A Casa da Pólvora de Maceió e a Igreja de São Gonçalo
O primeiro registro sobre a Casa da Pólvora de Maceió foi feito por um marinheiro britânico, Sir Ross, em 1835. Segundo J.F. Maya Pedrosa em seu livro Histórias do Velho Jaraguá, o navegante fez elogios às boas condições de ancoragem, os serviços do prático e o fácil acesso à água e alimentos em Jaraguá, e indicou como ponto de referência para outros navegadores, um pequeno edifício branco que chamou de Paiol. O autor avalia que era “provavelmente aquela construção no Alto do Jacutinga e nas proximidades do antigo farol, pelos fundos da Igreja, hoje Catedral“.
O Paiol da Pólvora dividia sua área com a casa do guarda do paiol e uma bateria de “vinte e tantas peças”, que protegia o Porto de Jaraguá. A partir de 1851 esse alto recebeu também a construção do Farol e da casa do faroleiro.
O terreno para estas construções foi doado ao governo imperial, em 15 de junho de 1834, por Bento Ferreira Guimarães.
O Paiol da Pólvora foi erguido em 1834 e o Farol teve sua a pedra fundamental lançada festivamente no dia 2 de dezembro de 1851.
O evento contou com a presença do presidente da província, José Bento da Cunha e Figueiredo, e de mais algumas autoridades. Atendia a uma antiga reivindicação que buscava beneficiar o meio de transporte mais utilizado na época, a navegação.
O Farol foi muito útil, mas a bateria, felizmente, nunca foi utilizada para seus fins bélicos.
Quando, em 31 de dezembro de 1859, D. Pedro II chegou a Maceió a bordo do vapor “Apa“, foi saudado com 21 tiros pela bateria do alto do Farol.
Da mesma forma foi utilizada, nos dias 18 e 19 de junho de 1870, para avisar da aproximação do transporte de guerra Leopoldina com o 20º Batalhão de Voluntários da Pátria que retornavam da Guerra do Paraguai.
Localizado no Morro do Farol, numa área que ficaria depois conhecida como Alto do Jacutinga — na cabeça da Ladeira da Catedral onde hoje fica um mirante ao lado da sede do CREA-AL (Praça D. Ranulpho) —, o Farol estava a poucos metros da Casa da Pólvora, “um vulcão que está a cavaleiro da cidade e que em um abrir e fechar d’olhos pode fazê-la voar pelos ares, senão toda, a maior parte”, como a definiu Thomaz Espíndola em seu livro Geografia Alagoana.
Esse problema não era desconhecido para o presidente José Bento.
Meses antes, em sua “Falla” anual na Assembleia de junho de 1851, informou que tinha mandado fazer um inventário da quantidade de pólvora do paiol para retirá-la dali, mas, por cautela não deixou que houvesse a mudança de local. “Julgo conveniente que neste particular se obre sempre com pausa, e sob as cautelas da Polícia”.
A pausa aconteceu e foi longa.
Somente em 1869 o assunto voltou a ser abordado, desta feita pelo filho de Bento Figueiredo, José Bento Figueiredo Júnior, que presidia a Província e registrou em sua “Falla” a existência de planta e orçamento para adaptar em depósito de pólvora um outro imóvel que teria sido destinada para ser o Matadouro.
Segundo Craveiro Costa no seu livro Maceió, o que deveria ser o Matadouro era um galpão construído no lugar chamado Paus-Secos. Hoje o local é o cruzamento da Rua Formosa com a Rua Cabo Reis, na Ponta Grossa.
A construção foi ideia do presidente Sá e Albuquerque, em 1855, que queria o matadouro na margem da lagoa Mundaú, no final do que seria o prolongamento da Rua do Livramento (hoje esse prolongamento seria a Rua Formosa), criando um porto para Marechal Deodoro e Pilar.
Após a construção do Matadouro, o local foi considerado impróprio.
Em 1870, José Bento Figueiredo Júnior ainda insistia com os deputados sobre a necessidade da mudança da Casa de Pólvora para o Matadouro sem uso.
Argumentava que o prédio do Alto do Jacutinga estava minado por formigueiros e era uma ameaça, em caso de explosão, aos moradores vizinhos e ao próprio Farol. Outro problema eram os incêndios de verão nos terrenos adjacentes.
Finalmente, em 1875, o presidente da província, João Thomé, informou que o Paiol da Pólvora já estava funcionando improvisadamente no Matadouro da cidade.
Entretanto, o local que tinha sido impróprio para ser um matadouro, também não servia para depósito de pólvora. Três anos após a mudança, durante o governo de Torquato Barros, estas reclamações foram registradas na “Falla” do presidente.
Como lá eram guardadas pólvoras do Estado e de particulares, a deterioração do material desagradava principalmente aos comerciantes, que eram obrigados por lei a deixar suas mercadorias sob os cuidados do governo.
Atendendo aos reclamos, o presidente da Província solicitou do Ministério da Guerra autorização para a construção de um paiol em local adequado, que seria escolhido por uma comissão composta pelo major do Estado Maior da Artilharia, Cândido José Costa, o bacharel Bernardo Pereira do Carmo e o major de engenheiros Inocêncio Galvão de Queiroz. O orçamento e projeto da obra também foram solicitados à comissão.
Em 1879, em aviso do dia 14 de setembro, o Ministério da Guerra ordenou a construção do novo paiol e a comissão encarregada indicou “um local na colina, que domina a cidade, em ponto bastante afastado das estradas frequentadas e do centro da população, de modo a não haver que recear danos, ocasionados por explosão inesperada”. Não há registro preciso deste local proposto.
Entretanto, nada aconteceu. O Ministério da Guerra resolveu adotar as “pausas” e “cautelas” propostas por José Bento Figueiredo quase 30 anos antes. O silêncio imperial incomodou ao presidente Cincinato Pinto, que em 1880 cobrou ao ministro da Guerra uma definição sobre a construção do novo Paiol.
A resposta só veio em 1882, quando o mesmo Ministério pediu novo orçamento. O governador Domingos Antônio Raiol decidiu, antes de fazer o orçamento, nomear outra comissão para definir o local.
Foram indicados o diretor de Obras Públicas, engenheiro Inocêncio Galvão de Queiroz; o engenheiro da província Manoel Cândido Rocha de Andrade e um empregado da Tesouraria da Fazenda.
Nova pausa e, no governo de Pedro Paulino da Fonseca, em 1890, a localização do Paiol voltou a ser questionada sob o argumento que não tinha as condições de segurança exigidas para este fim. A única vantagem apontada era o de estar distante do centro da cidade, à margem do Canal do Trapiche da Barra.
Seis anos depois o problema continuava. Em 1896, o jornal Gutemberg denunciou que duas carroças transportando barris de pólvora do Porto para o Paiol passaram pelas ruas centrais da cidade. A reportagem revela que um dos carroceiros estava fumando enquanto conduzia a carga perigosa.
A partir de 1900 o Paiol deixou de funcionar no prédio do antigo Matadouro, que passou a ser utilizado como um Hospital de Isolamento. Em agosto de 1905, o Gutemberg registrou que o local estava deteriorado e recebendo bexigosos. Recebeu reforma em 1907.
A partir de 1900, não há mais informações sobre o destino que tomou o Paiol de Pólvora de Maceió. Sabe-se que na década de 1920 ainda existia.
Capela de São Gonçalo
Enquanto as “pausas” não deixavam o Paiol encontrar o seu melhor local, a antiga Casa de Pólvora do Alto do Jacutinga era destinada a novas funções.
Em 1888, por iniciativa da Irmandade de São Gonçalo do Amarante, o prédio começou a ser adaptado para servir à igreja católica e receber a imagem do santo padroeiro daquela sociedade, que desde 1840, quando sua capela foi demolida para dar lugar à Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres, ocupava um lugar sem o devido destaque naquele templo.
Não foi encontrado o registro das obras que transformaram o local numa capela. Mas deve ter sido uma adaptação demorada, considerando que em 1890 já estava em construção e que a instalação da torre ocorreu somente no final de 1899.
O dr. Vinicius Maia Nobre encontrou algumas informações em Félix Lima Júnior, que se referiu ao local como um armazém sem divisões internas que foi modificado, ganhando do lado esquerdo uma torre com um pequeno sino e duas cruzes de ferro, uma acima da única porta e outra sobre a torre.
Lembrando que houve também alguns melhoramentos após 1950, o dr. Vinicius Maia Nobre assim descreveu a igreja:
“Originalmente, seu estilo foi tão colonialmente simples, como é ainda hoje, apesar de modificações porque passou em algumas oportunidades. Possui um pequeno salão onde são celebradas as missas e o altar onde estão localizadas as imagens. Seu teto não é forrado e seu piso, originalmente de tijolo, foi substituído por mosaico.
A capela de São Gonçalo, apesar de suas formas modestas e despretensiosas, não foi demolida graças à sua privilegiada localização e a generosidade dos seus fiéis.
A restauração foi custeada por D. Letícia de Melo Mota, o piso doado por D. Edite Nogueira, os mosaicos oferecidos por Claudio Magalhães e a mudança das portas e janelas foram custeadas por D. Iolanda Fiuza Moreira. Nos arredores da igreja floresceram famílias maceioenses, que acompanharam o desenvolver urbano do bairro do Farol.”
No vídeo abaixo o professor e historiador Álvaro Queiroz fornece mais detalhes sobre a história desta igreja.
Parabéns, pelo belíssimo trabalho!