O engenheiro alemão Pedro José de Azevedo Schrambach e suas obras em Alagoas

Quartel da PMAL e a Cadeia de Maceió, projetada pelo engenheiro Schrambach

Sabe-se dele que nasceu em 1786 em Frankfurt do Meno, na Alemanha, e que chegou ao Brasil em 1826 como um dos militares recrutados na Europa para formar o Corpo de Estrangeiros, instituição criada por D. Pedro I (Decreto Imperial de 8 de janeiro de 1823) e formada principalmente por batalhões de militares alemães e irlandeses.

Vivia-se a Guerra da Independência. Algumas Províncias não aceitaram a separação e resistiam com apoio de tropas e comerciantes portugueses. Como ainda não existiam forças militares brasileiras aptas a enfrentá-los, D. Pedro I comprou armas, navios e importou militares. Essa busca por mercenários se estendeu regularmente até 1828.

Schrambach está na relação dos transportados pelo navio Friedrich, que partiu do porto do porto de Bremen em 1º de junho de 1826, com 238 passageiros, dos quais 152 eram soldados. A embarcação era capitaneada por Hans C. Stille e o tenente Julius Mansfeldt o comandante do transporte.

Foi Julius Mansfeldt, em seu relato de viagem, que registrou a relação dos alistados nesse batalhão multinacional (Reise nach Brasilien im Jahre 1826, herausgegeben von Julius Mansfeldt, herzoglich Braunschweig’schgem Oberlieutenant a. D., Magdeburg, bei C. Bänsch jun., 1828).

Schrambach não era engenheiro na Alemanha. As informações sobre ele identificam que foi militar em Frankfurt e escrivão de Polícia, e que deixou em sua terra natal mulher e filhos.

Chegou ao Brasil quando tinha 40 anos de idade e adotou o nome de Pedro José de Azevedo Schrambach, o que dificulta a pesquisa mais detalhada sobre suas origens.

Em Frankfurt do Meno, no mesmo período, existiu um Peter Joseph Schrambach, que se casou em 24 de novembro de 1811 com Catharina Dorothea Schrambach (1787 – 1822). Não se pode afirmar que esse Peter Joseph é o mesmo Pedro José que veio para o Brasil, mas fica o registro para posterior estudo.

Em Pernambuco

Num expediente de 29 de outubro de 1841, o governo da Província de Pernambuco comunicou ao Inspetor Geral das Obras Públicas que não poderia autorizar a admissão de Pedro José de Azevedo Schrambach como seu ajudante e com os vencimentos de 2º tenente engenheiro, “por não haver a lei do orçamento consignado quantitativo para novos engenheiros, e o estado atual dos cofres das rendas provinciais não permitir que se faça aumento de despesa, e que em consequência deve empregar como desenhista com o mesmo vencimento que presentemente recebe”.

Essa informação nos diz que naquela data, Schrambach já estava em Recife e recebendo por seu trabalho na área da engenharia. Assim permanecia em agosto de 1843. Seu nome é relacionado como “desenhista” da Companhia do Beberibe, que naquela data era a empresa contratada para implantar o encanamento das águas em Recife.

Pátio do Carmo em Recife no século XIX

Seu vínculo com Pernambuco se estabeleceu por ter sido designado para o 28º Batalhão de Caçadores, agrupamento oriundo do Corpo de Estrangeiros, que foi levado do Rio de Janeiro para Recife em março de 1825. Somente regressou nos primeiros meses de 1828. Era conhecido como o Batalhão do Diabo.

Não se sabe quando ele retornou a Recife, onde casou-se novamente (na igreja católica). A coluna Notícias Particulares, do Jornal do Commercio (RJ) de 4 de setembro de 1832, dá uma pista sobre o período em que isso ocorreu. A nota pretendia localizar “a moradia do Ilustríssimo Senhor Schambran (sic), que foi capitão do extinto Corpo de Estrangeiros, para negócio de seu interesse”. Essa busca por ele em 1832, no Rio de Janeiro, pode indicar que já não morava mais por lá.

Alagoas

Quando, em maio de 1848, o presidente Felix Peixoto de Brito e Mello entregou o governo da Província ao vice-presidente Manoel Sobral Pinto, relatou que ao chegar a Alagoas teve que “lamentar o estado de abandono ou de desprezo, em que se achava a respeito de obras públicas”.

Dias depois, analisando a legislação provincial se deparou com a Lei nº 22, de 18 de março de 1837, mandando construir a cadeia da cidade, com capacidade para receber a Câmara municipal e sessões do júri. Foi para realizar essa obra que Pedro José de Azevedo Schrambach desembarcou em Alagoas em 1847.

Quartel da Polícia Militar e a Cadeia de Maceió, projetada pelo engenheiro Schrambach

Não havia um engenheiro, nem pessoa habilitada para traçar uma planta e fazer o orçamento; nem mestres de ofício, nem recurso de qualidade alguma; em embargo sobressaía a todas estas dificuldades o meu desejo de ser útil à província. Lembrei-me então do engenheiro Pedro José de Azevedo Schrambach, que eu muito conhecia de Pernambuco, e o mandei convidar para este mister; aceitou o meu convite, e chegando a esta cidade, a planta e o orçamento foram obras de poucos dias; seu zelo e atividade excedem a todo o meu encarecimento”, anotou o presidente Felix Peixoto de Brito e Mello.

A autorização para esses serviços foi publicada em 30 de agosto de 1847. Schrambach também foi nomeado administrador da obra.

Em janeiro do ano seguinte, também foi designado para acompanhar as obras de alinhamento de alguns lugares públicos de Maceió e de projetar o Mercado Público da capital, com quatro alas. Foi erguido na antiga Praça São Benedito, onde hoje está o prédio que foi a Secretaria de Educação, no Centro de Maceió.

Praça São Benedito e o antigo Mercado Público de Maceió

Foi dele também a planta do edifício planejado para receber o Tesouro Estadual e a Assembleia Legislativa na futura Praça D. Pedro II. Suas obras tiveram início em 14 de março de 1850. Em 16 de setembro de 1850 foi autorizado a marcar e fazer o quadro de alicerce no lugar escolhido para a construção do cemitério, de acordo “com a planta tirada”. É o atual Cemitério da Piedade.

Assembleia Provincial no final do século XIX

Em 11 de setembro de 1851, a Câmara Municipal aprovou o contrato realizado com Schrambach para o levantamento da planta da cidade, evitando “no futuro as deformidades de construção e a irregularidade das ruas”.

O presidente José Antônio Saraiva informou, em 24 de outubro de 1853, que por ordem do ex-presidente da Província, José Bento da Cunha Figueiredo, o engenheiro Schrambach havia feito o levantamento e orçado a “estrada que do Bebedouro segue até Murici, passando pela Mata do Rolo”.

Em 12 de maio de 1855 foi encarregado de examinar e propor soluções para as fendas abertas na muralha de sustentação do Palacete da Assembleia, um projeto seu de 1850.

Seus préstimos também foram solicitados, em 1855, quando se decidiu implantar em Maceió o Hospital de Caridade, embrião da atual Santa Casa de Misericórdia. Projetou gratuitamente a planta do edifício.

Ainda em 1855 foi encarregado de começar o calçamento, pelo sistema de MacAdam, da Rua do Comércio. MacAdam é um tipo de pavimento desenvolvido pelo engenheiro escocês John Loudon McAdam.

O encontro com D. Pedro II

No final de 1859, D. Pedro II visitou Alagoas e navegou o Rio São Francisco até Piranhas, de onde seguiu a cavalo até Água Branca e depois conheceu a Cachoeira de Paulo Afonso.

No livroDom Pedro II e Dona Tereza Cristina nas Alagoas”, Abelardo Duarte descreve essa viagem e os preparativos realizados para dar o melhor conforto possível ao imperador.

Para melhorar o trecho onde existia somente uma picada, entre Piranhas e Água Branca, o governo da Província nomeou o engenheiro Schrambach, que também se empenharia em beneficiar o percurso depois de Água Branca. Dali em diante passaria a contar com a ajuda de Manoel José Gomes Calaça, o futuro Comendador Calaça.

Vapores no porto de Piranhas. Foto Ignácio Mendo

Schrambach recebeu 500 mil réis para as despesas, mas não se empenhou como esperado. Em 8 de outubro de 1859 enviou correspondência ao presidente Souza Dantas e em 15 de outubro de 1859 recebeu a resposta:

“Depois do ofício que você Vme. me dirigiu em data de oito do corrente e estranhando-lhe a negligência com que se tem portado em uma comissão que requeria toda a presteza e a maior urgência possível, tenho somente a responder de que no dia 17, S.M. o Imperador deverá chegar infalivelmente em Piranhas, e que a estrada que desse ponto vai à Cachoeira de Paulo Afonso, se achará em estado de ser transitada pelo mesmo Augusto Senhor, na certeza de que Vme. é o responsável por todo e qualquer falta que porventura se possa dar, que incumbido de uma semelhante comissão por portaria desta presidência de 19 do mês pp., é sobremaneira estranhável que só agora em 8 do corrente, venha Vme. solicitar providências tardias, que não podem ser dadas em tempo de se aproveitar. O que tudo lhe declaro, sob sua responsabilidade, esperando que não haja falta no cumprimento de seus deveres”.

Em Piranhas, no dia 18 de outubro de 1859, o Imperador foi recebido por uma comitiva e entre as autoridades estava Pedro José de Azevedo Schrambach. Assim Abelardo Duarte descreveu esse encontro:

“Deparou-se S.M. aí com o engenheiro Pedro José de Azevedo Schrambach, a quem chamavam na povoação e conforme a grafia do imperador, “Capitão Charambuque”. Das notas de S.M. transcrevo o trecho seguinte, que se refere ao velho engenheiro. ‘Nada sabia quase estrada, que lhe encarregara o Presidente preparar, entre Piranhas e Paulo Afonso, e se apresentou de chinelas, por causa, diz ele, dum incômodo no pé, tem 72 anos e pertenceu ao batalhão de estrangeiros 28’. Vê-se que toda a ira do presidente Souza Dantas, no célebre ofício dirigido ao engenheiro Schrambach, recaí sobre um homem quase inválido; velho e doente. Estava claro que o engenheiro Schrambach, ao qual o presidente da Província cometera pesados encargos, inclusive serviços de campo, não poderia jamais dar conta do recado e certamente não recusara por motivos óbvios”.

Mesmo com toda essa reprovação do Imperador, em 14 de março de 1860 Schrambach foi condecorado como Cavaleiro da Ordem da Rosa.

Faleceu em Maceió, aos 82 anos de idade, em 11 de janeiro de 1868. Consequência de uma queda na Ladeira do Pilar, quando estava indo para Atalaia à serviço da Província. Foi enterrado em sepultura eclesiástica por ser católico e irmão da Irmandade do Santíssimo Sacramento. Sabe-se que deixou esposa e filhos, mas não foi possível identificá-los.

3 Comments on O engenheiro alemão Pedro José de Azevedo Schrambach e suas obras em Alagoas

  1. Muitissimo interessante. Uma reliquia para os alagoanos e para o Brasil.

  2. Maria do Carmo Carneiro (Carmem) // 22 de janeiro de 2024 em 20:35 //

    Importantíssimo esse resgate da história! Conservem esses monumentos históricos, divulguem para a sociedade essas obras de arte urbanas!

  3. Claudio de Mendonça Ribeiro // 23 de janeiro de 2024 em 10:34 //

    Prezado Ticianeli, muito grato pela publicação dessa análise e das antigas imagens. No entanto, muito triste o final da vida do Schrambach.

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