José Dória de Souza.

Vista parcial de Olho d’Água das Flores

A partir de 1963, Olho d’Água das Flores, Jacaré dos Homens, Santana do Ipanema, Batalha e Pão de Açúcar passaram a receber energia elétrica de Paulo Afonso. Três anos depois a água do Rio São Francisco foi levada aos vários municípios da bacia Leiteira pelo “Projeto Coletivo para Abastecimento D’água da Bacia Leiteira de Alagoas”. Em Olho d’Água das Flores a água encanada chegou às habitações em 1968.

No início de 1974 foi inaugurada o primeiro trecho da Rodovia Sertaneja (AL-202), entre Arapiraca e Batalha. Logo em seguida foi entregue para uso público a sua continuação até Olho d’Água das Flores. Em janeiro de 1977 foi inaugurado o asfaltamento da rodovia entre Olho d’Água das Flores e Santana do Ipanema, com 22 km.

Com uma população de 20.695 pessoas, segundo o Censo de 2022, o município está situado no Semiárido Brasileiro, onde predomina a Caatinga, mas é um importante participante da chamada Bacia Leiteira de Alagoas.

7 Comments on Olho d’Água das Flores e do Padre Antônio Duarte

  1. Grande pesquisador , Grande Históriador , PARABENS

  2. Claudio de Mendonça Ribeiro // 30 de julho de 2024 em 09:32 //

    Muito grato, prezado Ticianeli.

  3. Marcelo Maciel // 30 de julho de 2024 em 15:06 //

    Muito boas informações, contando muitos fatos da rica história de Olho d’água das flores . Mas não deu ênfase ao ataque de Virgulino Ferreira, lampião a então vila de Olho d’água das flores ocorrido em junho de 1926, também não deu ênfase a família dos Anjos

  4. Antonio Barboza Ribeiro // 2 de agosto de 2024 em 08:59 //

    Muito boa explicação sobre origem do municipio de Olho D’água das Flores e suas famílias. Parabéns as famílias Melo e Abreu. Que teve o primeiro Prefeito da Cidade.

  5. André Soares // 2 de agosto de 2024 em 10:07 //

    É muito o que você escreve.

  6. Gostei do informado, foi dado ênfase ao mais importante, faltou aos agricultores familiares que sempre produziram na região, e não familiares abastados e que sempre mamaram nos cofres públicos…

  7. Importante essa essa iniciativa de mostrar os municípios alagoanos
    Os alagoanos precisam saber sobre a história de nossos municípios
    Parabéns a todos.

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