Enfermaria Militar de Maceió, antigo Forte de São João
A primeira construção que ocupou a área da futura Enfermaria Militar de Maceió tinha objetivos diferentes. Por sua posição estratégica na defesa do ancoradouro de Maceió, ali se implantou, em 1820, o Forte de São João, cruzando fogo com outra bateria real, a de São Pedro na ponta que separa Jaraguá da Pajuçara.
Quem cuidou da sua construção foi o tenente-coronel Sebastião Francisco de Melo Povoas, governador da nova Capitania das Alagoas, que desembarcou em Maceió no dia 27 de dezembro de 1818 e tratou de montar o sistema defensivo da vila.
No início, esses fortes eram apenas de terra elevada. O de São João tinha com quatro canhões de 24mm instalados em espaldões sem cobertas. Não se tem registro de quando as estruturas em alvenaria foram erguidas, mas sabe-se que após alguns anos sem maiores utilidades, as duas estruturas militares foram sendo abandonadas.
Há registros ainda de que mais duas baterias foram erguidas no litoral de Maceió em 1822, durante a chamada Guerra da Independência. Félix Lima Júnior relata que as construções foram ordenadas pelo coronel Oliveira Belo. Obviamente, tiveram o mesmo fim das primeiras.
Desprezado, o Forte de São João em 1832 já estava arruinado, sem parapeitos, esplanadas e plataformas. Só lhe restava um calabouço, uma casa de guarda, um paiol de pólvoras e dois grandes salões. O Forte de São Pedro sobreviveu até 1847, quando foi demolido.
Hospital Militar
O prédio do Forte de São João ficou abandonado até 1844, quando foi reformado para receber o Hospital Militar.
Pelos registros, as instalações eram precárias e inadequadas. Para se ter uma ideia, o prédio também foi ocupado pelo Depósito de Artigos Bélicos até 1875, quando foi construído equipamento próprio para esse fim.
São raros os registros das atividades dessa unidade hospitalar nesse período, mas sabe-se que em setembro de 1875 quem chegou por lá, designado pelo o presidente da Província, foi o padre Antônio José da Costa. Recomendou-se a ele que administrasse, “com a necessária prontidão os sacramentos e outros socorros espirituais às praças em tratamento na Enfermaria Militar”.
A proteção divina era mais que necessária, considerando principalmente o estado precário da construção. Parte dela desabou em 1876.
Na reconstrução o prédio recebeu a configuração que permanece até nossos dias. O projeto e a construção ficaram ao encargo do coronel Franklin Antônio da Costa Ferreira. A capela foi concluída em 8 de dezembro daquele mesmo ano.
Em 1879 novos problemas foram detectados na construção: seus alicerces estavam sendo abalados em função das alterações do leito do Riacho Maceió, que estava se aproximando do prédio. Algumas obras foram realizadas para protegê-lo.
Nesse período, esteve à frente daquela unidade o cirurgião dr. Luiz Victor Homem de Carvalho. Em 1888 ainda era ele o diretor, auxiliado pelo dr. Pedro Delfino de Aguiar. A Farmácia ficava ao encargo do alferes farmacêutico Anizio Muniz Gomes.
Custo x Benefício e localização ameaçam o Hospital
A partir de maio de 1886, o jornal Gutenberg iniciou uma campanha para fechar o Hospital Militar, argumentando que Maceió não recebia mais batalhões de linha, o que justificaria a sua necessidade, com sua farmácia e “certo pessoal médico”.
As despesas eram elevadas para uma capital cuja guarnição fora reduzida a uma única Companhia. Para comprovar essa avaliação, o jornal apresentou seus cálculos.
Constatava que o Hospital tinha, em média, quatro enfermos, mas as despesas somavam a rs 13:067$300, assim distribuídas:
Um primeiro cirurgião | 3:000$000 |
Dois segundos cirurgiões | 5:280$000 |
Um farmacêutico | 2:040$000 |
Um enfermeiro (gratificação e vencimentos) | 546$825 |
Dois serventes | 733$650 |
Um cozinheiro | 366$825 |
Medicamentos por ano (termo médio) | 1:000$000 |
Lavagem de roupa | 100$000 |
O jornal propunha que fosse mantido apenas um médico 2º cirurgião e que fosse utilizada a enfermaria do Hospital de Caridade (Santa Casa) para os soldados doentes.
Um militar por dia no Hospital de Caridade custava 2$000 rs. Considerando a média de quatro por dia e pagando ao médico, as despesas cairiam para 5:560$000.
No O Orbe de 23 de outubro de 1887, um colaborador revelou que os estudos solicitados pelo ministro da Guerra sobre a viabilidade econômica de se manter a Enfermaria Militar existiam, mas que ele era contrário a ela: “Existe aqui uma excelente enfermaria militar, próprio nacional com linda capela no centro, tendo há pouco a dita enfermaria sofrido grandes reparos e reforma de mobília e outras modificações, prestando-se cômoda e decentemente ao tratamento dos oficiais e praças desta guarnição”.
Outro problema do então Hospital Militar era a sua localização, numa área com sérios problemas, muito próxima do curso do Riacho Maceió (atual Salgadinho), onde predominavam os alagadiços, como denunciou o leitor “Pai de família” no jornal O Gutemberg de 20 de junho de 1886.
Preocupado com as “exalações miasmáticas e deletérias” que existiam nas proximidades da antiga Ponte do Leão (atualmente seria o final da Rua Barão de Anadia), o “Pai de Família” assim descreveu o problema: “Mesmo em frente da enfermaria militar e quartel da companhia de infantaria, um imundo esterquilínio empestando a localidade, contribuindo ainda mais para a insalubridade pública”.
Em sua denúncia, uma informação importante: no prédio também funcionava o Quartel da Companhia de Infantaria. Outros jornais da época confirmaram essa utilização.
Mesmo com esses obstáculos, o Hospital Militar continuou a funcionar onde estava. A área no seu entorno apresentava problemas principalmente nas proximidades do Riacho Maceió, entretanto, no outro lado vinha recebendo benefícios desde 1868, quando por ali passou a trafegar os primeiros veículos sobre linha férrea de Alagoas.
Anos depois, por causa das operações com os bondes, em frente ao Hospital foi montada uma “agulha” para mudar a direção desses veículos. Ali se bifurcava para o Trapiche da Barra, passando pela lateral do Hospital, ou seguia para o Centro pela Rua Barão de Anadia. O local ficou conhecido como Praça ou Estação da Agulha.
Enfermaria Militar
No dia 7 de abril de 1890, o Decreto nº 307 deu ao Hospital Militar a classificação de Hospital de 3ª Classe.
Era até então dirigido pelo médico de 4ª classe dr. Alfredo de Araújo Rego. O enfermeiro mor era o paisano Antônio Álvaro de Bitencourt Leite, tendo como ajudante também o paisano Cândido Balbino Riberio Moura.
Trabalhavam como serventes os civis Antônio José Domingues, Pedro Alves Nilo e Antônio Celestino da Silva.
Substituíram nessas funções os praças do 26º BI.
Em 5 de abril de 1890, o Exército nomeou para dirigir o hospital o médico dr. Afonso Smargado de Oliveira, tendo como farmacêutico José Jacintho de Camerino. Depois foi contratado mais um médico, dr. Pedro Soares de Albuquerque. A farmácia militar estava a cargo do tenente farmacêutico de 4ª classe Aristóteles Souto Bivar.
Para se ter uma ideia das atividades ali realizadas, de 1º de dezembro de 1889 a 30 de setembro de 1890 baixaram ao hospital 413 doentes. 390 curados, 8 falecidos e 15 em tratamento na data final.
Em 2 de junho de 1892, o Hospital Militar passou a se chamar Enfermaria Militar.
Permaneceu em funcionamento até os últimos anos da década de 1910.
Em 17 de setembro de 1916, o prédio sediou o sorteio dos alistados para o serviço militar, organizado pela Junta de Revisão e Sorteio Militar de Alagoas, sinalizando que ali também funcionavam outros serviços do Exército.
Não se tem a data de quando a Enfermaria Militar deixou de funcionar no local, mas em fevereiro de 1917, a comissão encarregada dos festejos do Centenário da Emancipação de Alagoas anunciou que haveria uma exposição de produtos agrícolas e industriais no prédio “onde funcionava a enfermaria militar”. (Jornal A Pyrausta de 14 de fevereiro de 1917).
Em 1918, por lá ainda se reunia, em um dos salões, a Junta de Revisão e Sorteio Militar de Alagoas.
Ainda em 1918 foi publicada a confirmação de que a Enfermaria Militar não mais ocupava seu antigo prédio, que surgiu em 1844 dos restos do Forte de São João. Um relatório do Ministério da Guerra constatava que em Alagoas, com a organização de novas unidades, havia a necessidade de se instalar uma enfermaria: “O hospital militar funciona em um antigo prédio adquirido em 1872, e está localizado no bairro mais salubre da capital. É um belo edifício de construção antiga e que requer algumas obras para o seu completo asseio e conforto dos doentes”.
Outra confirmação também vem, em 1819, de um relatório do Exército. Informava o documento que o Serviço de Engenharia do Exército fazia reparos no ano anterior na “antiga enfermaria de Maceió para quartel da 1ª Bateria da Costa” e que também “projetou, orçou e está executando a transformação para a enfermaria militar do edifício do Senado de Alagoas, cedido pelo governo do estado sob autorização legislativa”. Foi inaugurada ao meio-dia de 7 de setembro de 1920.
A Bateria da Costa de Maceió foi extinta pelo Decreto nº 13.651, de 18 de junho de 1919, e em setembro todo o seu efetivo e equipamentos foram removidos para o Rio de Janeiro, onde passaram a guarnecer o Forte do Leme, no Morro do Vigia. Havia sido inaugurado em novembro de 1918.
Mais de duas décadas depois a antiga Enfermaria recebeu o Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva – NPOR, criado em outubro de 1942 e que ocupou inicialmente o casarão da esquina da Praça Sinimbu com a Rua do Imperador, onde posteriormente funcionou o Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas.
Nos anos da década de 1970, a 20ª Circunscrição do Serviço Militar também ali se instalou. Com a saída do NPOR, passou a dividir o lugar com o Museu da 2ª Guerra Mundial desde 14 de março de 1996.
Mais uma vez, prezado Ticianeli, grato pela publicação desta análise.
É sempre prazerosa a leitura das suas pesquisas.